LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Furar o pescoço de uma colega com um lápis, trancar as amigas à noite num deque à beira de um precipício e colecionar pequenos objetos roubados -as travessuras da pequena Patric preocupavam seus pais em Redwood, cidade da Califórnia próxima a São Francisco.
“Eu sabia desde os sete anos que algo me fazia diferente das crianças da minha idade”, diz à reportagem a escritora Patric Gagne, 48, que publica agora no Brasil seu livro autobiográfico, “Sociopata, Minha História”.
O diagnóstico só chegou, no entanto, muitos anos mais tarde, quando Gagne já estava na faculdade. A escritora, que na infância furtava presilhas para cabelos, óculos e medalhões, na juventude dava longos passeios pela Califórnia dirigindo carros roubados. “Antes que eu fosse presa ou algo pior, decidi canalizar minha energia para o estudo da psicopatia.”
“Sociopata”, o livro, é uma jornada de autoconhecimento. A autora narra os episódios de sua vida de neurodivergente e, ao mesmo tempo, teoriza sobre o assunto -hoje ela é doutora em psicologia.
“Eu era capaz de acessar emoções básicas, como raiva, medo, tristeza e alegria. Mas as emoções sociais, como culpa, vergonha, amor ou empatia, não vinham facilmente para mim e, às vezes, não vinham de forma nenhuma”, afirma a autora na entrevista que deu por escrito.
A autora define sociopatia como a incapacidade de acessar emoções complexas, aliada a uma tendência ao isolamento e sensações de desconforto e ansiedade -o mesmo tipo de ansiedade, ela descobriria depois, de alguém com TOC (transtorno obsessivo-compulsivo). “Em vez de comportamentos repetitivos, no entanto, eu me sentia compelida a agir destrutivamente.”
Esse comportamento gerava uma sensação prazerosa? “Eu não chamaria de prazer, era algo que eu descreveria como uma espécie de alívio em relação a uma grande pressão”, conta Gagne.
De acordo com a autora, a sociopatia, como o autismo, é um espectro, com diferentes gradações. Quanto mais cedo for identificada, melhor o tratamento. “A criança precisa aprender a lidar desde cedo. Sobretudo não se deve comparar um filho neurotípico com um neurodivergente. Cada um tem seu modo próprio de acessar as emoções.”
Ela e sua irmã, Harlowe, tinham um furão de estimação. No dia em que o animal morreu, Harlowe caiu em prantos. Gagne conta no livro que ficou em choque, mas estava assistindo a um programa de televisão e não conseguiu desviar os olhos da tela. Foi punida pela mãe e pela irmã, que não a deixaram enterrar o bichinho.
Harlowe era uma das garotas mais populares da escola, enquanto Gagne evitava a companhia das outras crianças e, na adolescência, tinha dificuldade para arranjar namorado.
Aos 14 anos, num acampamento de férias, conheceu David, com quem viria a se casar anos mais tarde. O relacionamento dos dois foi tema de um texto na seção “Modern Love”, do jornal The New York Times, com o título “ele se casou com uma sociopata: eu”.
No texto, Gagne fala das peculiaridades do casamento, que já dura 13 anos -eles engataram um namoro anos mais tarde, quando se reencontraram já na idade adulta. “Uma das vantagens de casar com uma sociopata é que eu não sinto ciúmes”, escreveu a autora no New York Times, ao comentar um episódio em que o marido se sentiu atraído por uma colega de trabalho.
“Um relacionamento estável é muito importante na vida de uma pessoa, independentemente da condição psicológica”, aponta Gagne agora. No texto publicado no jornal americano, ela dizia que houve um aprendizado mútuo. “Eu ainda não consigo sentir empatia nem culpa, mas hoje entendo racionalmente como as outras pessoas se sentem, e isso eu aprendi com o meu marido.”
E o que uma sociopata pode ensinar a seu parceiro? “Por causa de sua criação, meu marido frequentemente se sentia culpado. Eu lhe mostrei que ele não precisa ligar tanto para o que os outros pensam. David aprendeu a dizer ‘não’ -e a evitar ser manipulado emocionalmente.”
SOCIOPATA: MINHA HISTÓRIA
Preço R$ 69,90 (352 págs.)
Autoria Patric Gagne
Editora HarperCollins Brasil
Tradução Beatriz Medina
