MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) – As mudanças climáticas são um problema grave, mas ainda há soluções. A humanidade vive hoje em condições muitos melhores do que na maior parte de seu passado e já foi capaz de dar respostas a vários problemas graves. Por isso, adotar uma postura otimista, ao invés do catastrofismo habitual, contribui para ações que podem fazer com que esta seja a primeira geração a construir um planeta sustentável.
A avaliação é de Hannah Ritchie, cientista de dados na Universidade de Oxford e pesquisadora principal do portal Our World in Data.
No livro “Não É o Fim do Mundo” (ed. Faro Editorial), que ela lança agora no Brasil, a pesquisadora escocesa apresenta uma série de dados que mostram como fizemos progressos significativos nas questões ambientais ao longo dos anos.
Um dos destaques é a redução do buraco da camada de ozônio, alcançada através do Protocolo de Montreal, que se tornou a primeira convenção internacional a obter ratificação universal de todos os países do mundo. O pacto já derrubou as emissões de substâncias que destroem o ozônio em mais de 98%.
Ritchie também destaca a melhoria nas condições de vida e na qualidade do ar em boa parte do mundo, além dos avanços vertiginosos na produção e na redução de custos de energias renováveis e com baixa emissões de carbono.
Em entrevista à reportagem, ela explica por que considera que ainda estamos longe dos cenários de colapso climático.
PERGUNTA – Por que, na sua avaliação, o otimismo é essencial para enfrentar os desafios ambientais?
HANNAH RITCHIE – Para deixar claro, otimismo aqui não significa dizer que está tudo bem e que não temos com o que nos preocupar. Isso não é verdade, nós estamos enfrentando grandes problemas.
O otimismo que eu defendo reconhece que existem desafios enormes, mas que também há coisas que podemos fazer e que existem maneiras de avançar. Um exemplo importante é olhar para a história, para grandes problemas que enfrentamos no passado, que na época pareciam intransponíveis, assim como vemos as mudanças climáticas hoje.
Nós conseguimos superá-los porque as pessoas que lideraram essas mudanças não ignoraram os problemas, mas tiveram a determinação de agir e superá-los.
P – No livro, a senhora revelou que já foi pessimista. O que a fez mudar de perspectiva?
HR – Eu estudei ciências ambientais, e muitas das tendências nas últimas décadas foram realmente negativas. Eu antes via o mundo apenas por esse lado, onde parecia que tudo estava piorando.
Eu não enxergava a perspectiva humana, os avanços em questões como expectativa de vida, redução da pobreza, acesso à alimentação, entre outros indicadores que são essenciais para uma boa qualidade de vida.
Quando olhei para os dados, vi que, embora ainda haja muito a fazer, já avançamos bastante. Além disso, quando analisei o progresso das mudanças climáticas, vi que há dez ou 15 anos tínhamos um panorama muito mais pessimista. Estávamos rumo a um aquecimento catastrófico de 3,5°C a 4°C até o fim do século. Hoje, isso está entre 2,5°C e 3°C. É claro que ainda não é o ideal, mas já é um progresso.
Outro fator importante foi o declínio expressivo dos custos das energias renováveis nos últimos anos, tornando-as mais competitivas e viáveis economicamente.
P – É possível manter uma perspectiva otimista nas questões ambientais mesmo com a volta de Donald Trump ao poder e as várias medidas nocivas ao clima que ele já anunciou, como a saída dos EUA do Acordo de Paris?
HR – As medidas que Donald Trump já tomou e que possivelmente tomará nos próximos quatro anos podem atrasar e desacelerar a ação climática nos EUA. Isso não é algo positivo, embora eu considere que o progresso não será completamente interrompido.
A resposta do resto do mundo será muito importante. Quando os EUA recuam, sobra um espaço em que os demais países são incentivados a avançar. E muitos deles já estão dizendo que permanecem firmes neste propósito. É possível também que os EUA fiquem para trás e percam vantagens industriais importantes, como nas energias renováveis.
P – A senhora argumenta que muitas preocupações ambientais são exageradas. Pode dar exemplos específicos disso?
HR – No livro, eu abordo sete grandes problemas ambientais. Não diria que os cientistas exageram os problemas, mas é muito fácil que as pessoas interpretem os cenários mais pessimistas como se fossem os resultados mais prováveis ou esperados. Esse é um grande desafio na comunicação científica.
Muitas vezes, um estudo científico chega à mídia e o pior cenário acaba sendo tratado como se ele fosse o desfecho esperado. Vemos isso em várias áreas, inclusive nas mudanças climáticas. Por exemplo, muitas pessoas ainda acreditam que estamos caminhando para um aquecimento de 5°C ou 6°C. Felizmente, esse não é mais o caso, porque já começamos a agir.
P – Que tipo de mensagem deveria então ser promovida para ajudar o público a entender que não estamos no fim do mundo?
HR – Acho que é importante equilibrar as coisas. Precisamos destacar a urgência das mudanças climáticas, mas também dar às pessoas um senso para a ação, para que elas entendam que suas ações e as políticas que apoiam podem fazer a diferença.
Além disso, precisamos mudar a narrativa de que enfrentar esses problemas é um sacrifício. Na verdade, há muitas oportunidades econômicas e sociais associadas às mudanças para sistemas mais sustentáveis, e alguns países já estão aproveitando isso.
A mensagem perfeita para motivar as pessoas varia, e diferentes públicos podem precisar de abordagens distintas. O importante é transmitir a urgência, mas sem cair tanto no pessimismo a ponto de as pessoas sentirem que é tarde demais ou que nada do que façam vai adiantar.
Ouço muitas pessoas dizerem que não conseguem ver como suas ações podem fazer diferença ou como podemos sair dessa situação. Mas realmente não podemos nos dar ao luxo de desistir agora. Encontrar o equilíbrio é difícil, mas extremamente importante.
P – O livro critica algumas medidas que se tornaram uma espécie de símbolos de sustentabilidade, como a troca de canudos de plástico pelos de papel, que teriam pouco efeito prático. Quais ações individuais realmente podem fazer a diferença?
HR – O problema desse tipo de medida é que elas fazem com que sintamos que estamos contribuindo [com a sustentabilidade], mas na verdade isso tem um impacto insignificante. O ideal seria focarmos em ações que realmente fazem a diferença.
Para a maioria das pessoas, especialmente em países de alta renda, os principais impactos ambientais estão no transporte, com o uso de carros movidos a gasolina e viagens de avião, no consumo de energia doméstica, principalmente com aquecedores ou aparelhos de ar-condicionado, e na dieta, com alimentos com uma grande pegada de carbono.
Mudanças nesses pontos, como a redução do consumo de carne e de laticínios, teriam um impacto muito maior do que o uso de canudos de papel.
P – Que mensagem a senhora espera que os leitores brasileiros vejam no livro?
HR – O Brasil está liderando em vários indicadores. Há muito tempo, a maior parte da energia do país vem de fontes renováveis e de baixa emissão de carbono. Existem outras áreas onde o Brasil ainda precisa progredir bastante. Uma questão muito importante é o uso da terra e o desmatamento.
No livro, é possível ver que os altos e baixos do desmatamento dependem muito do governo em exercício. Nos últimos anos, o Brasil começou novamente a fazer algum progresso em relação a isso.
É importante reconhecer que houve muitos avanços, mas o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer para atingir a meta de acabar com o desmatamento até 2030.
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RAIO-X | HANNAH RITCHIE, 31
Cientista de dados e comunicadora científica, nasceu em Falkirk, na Escócia. Tem um doutorado em geociências na Universidade de Edimburgo e é editora-adjunta e pesquisadora principal do portal Our World in Data. Está envolvida em uma série de projetos de popularização da ciência, incluindo newsletters, podcasts e palestras.