BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – A área usada pela produtora rural Kety Souza para cultivar café é pequena, mas emblemática e um sinal de como a cafeicultura tem se desenvolvido no Acre, segundo maior produtor da região Norte do país: são três hectares da variedade canéfora em plena produção dentro da reserva extrativista Chico Mendes, em Brasiléia.

Os primeiros cafeicultores chegaram ao estado na década de 1970, mas, sem incentivo, abandonaram a produção, que só foi retomada por agricultores familiares há pouco mais de uma década, em meio à região amazônica e sem desmatamento.

A área em produção no passado chegou a ser de 1.200 hectares, mas com as técnicas rudimentares usadas o desempenho era ruim, com apenas 29 sacas (de 60 kg cada) geradas por hectare, enquanto na última safra a média chegou a 47 sacas (63% mais), com uma área produtiva de mil hectares, segundo a Secretaria da Agricultura do Acre.

Há atualmente mil produtores no estado, o que significa uma área média de apenas um hectare por cafeicultor. “Mas, mais do que quantidade, o que pensamos é em melhorar a produção, que não é irrigada. O regime de chuvas é bom, mas a irrigação pode dobrar a produção”, disse Kety, que, junto do marido, Jorge Souza, tem como objetivo plantar um hectare a mais por safra recuperando áreas degradadas na reserva.

Assim, projeta, ampliará a oferta de cafés especiais. Durante a SIC (Semana Internacional do Café), principal evento do gênero no país e que ocorreu em novembro em Belo Horizonte, o casal comercializava embalagens de 250g de um lote especial por R$ 30 cada –há uma série de cafeterias parceiras em outros estados. Para reduzir custos e elevar ganhos, o microlote do seu café especial, Raízes da Floresta, é torrado em fogão a lenha na própria propriedade.

O que ocorre no Acre hoje é um fenômeno que teve início há pouco mais de uma década em Rondônia, principal produtor no Norte do país. Nos dois estados, cafeicultores cultivam plantas canéforas, variedade que é mais resistente ao calor que a arábica, predominante nas lavouras de Minas Gerais, maior produtor de café do mundo, e que se adapta mais a temperaturas amenas.

Até por replicar um formato que já está mais consolidado no estado vizinho, a produção do Acre é inferior. Rondônia atinge 52 sacas por hectare, em média, e a região Matas de Rondônia, que concentra a produção, alcança 68 sacas.

O solo e as condições do Acre são consideradas como superiores aos de Rondônia por pesquisadores da área: o estado tem mais chuva e solos muito férteis e planos, com a vantagem de poder aproveitar o know-how dos produtores de Rondônia e materiais genéticos de mesma origem.

Os mil hectares em produção equivalem a 1.400 campos de futebol, ínfimo se comparado à grandeza da região amazônica, mas é motivo de comemoração para os atuais produtores, que veem nas novas variedades e técnicas a perspectiva de ampliar a produtividade e a qualidade por área sem comprometer a floresta.

É o que tem conseguido a produtora Elizelda Caffer, que obteve na safra anterior o primeiro lugar num concurso da Três Corações ao lado do marido, Celso Timpurim. Um dos pioneiros na plantação de café no Acre, a família tem 12 hectares de robusta amazônico em Acrelândia. “O importante é que não há concorrência, todos se ajudam e assim vamos crescendo juntos”, disse ela.

A região é muito propícia para o desenvolvimento dos robustas amazônicos, segundo a engenheira agrônoma Michelma Lima, coordenadora do núcleo de cafeicultura na Secretaria da Agricultura do Acre.

“O solo, o regime de chuvas e o relevo são favoráveis ao desenvolvimento da cultura, que possui sabor e aroma diferentes. O fato de chover muito mais que no Sudeste, com médias de 2.000 mm a 2.200 mm [anuais], permite avançar sem depender necessariamente da irrigação”, disse.

Ela afirmou que há muitas lavouras em fase de transição –deixando o sistema antigo, arcaico, para renovar os cafezais com novas técnicas e mudas– e que o foco ao melhorar a qualidade é se tornar uma referência em cafés especiais.

“Iniciamos em 2023 o trabalho com cafés especiais e, tendo Rondônia como referência, estamos pulando os erros que eles tiveram para crescermos. Isso ajuda a ganhar tempo e em cinco anos queremos ter um volume maior de cafés especiais”, disse.

Dos 22 municípios do Acre, 19 produzem café, e Acrelândia é o principal deles. Apenas 14% das lavouras são irrigadas no estado, enquanto em Rondônia o índice chega a 99%, segundo a Embrapa.

O café produzido na região amazônica é ambientalmente sustentável e não agride a floresta, conforme um estudo produzido por pesquisadores de duas unidades da Embrapa.

Tendo como base Rondônia, responsável por 97% do café da região amazônica, a pesquisa usou imagens de satélite de alta resolução como apoio para definir em polígonos as áreas agropecuárias e as de florestas e concluiu que entre 2020 e 2023 houve desmatamento zero em 7 dos 15 municípios das Matas de Rondônia.

Em toda a região, foram detectados traços de retiradas de áreas florestais em menos de 1% da área total ocupada pela cafeicultura. O estudo servirá como base para determinar a área precisa ocupada com lavouras cafeeiras, sua dispersão e o que existe de uso de solo e florestas preservadas em seu entorno.

Ao conversar com produtores e compradores de outros estados na feira em Belo Horizonte, Kety afirmou que era muito significativo estar ali dadas as dificuldades enfrentadas para que isso ocorresse.

“Nós saímos da floresta, de um local de difícil acesso, e viemos mostrar ao mundo um café que tem agradado as pessoas. Apesar dessas dificuldades, o nosso café é bom, atinge alta pontuação [86 pontos, numa escala que vai até 100] e tem gerado curiosidade nas pessoas”, disse.

A SIC (Semana Internacional do Café) reuniu mais de 20 mil pessoas de 40 países em três dias na capital mineira e fechou mais de R$ 60 milhões em negócios.

O jornalista viajou a convite da SIC (Semana Internacional do Café)