BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), assumiu em ofício a autoria de uma emenda parlamentar que ficou três anos abandonada, sem um político que reconhecesse sua paternidade.

Apesar de ter assinado o documento, Guimarães nega ser o verdadeiro autor da indicação da verba. O ofício, diz o líder do governo, serviu apenas para atender aos requisitos determinados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e, assim, conseguir a liberação do dinheiro.

O documento foi encaminhado em dezembro do ano passado ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional para destravar o pagamento da emenda, aprovada na gestão Jair Bolsonaro (PL).

A verba apadrinhada pelo líder do governo fazia parte do conjunto das emendas de relator, também conhecidas pelo código técnico RP9, que foram objeto de controvérsia por ocultarem o parlamentar que era o real responsável por indicar como seria gasto o dinheiro público.

O presidente Lula (PT) fez campanha contra esse mecanismo na eleição de 2022, que tratou como “o maior esquema de corrupção da história deste país”.

O recurso de R$ 1.295.812,85 para recuperação de estradas vicinais em Tabuleiro do Norte (CE) foi aprovado no Orçamento de 2021 e ficou sem um padrinho político oficial desde então, mesmo com as cobranças do STF para que os responsáveis por essas emendas aparecessem.

No mesmo período, outras duas emendas de relator para o município tiveram os autores divulgados —o deputado AJ Albuquerque, presidente do PP no Ceará, e o ex-deputado Heitor Freire (União Brasil-CE).

A verba assumida agora por Guimarães, no entanto, ficou sem um padrinho oficial até 19 de dezembro de 2024, quando o líder do governo Lula enviou o ofício ao ministério.

Isso foi necessário porque as obras ainda estão em execução e faltava a liberação de R$ 639 mil. O ministro Flávio Dino, do STF, determinou que os recursos só poderiam continuar a ser executados se alguém assumisse a autoria da verba, mesmo que se apresentassem apenas como apoiadores.

Guimarães negou à reportagem que tenha negociado esses recursos durante o governo Bolsonaro e que seja o autor original da indicação da verba.

“Só assinei o ofício a pedido do prefeito, atendendo ao imperativo que o ministro Flávio Dino colocou, de ser uma obra já em andamento. Não é de autoria minha, é de um ex-deputado que não sei qual é”, disse. “Assinaria por outros prefeitos também, para a obra não ficar inconclusa”, afirmou.

A reportagem tentou contato por telefone e pelas redes sociais com o ex-prefeito de Tabuleiro do Norte Rildson Vasconcelos (PP), que comandava o município na época da indicação da verba, mas não houve retorno.

Guimarães pretende concorrer ao Senado em 2026 e busca apoio de prefeitos de todo o estado. Em 2024, ele apadrinhou outro repasse para o município de Tabuleiro do Norte, de R$ 4,4 milhões, por meio de uma emenda de comissão, que substituiu a emenda de relator, mas também foi bloqueada pelo STF pelos mesmos problemas de falta de transparência.

Consultados, outros parlamentares do Ceará disseram não saber a autoria original da verba apadrinhada por Guimarães. A assinatura do líder do governo, portanto, atende à determinação do STF, mas não cumpre na prática os requisitos de transparência à distribuição do dinheiro.

Na época da aprovação da emenda, Guimarães atuava na Câmara como líder da minoria, grupo de partidos que faziam oposição ao ex-presidente Bolsonaro.

Na campanha de 2022, Guimarães também foi um dos críticos desses recursos das emendas de relator. Em uma postagem no antigo Twitter, ele acusou Bolsonaro de ser “inimigo do SUS”, o Sistema Único de Saúde, ao cortar R$ 3,3 bilhões da área, mas preservar as emendas de relator. “Nesse governo, ganhar eleição importa mais que a saúde do povo?”, escreveu.

OPOSIÇÃO

Esse tipo de emenda foi distribuído a aliados, à época, pelo presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) e por líderes partidários. Quanto maior o prestígio do parlamentar e proximidade com o governo, maior a verba recebida.

Nos bastidores, apontava-se que a oposição também recebia as emendas. Pelo menos outros dois deputados petistas enviaram documentos em dezembro ao Ministério da Integração reconhecendo a paternidade de recursos das emendas de relator durante o governo Bolsonaro.

O deputado Vander Loubet (PT-MS) solicitou a liberação de R$ 521 mil para a construção de uma ponte no município de Inocência (MS).

Procurado para explicar como obteve a indicação do dinheiro, ele enviou nota em que diz que o convênio foi “firmado em 2021, período em que o presidente da República era Jair Bolsonaro”, e que “naquele momento não havia qualquer impedimento legal ou decisão do Supremo Tribunal Federal que vedasse a aplicação desses recursos”.

“Não se trata de uma nova destinação de recursos ou de uma decisão política do atual governo, mas sim do cumprimento de um compromisso firmado no passado, dentro das regras vigentes à época”, afirmou.

O deputado Flávio Nogueira (PT-PI) enviou ofício em que reconhece ser o autor de três emendas, no valor total de R$ 1,4 milhão, para os municípios de Valença do Piauí (PI) e Demerval Lobão (PI).

À reportagem ele disse não lembrar como obteve o recurso, mas rejeitou qualquer irregularidade. “Não há nada secreto, estou assumindo a autoria. O dinheiro sai de Brasília e chega no município, a obra acontece, os órgãos de fiscalização fiscalizam”, declarou.

Na época da aprovação dessas emendas, Nogueira não estava no PT. Ele era do PDT, partido também de oposição, mas estava em processo de saída da sigla após votar a favor da reforma da Previdência. Ele optou por disputar a eleição de 2022 pelo PT, partido pelo qual havia exercido seu primeiro mandato como deputado estadual.