SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Antes de julho de 2024, Bia Souza levava uma vida normal de atleta no Brasil, com todas as dificuldades e a resiliência comuns aos esportistas nacionais estão sujeitos (exceto os do milionário mundo do futebol). Porém, em duas semanas, durante as Olimpíadas de Paris, a judoca de 26 anos se tornou uma celebridade no país.
Hoje em dia, uma ida a um restaurante com o marido já é um desafio: quem cruza com ela, quer uma foto para mostrar que encontrou a primeira atleta a ganhar uma medalha de ouro para o Brasil nos Jogos, disputados na capital francesa.
Logo na primeira Olimpíada que disputou, Bia conseguiu algo que diversos atletas com anos de carreira almejam: ser abraçado pela torcida brasileira. Muito mais do que conquistar a medalha, ela emocionou as redes sociais ao falar, aos prantos, com a família, logo depois da disputa e agradecer aos pais e a avó, morta um mês antes.
“Dentro do mundo do esporte, estavam esperando que eu trouxesse um resultado, mas para o resto do Brasil foi uma grande surpresa. Muita gente se identificou diante das lutas e das superações da vida de um atleta e também se sentiu realizado com a conquista. Isso trouxe uma mágica”, afirma em entrevista à reportagem.
Entrevista essa marcadinha e com tempo cronometrado em meio à agenda cheia da peruibense de coração. Neste Dia da Mulher, a atleta, que se tornou uma inspiração para meninas e mulheres, principalmente das que fogem ao padrão (tido por anos como o tal “corpo de atleta”) fala sobre a popularidade pós-disputa, limites, desafios e vida pessoal. Confira trechos da entrevista abaixo.
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PERGUNTA – Mais do que a medalha de ouro, você conquistou o respeito e a admiração dos brasileiros após a Olimpíada. Por que acha que sua conquista foi tão celebrada?
BIA SOUZA – Acredito que pelo modo como impactou as pessoas. Todo mundo que encontro na rua sempre diz ‘a gente precisava muito desse ouro, você trouxe muita alegria’. Teve os Jogos de Tóquio em 2021, mas foi um momento muito difícil. Estava todo mundo se reconstruindo e se recuperando da pandemia e das milhares de mortes. As pessoas vibrando e torcendo foi algo que deixou mais especial essa edição.
P – Hoje, oito meses após os Jogos, você tem quase 3 milhões de seguidores no Instagram. Mesmo compartilhando a rotina de treinos, prêmios e desempenho físico, recebe comentários te desmerecendo?
BS – Com certeza. O povo nunca está feliz. Sempre alguém acha algum motivo imaginário para reclamar, mas eu sou uma pessoa muito tranquila em relação a isso. Não ligo para opiniões alheias, ainda mais uma opinião ofensiva que eu não pedi.
P – O que faz? Responde, apaga?
BS – Apago, acho que não precisa ter esse tipo de coisa lá. Sempre dou uma olhadinha para ver se tem mais um. Se tiver, já apago também.
P – Mesmo com seus troféus e números na carreira, acredita que comentários desmerecendo suas conquistas são motivados por racismo e gordofobia?
BS – Algumas pessoas acham que eu não sou capaz, mas penso que para uma pessoa chegar ao ponto de ofender a outra dessa forma, fala muito mais dela do que de mim. Então não preciso carregar as frustrações de outras pessoas na minha vida.
P – Já chegou a processar o dono de algum desses perfis?
BS – Não, se eu puder relevar ao máximo, relevo. Mas, se precisar, vou sim. Sempre falo que eu enfrento os desafios e as pessoas preconceituosas sempre brilhando, sempre mostrando o meu sucesso, indo na competição e ganhando, me dedicando cada vez mais nos treinos. Vou continuar focada na minha carreira e em conquistar cada vez mais medalhas.
P – Quando era ofendida quando criança agia com essa tranquilidade também ou reagia?
BS – Antes do judô eu era mais esquentadinha, mas depois que comecei a praticar o esporte, me acalmei. Falei assim ‘tudo bem, vou crescer e vou mostrar meu talento para esse povo todo’. Mas eu discutia e brigava.
P – Qual foi sua luta mais sofrida fora dos tatames?
BS – O que mais me pegou foi a morte da minha avó, um mês antes de ir para Paris. Foi algo que me ‘virei nos 30’ para poder superar num tempo tão rápido e continuar focada para as Olimpíadas. Não tinha como abandonar o barco ali na cara do gol, foi muito difícil.
P – Muitos atletas vêm se pronunciado sobre situações desagradáveis e que beiraram o assédio, mas que só se deram conta depois de anos. Você que luta desde pequena, passou por algo parecido?
BS – Não, o esporte por si só tem uma grande disciplina, um grande respeito. O judô é um esporte muito antigo. O respeito uns com os outros sempre foi uma das grandes prioridades e essências.
P – Recentemente, você assumiu a liderança do ranking da Federação Internacional de Judô na categoria acima de 78kg. Depois de conquistar um ouro olímpico, se cobra mais para vencer?
BS – Não, sou muito tranquila em relação a isso. Sempre me cobrei em relação à minha entrega, de estar realmente 100% presente nos momentos. Me cobro mais em relação ao processo, ao modo como o qual eu vivo o processo, do que em ter resultados.
P – Você parece ser bem centrada, mesmo em meio a pressões constantes na vida de um atleta.
BS – Faço terapia há uns cinco anos.
P – Você que teve a iniciativa de buscar um terapeuta?
BS – Sim. Existem problemas que ficam além da nossa compreensão. Vou lá, desabafo, e meu psicólogo fala uma palavra e já resolve o problema todo. A gente precisa aceitar, buscar ajuda, entender que é normal.
P – Você já disse que a preparação para as Olimpíadas em Los Angeles, em 2028, já começaram desde quando os últimos Jogos acabaram. Esse planejamento da vida profissional se estende para planos na vida pessoal?
BS – Não, deixo para viver de uma forma mais leve. Mal fico no celular aos finais de semana. Como casal, temos um planejamento para o futuro pós-Los Angeles. Queremos ter filhos, mas é a longo prazo, nada que a gente esteja contando os dias. Estamos vivendo com calma e tranquilidade, sem pressa. Deixa o prazo ser todo cronometrado dentro do tatame.