SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Primeira deputada da América do Sul, Carlota Pereira de Queiroz foi a única mulher a assinar a Constituição de 1934 entre outros 252 constituintes. Ela abriu as portas para a ocupação feminina do espaço político-institucional —um direito adquirido, mas ainda hoje não plenamente exercido, já que as mulheres continuam sendo minoria na política.

Filha de José Pereira de Queiroz e de Maria de Azevedo Pereira de Queiroz, ela nasceu em São Paulo em 1892. Sua família pertencia à elite. Tinha fazendeiros, políticos e um dos fundadores do jornal A Província de São Paulo (atual O Estado de S. Paulo).

Carlota foi aluna do Curso Secundário da Escola Normal da Capital, na praça da República, e se formou em novembro de 1909.

Apesar de se interessar por medicina, começou sua carreira na educação, como professora e diretora.

Permaneceu na área por mais de dez anos. “Naquele tempo, ainda não havia clima para que uma mulher fizesse um curso de medicina, para que frequentasse as aulas da faculdade”, dizia um perfil seu publicado em 1952 na Folha.

Carlota enfrentou a oposição de sua família para fazer o curso, mas o trabalho lhe deu independência econômica para estudar medicina.

Formou-se em 1926 e se especializou com pesquisa sobre câncer. Depois, trabalhou com pediatria e fez uma segunda especialização em hematologia, formação ainda nova naquela época.

Foi a terceira mulher integrante honorária da Academia Nacional de Medicina em 1942. Fundou também a Academia Brasileira de Mulheres Médicas, da qual foi presidente de 1961 a 1967.

Queiroz ganhou projeção política durante a Revolução Constitucionalista de 1932, quando organizou um grupo de 700 mulheres, com o apoio da Cruz Vermelha, para dar assistência aos feridos em batalha.

Na convocação para as eleições constituintes de 1933, seu nome foi recomendado com apoio de grupos que participaram do movimento. Foi a primeira eleição com voto secreto e livre participação feminina no pleito e nas urnas, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral.

As organizadoras da campanha pela candidatura utilizam sua rede de associações feministas, femininas e beneficentes para divulgar e informar as mulheres sobre a participação eleitoral, de acordo com a historiadora Mônica Raisa Schpun, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais da França.

Queiroz foi eleita deputada em 1933. Como era a única mulher no Legislativo, havia expectativa por parte do movimento feminista de que ela ajudasse a fazer as causas do movimento avançarem. Mas a pioneira tinha outras prioridades ligadas à sua bagagem na medicina e educação, além de não concordar com algumas das reivindicações, conta Schpun.

“A Carlota era certamente uma mulher do tempo dela, uma mulher conservadora, mas não necessariamente as propostas do movimento feminista eram totalmente progressistas”, diz a historiadora.

Uma das diferenças, explica, é que Queiroz achava que as mulheres deveriam ficar em situação de igualdade com os homens. Já algumas feministas defendiam tratamento diferenciado a elas pelo papel de mãe, deixando-as isentas, por exemplo, do serviço militar.

Não dá para afirmar que era antifeminista, diz Schpun. “A Carlota foi a ponta da lança. Só que ela carregava esse orgulho familiar, então ela nunca reconheceu a misoginia tremenda que enfrentou como a única mulher no Congresso.”

Como parlamentar constitucionalista, a médica participou dos trabalhos da Comissão de Educação e Saúde, elaborando o primeiro projeto sobre a criação de serviços sociais do Brasil. Também foi porta-voz da defesa da alfabetização no país. Em 1934, foi reeleita deputada.

Sua participação abriu portas para que outras mulheres se candidatassem. Nas eleições estaduais constituintes de 1934 em São Paulo, duas mulheres foram eleitas, conta José D’Amico Bauab, do Centro de Memória Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.

O mandato de Carlota acabou com o golpe de Getúlio Vargas que deu origem ao Estado Novo, em 1937. Ela lutou pela redemocratização e concorreu no fim do período como deputada nas eleições de 1945 pela União Democrática Nacional, mas não foi eleita.

Depois da carreira política, a pioneira voltou à prática clínica. Morreu em 17 de abril de 1982, aos 90 anos de idade.

Em seu nome, a Câmara dos Deputados criou o Diploma Mulher-Cidadã Carlota Pereira de Queiroz, que homenageia todo ano cinco mulheres que contribuíram para a defesa dos direitos da mulher e questões de gênero.

“Até hoje nós somos minoria nesse espaço. Ter a Carlota como uma primeira mulher imediatamente após o voto feminino foi muito importante para que pudéssemos abrir portas para todas nós que viemos depois”, diz a deputada Ana Pimentel (PT-MG), chefe da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara, responsável pela premiação.