SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Cético com a economia brasileira e preocupado com a saúde das empresas. Assim se define Daniel Wainstein, sócio-diretor na Seneca Evercore, líder em assessoria financeira independente, atuando em fusões e aquisições, mercados de capitais e reestruturação de dívidas. Com a experiência de quem olha negócios por dentro, Wainstein alerta que o segmento de médio porte está sofrendo.

“A gente está vendo é uma diminuição de tamanho das empresas, com um agravante de que não conseguem nem ajustar o quadro de pessoal de acordo com a necessidade”, afirma.

“Muitas das empresas que estão sem dinheiro em caixa não conseguem sequer demitir para se ajustar e ter um tamanho compatível. Socialmente, isso é bom, mas para empresa é uma bola de neve.”

Wainstein lamenta que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha assumido uma postura reativa em relação ao ajuste fiscal, que considera a única saída para que o Banco Central interrompa a alta dos juros –e agora teme pelo pior.

“A nossa experiência é que, no Brasil, no ano anterior à eleição presidencial, já começam, infelizmente, as políticas de curtíssimo prazo.”

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*Folha – O sr. atua com reestruturação, fusão e aquisição. Como definiria o momento para as empresas?*

*Daniel Wainstein -* Muitas empresas estão alavancadas. Se alavancaram ainda na época de juros baixos. Depois teve o pós-eleição e a crise de crédito por causa das Americanas. Veio, então, uma situação em que muitas contraíram dívidas, ainda mais caras, para rolar com fundos de special situations [que buscam acordos entre devedores e credores para reperfilamento da dívida]. Teve também a questão do crescimento. Quando é baixo significa que muitas empresas nem cresceram.

Nessa conjunção tem os juros. É o maior problema. Os juros não baixam, mas o faturamento cai. A empresa não consegue ter dinheiro para investir. Perde capacidade produtiva. O faturamento cai de novo. O que a gente está vendo é uma diminuição de tamanho das empresas com um agravante de que não conseguem nem ajustar o quadro de pessoal. Muitas que estão sem dinheiro em caixa não conseguem sequer demitir para se ajustar e ter um tamanho compatível. Socialmente, isso é bom, mas para empresa é uma bola de neve.

*Folha – Essa situação que o sr. descreve é generalizada ou alguns setores estão numa situação pior?*

*Daniel Wainstein -* Nunca é generalizado, e é muito difícil pontuar. Um mesmo setor, ao mesmo tempo, tem e não tem uma crise. O real estate [mercado imobiliário], parou para a classe média. Porém, o imobiliário para o Minha Casa, Minha Vida e para a alta renda está muito bem. O setor vive um momento incrível no Rio de Janeiro, mas não é assim na maioria dos estados.

O dá para dizer é que, de forma geral, empresas médias estão sofrendo. Setores que dependem de insumos internacionais, ou que vendem para quem depende também de insumos internacionais, ou o cara que já está muito alavancado e que não cresceu, o industrial que não tem uma diferenciação ou quem tem um cliente com problemas — esse grupo sente. Não surpreendentemente, a gente está com recorde de pedidos de RJ (recuperação judicial).

*Folha – São pouco mais de 2.000 pedidos de RJs. Isso é ruim, mas, em um universo com milhões de empresas, não é um número grande. O sr. diria que as empresas estão buscando alternativas antes da RJ?*

*Daniel Wainstein -* Sem dúvida. A RJ tem que ser a última alternativa. O impacto é disruptivo na empresa, nos seus clientes, no posicionamento de mercado, então a gente assessora nossos clientes de forma a tentar evitar uma RJ tradicional, e buscar caminhos de recuperação e reestruturação extrajudicial, inclusive com substituição de dívidas.

Os próprios credores estão cientes de que, se apertar muito, vai ter um nível de default tão alto hoje no Brasil, que o impacto negativo chegaria nos credores, inclusive nos grandes bancos. Então, existe espaço para negociar.

As empresas buscam soluções, e essa é uma mensagem importante. A questão é encontrar a melhor forma para sobreviver. Nesses momentos, quando todo mundo chora, tem o cara que fabrica lenço. Então, existe oportunidade para o fabricante de lenço.

*Folha – A expectativa, com esse ambiente, é termos uma reorganização empresarial, com mais fusões e aquisições?*

*Daniel Wainstein -* Sim, existem ilhas de excelência –e são essas empresas que têm uma oportunidade de consolidar mercado, e ser a solução para que não estão indo bem. Esses momentos acabam criando líderes, porque aqueles bem capitalizados, com gestão diferenciada e bem assessorados, conseguem ganhar market share e fazer o turnaround de empresas. Às vezes, não é nem comprar. É possível trazer um investidor ou um sócio e botar dinheiro na empresa. Esse tipo de transação tem tudo para continuar e até acelerar.

Dito isso, citaria setores como serviços financeiros. Em particular, no Brasil, continuam tendo uma revolução. Temos o enfraquecimento dos grandes bancos e o fortalecimento de empresas independentes -caso de gestões de patrimônio. Cada vez mais, empresas que não são associadas aos grandes bancos de crédito e conseguindo espaço entre as pessoas físicas que investem, seja de alta renda ou classe média.

Tem muito investidor querendo colocar dinheiro em empresas de energia renovável. Esse é um tipo de setor que, de certa forma, não é impactado pela questão microeconômica que a gente falou. A empresa pode estar queimando caixa, mas tem investidores dispostos a colocar dinheiro nesse tipo de empresa, de olho em um prazo mais longo do que o de outros setores.

*Folha – Há quem diga que, como Donald Trump vai reduzir o apoio a projetos verdes, o Brasil poderia atrair os investidores desse segmento. O sr. percebeu alguma migração do gênero?*

*Daniel Wainstein -* Pode ser que me surpreenda, mas eu não estou vendo. Eu acho que o Brasil é um problema, até diria, desconectado com o que acontece lá fora. O Brasil já foi afetado por crises externas, mas agora o problema é nosso. A maioria das captações hoje conta com investidores que já estão aqui. Dinheiro novo, vindo de fora, é muito pouco. O Brasil não é a bola da vez, e não vai ser enquanto a gente não mostrar que está limpando a nossa cozinha –tão simples quanto isso.

Os fundos falavam que a gente não era a bola da vez no governo passado porque ele não estava nem aí para a questão ecológica. Entrou um novo governo, e a gente tinha a esperança de ver aquele Lula, do primeiro mandato. Isso não se concretizou. Muitos investidores internacionais acreditaram nisso e perderam dinheiro aqui, com empresas que não estão indo bem e com a desvalorização cambial.

*Folha – O que falta no Lula desta vez?*

*Daniel Wainstein -* Disciplina fiscal e ouvir o mercado, nem que fosse um pouco -não colocar o mercado como sendo o inimigo dele. Ele não pode viver num mundo paralelo. Não tem como o governo gastar sem ter pressão inflacionária. Não tem como ter juros baixos se a pressão inflacionária está lá. Não tem como esperar que esse milagre aconteça. Em vez de melhorar a popularidade dele, está piorando.

O Lula viveu no primeiro mandato o oposto do que vemos hoje. O agronegócio e o preço das commodities batiam recordes. Ano passado foi de queda. Não dá para ter a mesma política. Não dá para tocar violino num baile funk. Ele precisa ajustar a expectativa em relação ao que consegue fazer nesse momento, quando o vento não é favorável como antes.

*Folha – O sr. tem uma longa experiência no mercado financeiro, e já pegou todo tipo de crise. Qual é o seu maior temor?*

*Daniel Wainstein -* Ao longo de décadas, a gente viu de tudo, e o Brasil é uma Fênix que sempre ressurge das cinzas. Mas o meu maior temor já está acontecendo -a manutenção da política expansionista de gastos do governo. Sem a devida responsabilidade fiscal, permanece a pressão sobre a inflação, e o Banco Central vai continuar aumentando a taxa de juros. É um cenário muito ruim para empresas já enfraquecidas. A gente pode entrar em novos patamares, como uma restrição maior de oferta de crédito.

Tem outra questão. A nossa experiência mostra que, no Brasil, no ano anterior à eleição presidencial, já começam, infelizmente, as políticas de curtíssimo prazo. Os índices de aprovação de Lula estão se deteriorando, e a contrapartida nesses momentos –espero que não seja, mas tende a ser — elevar o patamar [de gastos] ainda mais.

*Raio-X | Daniel Wainstein, 54*

Natural de Salvador (BA), tem graduação em economia pela USP (Universidade de São Paulo), MBA pela University of Rochester (EUA) e doutorado em Economia na Brown University (EUA). Atualmente, finaliza mestrado em neurociência e psicologia da saúde mental pela King’s College London (Inglaterra). Já trabalhou em Lehman Brothers e Goldman Sachs, sendo o primeiro sócio brasileiro da história do banco. Fundou a Seneca em 2013