LEONARDO VIECELI
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A desaceleração prevista para o PIB (Produto Interno Bruto) é importante para frear a inflação no Brasil, mas ainda há dúvidas sobre o desenrolar desse movimento em 2025, aponta a economista Silvia Matos, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
Conforme a pesquisadora, o cenário do ano pode resultar em um cabo de guerra entre o BC (Banco Central), que vem subindo os juros para conter os preços, e o governo Lula (PT), que pode tentar novas medidas de estímulo à economia em meio à perda de popularidade do presidente.
“Entendo a vontade [do governo] do ponto de vista político, mas falta um entendimento da economia. Não tem espaço para querer acelerar a economia quando a inflação está alta. A inflação pode ficar mais resistente e mais alta”, afirma Silvia em entrevista à reportagem.
Nesta sexta-feira (7), o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) informou que o PIB fechou o acumulado de 2024 com crescimento de 3,4%.
Analistas preveem um ritmo menor em 2025, perto de 2%, devido ao ciclo de alta dos juros. O aperto monetário busca controlar o nível de preços ao esfriar a demanda por bens e serviços.
Na visão de Silvia, o PIB brasileiro vem crescendo acima do seu potencial produtivo, o que significa um desempenho que está pressionando a inflação.
“Nem todo mundo tem condições de passar bem por esse processo de desaceleração da economia. Seria muito melhor [o PIB] não ter acelerado tanto antes para não ter de desacelerar tanto agora”, afirma a pesquisadora.
No quarto trimestre de 2024, o PIB já sinalizou perda de ritmo ao ficar praticamente estagnado. Houve leve taxa positiva de 0,2% ante os três meses imediatamente anteriores.
PERGUNTA – Qual é a sua avaliação sobre o PIB de 2024? Qual é a mensagem que os dados mostram sobre a economia?
SILVIA MATOS – A gente pode separar um pouco a foto do filme. A foto do quarto trimestre mostrou um cenário de desaceleração mais intensa. Ela foi maior do que se previa, com o consumo das famílias mais negativo [-1%].
Se a gente olhar o filme como um todo, diria que é preciso ter um pouco de cautela. O PIB cresceu muito ao longo do ano, e o consumo também.
P – Segundo o IBGE, o consumo já pode ter perdido força devido ao ciclo de alta da taxa básica de juros, que começou em setembro. A sra. concorda?
SM – Os efeitos diretos dos juros são um pouco mais defasados. O mercado de trabalho foi mais fraco no último trimestre do ano. A gente viu a economia desacelerando ao longo dos meses.
Não é tanto o efeito dos juros. É o efeito das incertezas na economia. Teve, por exemplo, a notícia do pacote fiscal muito ruim, a pressão do câmbio. As pessoas podem ter ficado mais cautelosas ao ver que os juros estavam subindo.
P – Projeções do mercado financeiro indicam crescimento em torno de 2% para o PIB de 2025. É uma desaceleração que tende a ser suave ou é algo mais preocupante?
SM – Nem tudo que é desaceleração econômica é negativo. A agropecuária deve ser boa neste ano, vai ser positiva. Ao mesmo tempo, o início do ano tem reajustes. O reajuste real do salário mínimo continua.
Então, o consumo não vai ser negativo no primeiro trimestre. Ao contrário, deve ter uma recuperação. Não sei se vai recuperar toda a perda do quarto trimestre.
Acho que o filme [de 2025] começa bem, e a partir daí os efeitos da política monetária vão ser mais fortes. O governo está querendo ir contra esse resultado, porque isso vai ser ruim do ponto de vista de avaliação. A gente não sabe ainda como vai ser o cabo de guerra entre a política monetária e a política fiscal.
No consumo, seria importante a desaceleração. O ritmo de crescimento está sendo muito forte. Tudo bem, houve o choque dos preços da alimentação, mas há uma inflação de demanda.
Isso tudo é para dizer que a gente tem um paciente que tem sintoma claro, que precisa desacelerar. É um pouco essa a linha para poder recuperar um crescimento mais saudável, mas é uma grande dúvida.
Com a incerteza, o que acaba ocorrendo? Os juros podem ficar altos por mais tempo. Esse processo de política monetária muito apertada vai se prolongando. Alguns setores sofrem mais do que outros, e, em certo sentido, a inflação acaba demorando mais para ceder.
A fatura do cartão de crédito chegou um pouco no último trimestre e vai continuar sendo paga ao longo de 2025. A economia não tem muito milagre.
P – Quando a sra. fala que a fatura do cartão chegou no final de 2024 e que isso vai se estender em 2025, se refere a um desempenho acima do potencial da economia nos últimos anos, ou seja, um crescimento que gera inflação e que traz juros altos por mais tempo?
SM – A gente acelerou demais, e deu efeito. É um pouco isso, a reversão do crescimento [na inflação]. A ideia é que neste ano a gente deveria crescer abaixo do nosso potencial. Acho que vai ser difícil crescer muito abaixo dele, porque tem a discussão da política fiscal, que vai ser menos expansionista, mas vai continuar.
P – E qual seria o PIB potencial no Brasil?
SM – A gente estima em torno de 2%, no máximo. O FMI [Fundo Monetário Internacional] chegou até a estimar algo mais forte, mas a gente tem bastante cautela. Um dos aspectos do potencial é o ganho de produtividade. A gente teria de ter ganhos de produtividade quase todo ano aqui no Brasil.
P – O quanto preocupa ou não o possível cabo de guerra entre a política fiscal e a política monetária?
SM – A sociedade brasileira perde quando o custo da desinflação fica mais alto. Se a gente tivesse, no ano passado, uma política fiscal não tão expansionista e tivesse crescido menos, a gente poderia crescer de uma maneira mais harmônica entre os anos, sem acelerar e desacelerar tanto.
Você cria uma volatilidade que é ruim para os investimentos, para a tomada de decisão, para os empresários, para as famílias, porque podem perder emprego, podem perder renda. Cria-se uma incerteza.
Gostaria de não ter cabo de guerra, que fosse mais harmônico. O problema todo é que, neste ano, a gente já está em pré-eleição. A eleição se antecipou.
É como se a queda de popularidade [do presidente Lula] criasse um alerta rápido para que se tentasse recuperar um resultado de popularidade melhor. O problema é que a gente está com inflação.
Se a gente não tivesse inflação, ok, mas a inflação está alta. Isso prejudica. Acho que é um pouco de tiro no pé, no sentido que esse cabo de guerra acaba gerando um custo maior de desinflação. Tanto que os agentes não acham que a inflação vai ficar baixa nos próximos anos.
O melhor seria não tentar acelerar demais a economia, deixar a economia crescer mais em linha com o potencial e avaliar. Entendo a vontade [do governo] do ponto de vista político, mas falta um entendimento da economia. Não tem espaço para querer acelerar a economia quando a inflação está alta. A inflação pode ficar mais resistente e mais alta.
Em vez de combatê-la, você vai incentivá-la, e o Banco Central fica sozinho nesse combate. Ele acaba usando o instrumento que tem, a alta dos juros. É ruim porque pode ter empresas que vão sofrer mais, empresas endividadas.
Nem todo mundo tem condições de passar bem por esse processo de desaceleração da economia. Seria muito melhor não ter acelerado tanto antes para não ter de desacelerar tanto agora.
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RAIO-X | SILVIA MATOS, 52
É economista e pesquisadora da área de economia aplicada do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas). Também atua como coordenadora do boletim Macro, responsável pela elaboração dos cenários macroeconômicos do instituto.