SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Prefeitura de São Paulo informou ao Ministério Público que não vê razões técnicas ou jurídicas para suspender uma licença para a construção de um prédio de 12 andares pelo Exército em área da qual o Iphan (órgão federal de patrimônio) já votou pelo tombamento.
O TCAEP (Termo de Consentimento para Atividade Edilícia Pública) foi emitido em novembro, uma semana após Conselho Consultivo do Iphan aprovar o tombamento do Complexo Esportivo do Ibirapuera, na zona sul da capital, incluindo como área envoltória ao bem tombado o lote onde o Exército desde 2021 quer construir uma moradia para professores do futuro Colégio Militar. Desde então as obras estão em andamento.
À Folha de S.Paulo o Comando Militar do Sudeste disse que o alargamento da área envoltória contraria o edital vigente e que a obra está em conformidade com a legislação.
Já a gestão Ricardo Nunes (MDB), que não havia sido notificada pelo Iphan da nova área noticiada pela Folha de S.Paulo quando da emissão do alvará, disse que à reportagem que solicitou um parecer técnico que justificasse a alteração da área protegida, mas não teve retorno.
Para a Associação de Moradores da Vila Mariana (AVM), o tombamento provisório que continua valendo enquanto o definitivo não é publicado também proíbe a obra. “Para todos os efeitos, a gente tem o estudo do tombamento provisório, que existe para proteger um bem até que saia a decisão final”, diz a advogada Vivian Barbour, que representa a entidade.
O caso tem características inéditas. O estudo de tombamento aceito pelo Iphan em 2021 incluía como área de entorno (zona que protege a visibilidade, harmonia e ambiência do bem) a sede Assembleia Legislativa (Alesp) e todos os lotes do Exército a nordeste e a sudoeste do complexo esportivo.
O Comando do Sudeste já tinha planos de erguer um prédio residencial de 43 metros de altura na extremidade desse terreno, na rua Tutoia, para servir de moradia para os professores do Colégio Militar que está sendo construído na zona norte. Mas, até então, o Plano Diretor da cidade considerava aquela como uma área mista, onde prédios podem chegar a no máximo 28 metros de altura.
Por sugestão do Exército, no ano passado a revisão do Plano Diretor feita pela Câmara Municipal criou ali uma Zona de Ocupação Especial (ZOE), com parâmetros flexíveis.
No Iphan, os militares também apresentaram pedido de reconsideração dos limites da área envoltória, o que foi acatado pela coordenadoria técnica em São Paulo, que reduziu trecho para uma linha imaginária a 150 metros da divisa entre o terreno do complexo esportivo e o do Exército. No edital de tombamento publicado em abril, o terreno em discussão não estava envolvido.
Nova reviravolta aconteceu na reunião do Conselho Consultivo do Iphan de novembro quando o tombamento foi aprovado. Os conselheiros votaram que a linha imaginária era aleatória e que a área envoltória deveria ser a original do estudo, incluindo novamente o terreno, já que ele faz parte da mancha original que inclui o parque.
Como um caso nunca havia se desenrolado assim, o órgão federal não tinha um protocolo do que fazer. Só em dezembro decidiu-se pela publicação de um edital comunicando a alteração e dando 15 dias para eventuais interessados reclamarem, o que foi feito na última sexta (7). O Exército afirma que vai recorrer.
Em reunião que envolveu Andrey Schlee, diretor do Departamento de Patrimônio Material do Iphan, e representantes da associação da Vila Mariana, ele explicou que o Exército “está informado dos riscos que está correndo” ao continuar uma obra que em breve poderá ser barrada por ser mais alta do que o tombamento definitivo permitiria.
Schlee, segundo a ata da reunião, teria afirmado: “O tombamento e a definição do entorno em nenhum momento determinam que o Exército não pode construir ali: a questão será a altura da edificação. Se fizeram um buraco profundo, isso é um problema futuro de questão administrativa, relativa aos gastos que eles estão tendo nessa edificação”.
Foi citando esse documento que a Secretaria Municipal de Urbanismo (SMUL) justificou sua decisão de não suspender o termo de consentimento da obra. “É inequívoco o direito de construção do Exército, condicionada a altura da edificação ao tombamento definitivo, caso o mesmo ocorra”, explicou o técnico que assina o relatório encaminhado pela secretária Elizabeth França ao Ministério Público.
Provocado pela AVM, a Promotoria havia recomendado à prefeitura que suspendesse a licença até que o Iphan decida sobre os bens que serão abrangidos pelo tombamento e que o Exército paralisasse as obras nas mesmas condições.
A advogada da associação de moradores questiona a legalidade do TCAEP. “Eles estão construindo apoiados em autorização para uma obra em específico, de 43 metros. Toda atividade edilícia, deslocamento de terra, supressão de espécies arbóreas, está ancorada nisso. Não é que começa a construir uma coisa e transforma em outra. Se vai ser outra, precisa de outra autorização.”