PEDRO S. TEIXEIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Há 20 anos três ex-funcionários do PayPal deram o primeiro passo para tirar do papel o que é hoje a maior plataforma de vídeos do mundo: registraram o domínio youtube.com. A estreia, de fato, foi em 23 de abril, quando Jawed Karim, um dos fundadores, mostrou que o serviço funcionava ao divulgar o vídeo de uma visita ao zoológico.
A ideia era permitir que as pessoas hospedassem material no YouTube para depois reproduzi-lo em blogs (o que hoje chamamos de embedar ou incorporar). A simplicidade da ferramenta inundou a internet com vídeos, espalhou o clássico símbolo vermelho de play e consolidou a plataforma como um ponto de referência da web.
Propriedade do Google desde 2006, a plataforma remunera mais de 3 milhões de canais e se declara “a nova televisão”, além de mola propulsora de novos negócios. “Os youtubers estão se tornando as startups de Hollywood”, escreveu o CEO do YouTube, Neal Mohan, em carta aberta divulgada nesta semana.
A variedade de gêneros distribuída pelos 100 canais mais populares do Brasil reforça a tese da empresa de tecnologia. Eles exibem de programas infantis a pequenas novelas, passando pela transmissão de esporte ao vivo e clipes de funk.
Lançado para hospedar vídeos caseiros, o site hoje atrai criadores pela possibilidade de produzir conteúdo mais sofisticado e pela constância nos pagamentos. “O YouTube tem uma regra clara de repasse e garante uma certa previsibilidade”, afirmou a CEO da consultoria Youpix, Rafaela Lotto.
[Até 2015] Se você fizesse 1 milhão de visualizações no YouTube, de vídeos longos, você recebia R$ 800 e eu achava ótimo. Hoje em dia, com as mesmas 1 milhão de visualizações, o criador gera de R$ 5.000 a R$ 6.000
fundador da CurtaHub
O site afirma que nos últimos três anos incluiu mais de 700 mil canais em seu programa de parcerias (YPP, Youtube Partnership Program). Muitos deles seriam antigos criadores que retornaram à plataforma após tentar a sorte na concorrência (Instagram e TikTok), segundo a empresa.
Para se enquadrar no YPP, o canal precisa ter mil inscritos, mais 5.000 horas de exibição de vídeos ou 10 milhões de visualizações em shorts -um formato de vídeos curtos similar ao aplicativo chinês.
Um dos canais fundados nesse período foi a CazéTV, do jornalista esportivo e influenciador Casimiro Miguel. A escolha pela plataforma de vídeos se deu por causa do algoritmo de recomendação de vídeos e pelo seu grande alcance, disse o cofundador da empresa Sérgio Lopes -o YouTube é o segundo site mais acessado do mundo, seguido do próprio Google, segundo a plataforma de audiência SimilarWeb.
A transmissão dos jogos olímpicos pela CazéTV mostrou que tecnicamente a plataforma está mais próxima da televisão digital. Era possível, por exemplo, assistir a quatro telas ao mesmo tempo e escolher qual áudio ouvir. Outro exemplo de tecnologia no site é o canal de Mr. Beast, o mais visto no mundo, que transmite, com auxílio de inteligência artificial, programas dublados em diversos idiomas.
“Trabalhamos de forma muito próxima com os times do YouTube no Brasil e na Califórnia para garantir estabilidade e fluidez em grandes eventos”, afirmou Lopes, referindo-se à assistência prioritária que a big tech garante aos criadores considerados estratégicos.
“Das 10 maiores audiências ao vivo do YouTube no mundo, a CazéTV foi responsável por cinco, inclusive a maior em esportes no jogo Brasil contra Croácia na Copa do Mundo de 2022 com um pico de 7,8 milhões de espectadores simultâneos”, afirmou o empresário.
Para o sócio da Play9 João Pedro Paes Leme, que fundou a companhia de marketing de influência em parceria com o influenciador Felipe Neto, o portal do Google escolheu se afastar dos concorrentes com mais cara de rede social -TikTok e Instagram– para se aproximar do streaming.
“Hoje, na Play9, já levamos essa mudança em consideração e até mesmo os planos de câmera, que no início do YouTube eram mais fechados para dar boa visibilidade nos celulares. Agora eles passaram a ser pensados como planos para quem acompanha no aparelho de televisão”, disse Leme.
No Brasil, 70 milhões de pessoas têm o aplicativo do YouTube instalado na TV, segundo levantamento da YouPix feito em parceria com a NielsenIQ.
Lotto, da YouPix, afirma que as pessoas preferem encontrar vídeos para assistir na plataforma por meio da busca, e não só receber recomendações do algoritmo. Essa tendência se converte em maior venda de produtos via anúncios e em mais fidelidade aos canais, segundo a especialista.
Nesse contexto, os criadores podem se arriscar a produzir até conteúdos seriados e buscar outras formas de renda, como as assinaturas e as doações via chat (as mensagens pagas chamadas de superchat).
Dono de canal há 10 anos e hoje agenciador de influencers, Pedro Gelli disse que muito mudou desde 2015. “Se você fizesse 1 milhão de visualizações, de vídeos longos, não existia shorts, você recebia R$ 800 e eu achava ótimo”, ele recorda.
“Hoje em dia, com as mesmas 1 milhão de visualizações, o criador gera de R$ 5.000 a R$ 6.000”, complementa.
Até 2019, ele se sustentou apenas com os proventos do sistema de parcerias do YouTube, mas depois buscou outras redes para consolidar a própria marca. Para Gelli, o influenciador profissional tem de marcar presença nos mais diversos pontos da web e diversificar os produtos, pensando em livros, mentorias e palestras.
Em 2021, ele decidiu direcionar seu conhecimento sobre as redes e as conexões que tinha com a plataforma ao serviço de outros criadores. Foi então que ele abriu a própria agência, CurtaHub.
O negócio tem clientes variados. A criadora Lorrayne Oliveira, com 11,3 milhões de inscritos, por exemplo, produz programas seriados sobre situações cotidianas que lembram novelas. Zeka Ramos, por sua vez, cria vídeos sobre atividades físicas e bem-estar.
“Quando eu gravava vídeos era como se eu estivesse fazendo mais do mesmo todos os dias, e a Curta me tirou essa sensação”, disse o empresário. Como o único custo da agência “foi abrir o CNPJ”, a empresa se pagou no segundo dia de operação, quando vendeu a primeira publicidade. “Desde então, temos 49 meses de operação no verde.”
LINHA DO TEMPO
14/02/2005 – Fundadores do YouTube Jawed Karim, Chad Hurley e Steve Chen registram o domínio youtube.com
23/04/2005 – Eles hospedam o primeiro vídeo na plataforma, “Me at the zoo”. O material, publicado por Karim, retratava uma visita ao zoológico de San Diego, na Califórnia
02/11/2006 – A companhia de tubos e conexões Universal Tube (Utube) processa o YouTube por violações de direito de marca, após ter o site derrubado devido ao tráfego intenso de pessoas procurando a plataforma de vídeo
09/10/2006 – Google compra plataforma de vídeos por US$ 1,65 bilhão em ações e o YouTube se torna uma subsidiária do gigante das buscas
2011 – YouTube cunhou o termo economia dos criadores, setor que movimentou US$ 250 bilhões (R$ 1,44 trilhão na cotação atual) em 2023, segundo o banco Goldman Sachs
31/10/2015 – YouTube lança o plano Premium, que garante acesso sem anúncios a quem adere à assinatura
22/05/2018 – Plataforma anuncia o streaming de música YouTube Music
09/2020 – YouTube lança plataforma de vídeos curtos shorts. Recurso chegou ao Brasil em junho de 2021