SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A possibilidade de remoção de mais de 56 mil famílias do Jardim Pantanal, em projetos para para acabar com as enchentes do local, tem tirado tanto o sono de comerciantes e prestadores de serviços quanto as ruas alagadas dos últimos quatro dias no bairro do extremo leste da cidade de São Paulo.
A retirada de moradores e as desapropriações vêm sendo analisadas pela gestão Ricardo Nunes (MDB) após novos alagamentos na área, localizada em uma várzea do rio Tietê e conhecida pelas enchentes frequentes.
O comerciante Zenaldo Alves Pereira, 57, dono há 15 anos de um mercado no Jardim Maristela, diz acreditar que seu imóvel não faz parte de uma possível lista de desapropriações, pois foi a primeira vez que viu a rua de seu comércio encher, problema recorrente em outras localidades.
Mesmo assim, ele está preocupado com a possibilidade de o Jardim Pantanal, do qual o Maristela faz parte, se tornar um bairro fantasma por causa da retirada de famílias, clientes de seu estabelecimento. “Se desapropriar ali o nosso comércio acaba”, afirma.
Na última segunda-feira (3), a Folha de S.Paulo percorreu de barco quarteirões alagados do Jardim Pantanal. No meio da inundação encontrou bares e salões de corte de cabelo que funcionam em garagens abertos. Além de comércios formais, como uma loja de roupas, mesmo com a falta de acessibilidade para se chegar até ali.
Fora da área de inundação, o distrito Jardim Helena, onde está localizado o Jardim Pantanal, há sete UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e uma UPA (Jardim Helena).
A região também conta com 71 unidades de ensino, além do CEU (Centro Educacional Unificado) Três Pontes, além de comércio variado, inclusive com supermercados e atacadão.
O mercado de Zenaldo, onde trabalham seis moradores do Pantanal, não abaixou as portas, mas tem enfrentado queda nas vendas e dificuldade de reabastecimento desde sábado (2). A água não chegou a entrar no comércio, construído em uma estrutura mais alta, mas na rua ela alcançava as canelas de quem iria fazer compras na quarta-feira.
A água não atingiu a rua bomboniere de Edinae Neves, 41, mas subiu pelo ralo do imóvel onde ela também mora e o filho trabalha com corte de cabelos. Com medo de uma possível inundação, distribuiu os doces para crianças vizinhas, desligou geladeira de sorvetes e fechou as portas.
O medo da comerciante é com as notícias de desapropriação. No sábado, Nunes citou a possibilidade de dar ajuda financeira de R$ 20 mil a R$ 50 mil para famílias saírem de suas casas. “Meu imóvel [onde funcionam casa, o comércio e o salão de cabeleireiro] vale muito mais que isso”, diz. O projeto apresentado nesta terça que aponta a remoção de até 56 mil pessoas, entretanto, prevê custo de R$ 210 mil por família.
Os fiéis da Igreja Recuperando em Jesus Cristo ainda não sabem quando voltarão ao templo tomado pela água no sábado e fechado desde então. A pastora Luciana Coreiro, 46, que mora ali e mantém no local um serviço social que atende crianças vizinhas, diz crer numa solução divina.
“O que o Senhor nos coloca o homem não tem o direito de tirar”, afirma ela, que se mudou para o Jardim Pantanal aos 11 anos, nos tempos das primeiras ocupações na região.
A gestão Ricardo Nunes ainda não mostra com clareza como pretende solucionar os problemas de enchentes. Mas no Plano Municipal de Redução de Riscos, do ano passado, chamou de exitosas as ações voltadas à regularização fundiária local.
Na justificativa, afirmou que a região sofria com a incidência recorrente de enchentes. “Sendo certo que o seu encampamento pelo mundo jurídico viabilizou a realização de procedimentos licitatórios de projetos e obras pela SP Urbanismo e pela Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras”, diz o documento.
Apesar de citar as inundações no passado, o mesmo relatório afirma que o Jardim Helena era o distrito mais afetado com chamados de inundações em períodos chuvosos -foram 1.111 ocorrências desde 2013.
Questionada sobre quais foram as ações exitosas naquela região, a Prefeitura de São Paulo não respondeu até a publicação deste texto, mas afirmou que segue concentrando esforços em medidas emergenciais na região do Jardim Pantanal após as fortes chuvas do fim de semana.
“A gestão municipal disponibiliza atendimento à população em diversos pontos da comunidade, incluindo três alojamentos e locais para entrega de refeições e insumos”, diz, em nota.
ESTUDOS
Dois de três estudos apresentados pela Prefeitura de São Paulo nesta terça-feira (4) citam a remoção de famílias para realização de projetos que acabem com inundação do Jardim Pantanal.
Um, da Siurb (Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras), aponta para a necessidade de se retirar entre 36 mil e 56 mil pessoas que vivem no local, a um custo que varia de R$ 1,68 bilhão a 1,92 bilhão. O projeto prevê reassentamentos, construção de novos conjuntos habitacionais e a criação de parque alagável.
Questionada sobre a população total da região do Jardim Pantanal, a prefeitura não respondeu.
Outro cita a realização de macrodrenagem, com a construção de um dique, sete reservatórios, um parque e um canal de 5,5 km para desviar a água da chuva. Junto com a remoção de 484 famílias, o conjunto de medidas custaria R$ 1,02 bilhão.
Uma terceira opção contemplaria a construção de um canal, a abertura de lagoas de acumulação de águas, a reversão do fluxo do Tietê e desapropriações, mas nenhuma família seria retirada.