ROMA, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – “Nós nos reunimos em oração com Maria para meditar nos mistérios de Cristo. Oramos pela saúde do Santo Padre Francisco.” A praça São Pedro tem algumas centenas de pessoas, talvez um milhar, mistura de fiéis, religiosos e turistas.

Por devoção ou simplesmente porque passavam pelo local, católicos estão ali para orar pela saúde do papa, no hospital Gemelli desde 14 de fevereiro com uma pneumonia dupla. Já é a maior internação de Jorge Mario Bergoglio, 88, como papa, e seu estado é considerado grave, ainda que estável.

O último boletim sobre sua saúde aponta que ele teve leve melhora, e a insuficiência renal que o acometia está superada. Além disso, a tomografia computadorizada do tórax, realizada na terça-feira (25) mostrou uma evolução normal do quadro inflamatório pulmonar. Os exames de sangue e hematológicos confirmaram a evolução de seu estado. O papa continua submetido à terapia com oxigênio de alto fluxo e não apresentou nenhuma crise respiratória asmática. Prossegue também com fisioterapia respiratória.

A chuva fina que caía em Roma dá uma trégua para o Rosário. É noite de terça-feira, quando são citados os cinco mistérios dolorosos. Há também os gozosos, os luminosos e os gloriosos, e cada dia da semana tem os seus. No primeiro mistério doloroso, Jesus orou no Jardim das Oliveiras: “Pai meu, se for possível, afasta de mim este cálice! Mas não como eu quero, e sim como Tu queres!” É do Evangelho de Mateus, inspiração de Chico Buarque e Gilberto Gil para “Cálice”, que a ditadura militar censurou por cinco anos.

Cálice, com duplo sentido na canção, simboliza o sofrimento que Cristo já sabia que iria sofrer. “É um instinto natural, quando alguém está doente, nos sentimos mal. E o que podemos fazer em tal situação é interceder pela pessoa, rezar por sua rápida recuperação”, diz o padre da diocese de Boya, em Camarões, que está em Roma estudando direito canônico.

Ele não fala seu nome. Ao seu lado, uma freira recusa inclusive conceder entrevista. Há uma sutil animosidade com a imprensa, talvez pela razoável conclusão de que os repórteres estão ali apenas porque o papa está mal.

A praça é gigantesca, com dimensões que tornam modesta a quantidade de pessoas. Há um ruído constante, o ranger das cadeiras, que são tombadas para escorrer a água empoçada nos assentos. Junto com os barulhos da cidade e até de uma gaivota, por outro lado, dão certa humanidade ao evento —talvez ao estilo de Francisco, afeito ao trabalho pastoral, muito mais do que à grandiosidade do Vaticano.

Foi ele que, no ano passado, pulou a concorrida reabertura da Notre-Dame em Paris, para celebrar, uma semana depois, uma missa na pequena Notre-Dame-de-l’Assomption, em Ajaccio, na Córsega. Francisco “prefere as periferias”, escreveu o teólogo François Euvé à época.

O Rosário é uma oração contemplativa. A cada mistério, repete-se um Pai Nosso, dez Ave-Marias e um Glória ao Pai. A ideia da repetição é fugir da compreensão, ganhar confiança. “Eu não posso tomar o lugar de Deus. Se estamos aqui, é porque somos cristãos. Como cristãos, esperamos que nossa esperança não nos falhe”, diz o padre camaronês.

Esperança virou uma questão quase política no caso de Francisco. No domingo (23), o arcebispo americano Timothy Dolan, conservador que participou da posse de Donald Trump, pediu orações pelo papa porque, em suas palavras, o pontífice estava moribundo e “muito, muito próximo da morte”. Dias depois, o arcebispo de Gênova, Angelo Bagnasco, respondeu sem citar o colega. “Não há razão para falarmos de renúncia nem de hipóteses. Seguimos rezando para que melhore e volte a seu ministério.”

O primeiro papa sul-americano da história é popular, progressista, dentro do que é possível para um pontífice, mas para o padre africano isso pouco interessa. “Cada papa é uma face particular da igreja em um momento específico. Cada um tem uma missão. Não posso dizer que um é melhor do que outro. Eles são representantes de Cristo, e temos apenas um Cristo”, diz.

Cristo se manifesta através dos diferentes papas, acrescenta. Qual seria então a intenção dele com Francisco? “Salvar almas. É a missão da igreja. Francisco, o Vigário de Cristo, foi escolhido com esse propósito.”

Ainda que divina, a escolha é feita por homens, cardeais. Dois deles foram os primeiros a presidir o Rosário. Na segunda-feira (24), o italiano Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, responsável pela administração da Igreja Católica. Na terça (25), o filipino Luis Antonio Tagle, pró-prefeito do dicastério (departamento) para a Evangelização.

Não há uma ordem nas celebrações, diz o Vaticano, apesar de soar natural Parolin inaugurar a prática, que será diária até Francisco melhorar. Observadores, no entanto, veem nas entrelinhas um aceno da Santa Sé para o futuro.

Não faltam observadores nem entrelinhas no Vaticano. Nem menções a conclave, sendo que ninguém está falando do filme atualmente nos cinemas.

Ainda na terça, um decreto sobre canonizações foi divulgado após reunião na véspera de Francisco com Parolin e seu auxiliar, o arcebispo venezuelano Edgar Peña Parra. Um consistório, reunião de cardeais, foi marcado para oficializar as indicações, como de praxe, mas com data em aberto. A discussão na imprensa italiana é que, há exatos 12 anos, Bento 16 convocou um encontro para o mesmo fim e renunciou.

Em pouco mais de 40 minutos, a praça São Pedro medita sobre os outros quatro mistérios dolorosos, Jesus flagelado pelos soldados, com a coroa de espinhos, no calvário e crucificado. Roma especula se Bergoglio já se percebe na metáfora do cálice.