SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O juiz penal Erick García, da Guatemala, decidiu nesta segunda-feira (10) devolver à prisão, com “efeito imediato”, o jornalista José Rubén Zamora, ao acatar uma ordem de um tribunal superior que revogou a prisão domiciliar em que ele estava desde outubro do ano passado, depois de mais de 800 dias encarcerado.

Zamora, 68, é acusado de chantagem, lavagem de dinheiro e tráfico de influência, em um processo que organismos internacionais e vários governos consideram um ataque contra a liberdade de imprensa por parte do governo guatemalteco anterior ao atual e de seus colaboradores ainda presentes na Procuradoria.

Após tomar conhecimento da decisão, o jornalista insistiu em sua inocência e reiterou que continuará “enfrentando o Estado mafioso, as máfias criminosas que manipulam à sua vontade e arbitrariamente a Justiça”.

“Agora, volto à prisão. Eu penso que não sou o único”, declarou Zamora, que qualificou como arbitrária a resolução. O jornalista também falou sobre o juiz que anunciou a decisão. “Deixaram-no encurralado, sem saída”, disse, em referência à determinação da instância superior. García, o magistrado, afirmou durante a audiência que ele e sua equipe receberam ameaças relacionadas ao caso, mas não entrou em detalhes.

A Sociedade Interamericana de Imprensa (S IP) também condenou a decisão. “Rejeitamos a revogação da prisão domiciliar do jornalista José Rubén Zamora. A decisão arbitrária do Judiciário constitui um grave exemplo de perseguição política e contra a liberdade de expressão na Guatemala”, disse na rede social X.

A ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) fez “um apelo ao sistema judicial guatemalteco para que respeite o direito a um julgamento justo e pare de abusar dos mecanismos legais para silenciar os jornalistas”. “A comunidade internacional deve continuar pressionando a Guatemala para garantir a liberdade de imprensa e o Estado de direito”, afirmou a RSF em uma declaração enviada à agência de notícias AFP.

Para organizações de direitos humanos, acadêmicos e órgãos de imprensa, o caso de Zamora é parte do expurgo de juízes, advogados e jornalistas pelo qual a Guatemala passou após 2019, com o fim da Cicig (Comissão Internacional Contra a Impunidade da Guatemala), órgão criado em parceria com a ONU para apurar casos de corrupção.

Zamora, com uma trajetória de três décadas denunciando casos de corrupção, foi preso em sua casa após publicar em seu jornal El Periódico casos envolvendo o então presidente de direita Alejandro Giammattei (2020-2024).

A polícia chegou em sua casa, onde estava com seus netos e familiares e sem qualquer explicação, manteve todos na residência por seis horas. O jornalista ficou então preso em uma solitária durante os mais de dois anos detido em Mariscal Zavala, na Cidade da Guatemala, desde 29 de julho de 2022 até outubro do ano passado. Em agosto de 2024, especialistas da ONU afirmaram que a situação em que ele se encontrava equivalia a tortura.

O jornal foi fechado em 2023, enquanto ele estava na prisão.

Um tribunal o condenou em 14 de junho de 2023 a seis anos de prisão por lavagem de dinheiro, mas a sentença foi anulada e o julgamento deverá ser repetido.

Zamora denunciou um “golpe judicial em curso na Guatemala” em entrevista à Folha em novembro de 2024. “Desde que saí da prisão, sempre estive consciente de que o retorno seria muito provável”, afirmou.

O jornalista contou que, dos 16 advogados que contratou ao longo do processo, quatro foram presos por defendê-lo, e dois tiveram que se exilar. A certa altura, chegou a recorrer a um defensor público. “Já não tinha dinheiro, e também ninguém mais queria me defender”, disse.

A situação teve uma leve melhora após a posse de Bernardo Arévalo em 2024. Com a mudança de gestão, Zamora passou a ter a possibilidade de ficar oito horas por dia fora da cela, não mais apenas uma, como antes, e conseguiu fazer melhorias no espaço.

Após a revogação da prisão domiciliar do jornalista em 2024, Arévalo foi às redes afirmar que a força pública não executaria “ordens ilegais provenientes de um Ministério Público criminalizador e arbitrário”.