BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A exportação de carne brasileira para os Estados Unidos foi parar na mesa de negociações com o governo Donald Trump, como forma de equilibrar o jogo sobre a ameaça de taxação do etanol que o Brasil vende aos EUA.

Conforme informações obtidas pela reportagem, o governo brasileiro planeja tentar emplacar um possível aumento da cota da carne que vende aos EUA sem a incidência de tarifas. A ideia seria, com isso, tentar compensar eventuais perdas com a imposição de sobretaxas sobre o etanol brasileiro -uma das ameaças feitas pelo governo Donald Trump.

A relação bilateral com o governo Trump diante da ameaça de tarifaço pelo republicano foi discutida em uma conversa realizada na quinta-feira (6) com membros do governo americano e o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin. Nesta segunda-feira (10), Alckmin falou com empresários especificamente sobre a possibilidade de envolver a carne nas tratativas.

Atualmente, o Brasil possui uma cota anual de 65 mil toneladas para exportar carne bovina in natura aos Estados Unidos. Dentro desse volume, não há cobrança de imposto pelos americanos. Acontece que essa cota tem sido rapidamente preenchida. Em janeiro deste ano, por exemplo, ela já tinha sido totalmente utilizada. Acima desse patamar, as exportações brasileiras de carne bovina para os EUA estão sujeitas a uma tarifa de 26,4%.

O governo brasileiro quer ampliar essa cota atual para 150 mil toneladas, permitindo que um volume maior de carne bovina brasileira entre no mercado americano sem a aplicação da tarifa. Em 2024, os Estados Unidos importaram aproximadamente 229 mil toneladas desse produto brasileiro, movimentando US$ 1,35 bilhão, segundo dados do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) compilados pela Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes).

A proposta partiu dos produtores e do governo brasileiro, sob a justificativa de que a ampliação da cota favorece o mercado de consumo dos americanos. A questão não é tão simples, porém, uma vez que os produtores de carne dos EUA podem ver uma maior ameaça em seu próprio mercado.

A demanda americana por carne bovina está associada à redução do rebanho local, afetado por condições climáticas adversas, como secas prolongadas. Essa diminuição levou os EUA a aumentarem suas importações para suprir a demanda doméstica.

No mês passado, Trump ameaçou impor tarifas adicionais sobre o etanol brasileiro. A Casa Branca se queixou de que os EUA aplicam uma tarifa de 2,5% sobre o etanol importado do Brasil, enquanto o país impõe uma taxa de 18% sobre o álcool combustível americano.

A redução da tarifa para a carne nacional seria mais uma forma de equilibrar o tabuleiro tarifário. Na quinta, Alckmin e técnicos de Lula tiveram conversas com os principais auxiliares de Trump na área comercial, com o objetivo de tentar evitar a imposição de tarifas prometidas pelo republicano em produtos como aço, alumínio e etanol.

Para aceitar maior abertura para o etanol americano, o governo Lula também tenta colocar na negociação o açúcar exportado para os americanos. Os EUA têm uma cota de 146,6 mil toneladas de açúcar brasileiro isenta de imposto de importação. Acima disso, o que entra no mercado americano é taxado em 80%.

No ano passado, o Brasil vendeu 1,12 milhão de toneladas de açúcar aos EUA -de um total global exportado de 38,2 milhões de toneladas.

Conquistar melhores condições para o açúcar é visto pelo governo Lula como uma forma de equilibrar eventuais perdas que as usinas brasileiras possam ter com a entrada de maior volume de etanol americano no país. As usinas de etanol também têm capacidade para produzir açúcar e, assim, poderiam se beneficiar do ganho de mercado nos EUA.

PRECEDENTES

No passado, o Brasil já flexibilizou sua política de importação de etanol com os EUA, em troca de concessões na exportação de carne bovina para os Estados Unidos. Em 2019, os EUA reabriram seu mercado para a carne bovina in natura do Brasil, após um bloqueio sanitário imposto desde 2017.

Em paralelo, o Brasil renovou uma cota anual de 750 milhões de litros de etanol dos EUA com isenção tarifária, beneficiando os produtores americanos, especialmente do etanol de milho.

Em 2020, o Brasil suspendeu temporariamente a tarifa de 20% sobre o etanol americano por 90 dias. A decisão ocorreu em meio à tentativa de garantir melhores condições para a exportação de carne bovina brasileira para os EUA.

Já em 2021, houve o fim da cota de etanol, o que gerou tensão comercial. O Brasil decidiu não renovar a cota de etanol importado sem tarifas, voltando a aplicar a taxa de 20% sobre os produtos dos EUA. Como retaliação, os EUA mantiveram a cota limitada de 65 mil toneladas para a carne bovina brasileira sem tarifas, frustrando tentativas do Brasil de ampliar esse volume. É a situação que prevalece até o momento.