SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Maria Eugênia Soares Cerchi, 35, se diverte ao comentar o espanto do tio quando visitou o novo escritório da Queijos Scala em São Paulo, que será inaugurado nesta segunda (10). “Ele quis saber o porquê de o banheiro das mulheres ser o dobro do tamanho do dos homens”, lembra. “Porque aqui tem mais mulher mesmo, uai”, disse ela a Marcel Scalon Cerchi, 64, presidente da Queijos Scala, cuja sede fica na pequena Sacramento, cidade da Serra da Canastra, a 447 quilômetros de Belo Horizonte.
Como diretora administrativa da Scala há nove meses, uma das missões de Maria Eugênia em São Paulo é fazer com que a marca criada em 1963, pelo seu avô, o imigrante italiano Leonildo Luiz Cerchi, o “Seu Nino”, se torne mais conhecida do consumidor, ampliando sua presença no varejo.
“Nos últimos três anos, a Scala tem vivido uma transformação cultural: era uma empresa muito da porteira para dentro, sempre investiu em robustez fabril e qualidade do produto, se concentrou no food service [ingredientes para lanchonetes, restaurantes e padarias]”, afirma. Mas agora entende que também precisa expandir para o varejo para continuar crescendo. “De uma empresa industrial, passa a olhar mais para o cliente final”, diz ela, a respeito do grupo que faturou R$ 1,4 bilhão em 2024, com as divisões de laticínios e nutrição animal.
Hoje, 70% das vendas de queijo no país estão no varejo, diz ela. Este canal responde por uma participação muito pequena do volume total produzido pela Scala, apenas 25%. A meta é fazer com que essa participação cresça para 30%, pelo menos, até o final de 2027. Maria Eugênia vai apoiar essa expansão e, ao mesmo tempo, acessar a partir de São Paulo talentos que a empresa não consegue recrutar para a sua sede, em Sacramento. “Nem todo mundo está disposto a se mudar para um lugar de 27 mil habitantes”, diz ela, sobre sua cidade natal.
Ela é responsável pelas áreas de marketing, comunicação, recursos humanos, TI, produto, inovação, planejamento e excelência.
Da “porteira para dentro”, uma das suas tarefas é aumentar a diversidade na companhia, que soma 34% de mulheres entre 1.150 funcionários. “Mas na área administrativa elas já ultrapassam 50%”, diz ela, que tem como objetivo alcançar 50% de mulheres no total do grupo até 2030. “Um ambiente diverso favorece a criatividade, traz um olhar diferente para os riscos e as oportunidades do negócio, além de maior resiliência.”
A própria Maria Eugênia é a prova disso. Filha do primogênito do Seu Nino, Léo Luiz, 70, hoje aposentado, ela é a única mulher da família a ocupar um cargo executivo na empresa, onde chegou no final de 2016. Mas antes de entrar na Scala precisou provar seu valor, trabalhando em outras empresas, uma regra de governança na empresa familiar. Durante quatro anos, atuou na Vivo e na Samsung, na área de marketing.
Agora, a Scala se prepara para receber a terceira geração de sucessores: os nove netos do Seu Nino, que passam a ser sócios de um dos maiores laticínios do país.
TRÊS QUARTOS DAS EMPRESAS NÃO SOBREVIVEM À 3ª GERAÇÃO
“Cerca de 75% das empresas não passam da terceira geração”, diz a psicóloga Flávia Camanho, especialista em governança familiar, citando pesquisa da consultoria global McKinsey. “Não é à toa que aquele ditado ‘pai rico, filho nobre, neto pobre’ existe em diversos idiomas, de culturas diferentes. Quem trabalha com governança familiar vê isso muito de perto: o fundador se dedica, consegue passar parte dos valores aos filhos, mas os netos, que tiveram uma vida com muito mais conforto, muitas vezes não estão engajados com o negócio, que definha.”
Segundo Flávia, a terceira geração é a soma dos primos, que terão pensamentos diversos, formações distintas e um apetite a risco diferente. “Tem aqueles que vão usar o negócio como uma fonte de dividendos para manter o seu padrão de vida, às vezes muito acima do padrão das gerações anteriores, enquanto outros vão querer reinvestir nos negócios e fazer o dinheiro crescer”, diz ela, que por nove anos dirigiu o family office (escritório que gerencia o patrimônio das famílias muito ricas) dos Setubal e Villela, do grupo Itaú, que tem cerca de 80 integrantes.
Formada também em administração, com MBA pela Fundação Dom Cabral e pela University of British Columbia, do Canadá, Flávia diz que a Queijos Scala, a quem vem prestando consultoria, trabalha pela perenidade das operações.
Ela afirma que a empresa foi cuidadosa ao criar um conselho de família, um conselho de sócios e um conselho de administração, além de buscar capacitar todos os membros sobre o que é governança.
O primo de Maria Eugênia, Cristiano Cerchi Angotti, é presidente do conselho de administração da Scala. “Ele passou pelos mesmos critérios de seleção que eu: pelo menos dois anos de experiência em uma empresa do mercado, de igual ou maior porte, pós-graduação completa, programa de treinamento rotativo com duração de um ano em todas as áreas da companhia, apresentar um projeto de trabalho para o conselho”, diz Maria Eugênia, que também é membro do conselho de administração.
Desde maio do ano passado, Joanita Maestri Karoleski, ex-CEO da Seara Alimentos, participa do conselho da Scala como membro independente. “Eles têm uma governança robusta e bem estruturada”, diz ela, que também é conselheira da Bunge e da Pilgim’s, do grupo JBS, entre outras. “Estão estrategicamente bem posicionados para aproveitar oportunidades de expansão da sua marca no mercado. Processos decisórios em empresas familiares costumam ser bem mais rápidos do que em multinacionais”, afirma.
Maria Eugênia diz que a vinda de Joanita para o conselho já é parte deste movimento de diversidade que a Scala vem abraçando, que vale para todos os escalões da companhia. “Vamos começar agora em março o programa ‘Mais mulheres na manutenção’, em parceria com uma escola técnica de Sacramento”, diz. Serão oferecidas neste ano 60 vagas nas áreas de elétrica e mecânica, onde as mulheres costumam ser raridade.
A empresa também pretende criar um programa para transformar em mentoras mulheres que estão em posição sênior hoje na Scala. “São elas que vão orientar as futuras líderes da companhia”, diz.
Hoje a Scala tem quatro fábricas, instaladas em Sacramento e Patrocínio, nas bacias leiteiras do Triângulo Mineiro e do Alto Paranaíba, com capacidade para processar mais de 600 mil litros de leite por dia, provenientes de mais de 500 fornecedores. O fornecimento de muçarela e parmesão, especialmente para o segmento de alimentação fora do lar (food service), é um dos destaques do grupo. A SCL Agro, empresa de nutrição animal, também tem fábrica em Sacramento.
“A gente brinca que ninguém melhor do que um italiano instalado em Minas para produzir queijos”, diz Maria Eugênia. “Mas a verdade é que o começo da família foi muito difícil”. O avô, conta, chegou ao Brasil aos 6 anos de idade, com a mãe viúva e outros quatro irmãos. Começou a trabalhar ainda criança ajudando a mãe a vender pães na rua. Mais tarde, trabalhou como entregador e garçom. Casou-se com Cléria Scalon, com quem teve quatro filhos. Juntou dinheiro até comprar uma fábrica de manteiga que deu origem ao grupo. Morreu em 2002, aos 82 anos.
A executiva diz que o avô reconhecia a importância da esposa para a empresa. “Em entrevistas, ele dizia que minha avó Cléria sempre esteve à frente dos negócios, por isso a razão social da Scala traz o sobrenome dela na frente, Scalon Cerchi Ltda.”.
Questionada se pretende se tornar CEO um dia, ela considera a possibilidade. “É uma questão de preparação. Hoje a gente ainda não discute isso. Mas é uma oportunidade, assim como para os meus pares executivos, os meus pares familiares. Essa posição um dia vai estar disponível e acredito que todos nós poderemos olhar para ela de forma igual.”