BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A pressão do presidente americano Donald Trump sobre o comércio e a logística internacionais levou o Brasil a acelerar seus planos de integração com países vizinhos da América do Sul, com as atenções voltadas, principalmente, para o megaporto de Chancay, no Peru.
Erguido pela estatal chinesa Cosco Shipping, o novo complexo portuário fica a 70 km da capital peruana, Lima.
Com investimento total de US$ 3,5 bilhões (mais de R$ 20 bilhões na cotação atual) Chancay é hoje o maior empreendimento chinês fora do país asiático. Depois de uma inauguração simbólica em novembro do ano passado, vai começar a operar efetivamente em março. A inauguração deve mexer com o tabuleiro global de logística.
Para o Brasil, os terminais de Chancay passam a ter papel estratégico no escoamento de produtos destinados à Ásia, reduzindo o tempo de viagem pelo Pacífico em cerca de dez dias, se comparado às viagens feitas a partir do Atlântico. A questão é como chegar a Chancay.
Em entrevista à Folha, a ministra do Ministério do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB), afirma que a primeira rota de interligação do Brasil com o porto peruano estará em operação plena até meados de junho, e que esta se dará por meio dos rios amazônicos.
“As rotas na América do Sul vão ganhar um grande holofote neste ano, mostrando a importância de termos estratégias e novas alternativas de rotas em um mundo globalizado que hoje está ameaçado por políticas mais protecionistas dos Estados Unidos”, diz Tebet.
A primeira rota brasileira que vai se conectar ao porto de Chancay já estava em andamento, mas o atual cenário internacional acelerou esse processo, afirma a ministra. “Antes mesmo da eleição de Trump, nós já tínhamos uma necessidade de integração maior na América Latina, não por fim ideológico ou porque é a ordem natural das coisas com nossos irmãos sul-americanos, mas porque todos ganham com essa história e, hoje, temos de acelerar esse processo.”
Em parceria com países vizinhos, o governo brasileiro tem trabalhado, desde 2023, no programa Rotas de Integração Sul-Americana, que prevê cinco caminhos de acesso a países de fronteira com o Brasil. A conexão mais viável e avançada, neste momento, é a chamada “Rota 2”, que prevê a interligação do Peru com o Brasil por meio da hidrovia do rio Solimões, que forma o rio Amazonas.
A retirada de sedimentos (dragagem) do Solimões foi iniciada no ano passado e avançará neste ano, segundo Tebet. Em paralelo, uma unidade da Receita Federal já está em construção no município de Tabatinga (AM), na fronteira entre Brasil e Peru, e terá funcionamento permanente.
“Nós estamos correndo com isso. A dragagem fica pronta entre julho e agosto. Sobre a alfândega, vamos trabalhar com a Receita Federal e o Ministério da Fazenda para inaugurar até o meio do ano. Já temos pessoal concursado que vai ficar no local em tempo integral. Nossa meta é que o presidente Lula possa anunciar essa rota, que é a mais sustentável, na COP30”, diz Tebet.
O porto peruano de Chancay inicia suas operações com um potencial equivalente a um terço da capacidade do porto de Santos, que é o maior da América do Sul. Gradualmente, essa capacidade será ampliada.
O complexo portuário erguido pelos chineses está na mira de Donald Trump, em meio a seus ataques sobre a influência da China na América Latina.
Mauricio Claver-Carone, um dos principais assessores de Trump e hoje seu assessor para a América Latina, sugeriu que mercadorias de qualquer país que passarem pelo novo porto de Chancay deveriam ter suas tarifas aumentadas pelos americanos.
No Brasil, a meta é viabilizar caminhos que levam ao complexo portuário. Além da Rota 2, que utiliza a hidrovia do Solimões para entrar no solo peruano e alcançar Chancay, o Planejamento trabalha na estruturação da Rota 3, que se dá por meio de rodovias que entram no país vizinho a partir de estradas já existentes no Acre, Rondônia e Mato Grosso.
João Villaverde, secretário de Articulação Institucional no Planejamento, diz que o governo brasileiro investiu R$ 4,1 bilhões em obras vinculadas às cinco rotas do programa em 2024. O recurso foi usado em 190 projetos incluídos no Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). “Para 2025, temos um pedido no Orçamento federal de mais R$ 4,5 bilhões, para mais 140 projetos”, afirma.
Em paralelo aos aportes públicos, há uma carteira de financiamento que soma cerca de US$ 7 bilhões, formada por recursos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe), BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e Fonplata (Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata).
A ministra do Planejamento não acredita em uma migração de mercadorias que possa afetar os portos brasileiros. Na avaliação de Tebet, a abertura de rotas que levam ao novo porto peruano tende a favorecer a logística e a competitividade nacional, ao abrir novos caminhos para o escoamento.
Em sua leitura, as conexões com o porto chinês no Peru trarão nova dinâmica econômica aos 11 estados brasileiros que fazem fronteira com os países da América do Sul. “Num futuro próximo, o impacto que essas cinco rotas terão para o Norte, o Centro-Oeste e o interior do Brasil será algo equiparável ao efeito de uma reforma tributária.”