SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Eu saí do Haiti em um terremoto. Esse terremoto me tornou uma vítima. Agora o trabalho me dá a oportunidade de, como vítima, ser protagonista”, diz Robert Montinard, haitiano que se mudou para o Brasil em 2010 e, no ano passado, começou a trabalhar no Mural do Clima, projeto de educação para a mudança climática.
Há 15 anos, ele estava em casa quando ouviu um estrondo inexplicável e, em questão de segundos, a construção desabou ao seu redor.
Saiu dos escombros com 60% dos ossos do pé fraturados, acompanhado da esposa, Melanie, e do filho mais novo, então com 2 anos. O filho mais velho, que tinha 3 anos, e seu melhor amigo ficaram entre os destroços.
Com o país destruído, conseguiu atendimento médico três dias depois e foi enviado para Guadalupe, departamento ultramarino da França no Caribe, para receber uma assistência adequada. Lá, esperando tratamento e aguardando notícias do filho, começou a se sentir como uma vítima.
O filho foi encontrado vivo e hoje tem 17 anos, mas seu melhor amigo não sobreviveu.
Robert voltou ao Haiti depois de meses de recuperação e cirurgias. Ele atuava com mediação de conflitos no país e, com o colapso, seu trabalho teve o valor dobrado. Mas o corpo, com o ferimento no pé, já não conseguia acompanhar as necessidades da atuação no local.
Foi assim que, depois de considerar morar em Estados Unidos, França e Canadá, decidiu pedir asilo no Brasil e começou a trabalhar para garantir os direitos dos refugiados e migrantes no país. Em 2012, fundou a Mawon, associação para auxiliar na integração socioeconômica da comunidade.
Há cerca de um ano, Robert, também conhecido como Bob, decidiu trabalhar com um tema que não fosse migração e foi apresentado ao Mural do Clima -jogo com 42 cartas sobre as causas, as consequências e as vítimas da crise climática, com base em um relatório científico do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU).
As mediações do jogo são feitas em workshops para projetos sociais e escolas, mas também para empresas, e viraram uma fonte de renda para Robert e outros refugiados, além de ajudá-los a entender o que acontece em seus países.
“Esse jogo mostra para a gente de onde saiu o problema e o que cada um precisa fazer no sentido individual, mas também no sentido coletivo, de políticas públicas”, afirma. “Me dá a oportunidade de chegar na frente e colocar o problema, soluções e engajamentos.”
O terremoto que o expulsou do Haiti pode não ter sido provocado pelas mudanças climáticas, diz Robert, mas o desastre foi seguido por um furacão e surtos de doenças como cólera e dengue, potencializados pelas alterações na temperatura, que enfraqueceram ainda mais a estrutura do país.
A tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul, no ano passado, afetou cerca de 43 mil refugiados no Brasil, entre eles haitianos.
“O jogo [Mural do Clima] faz a gente saber quem são as vítimas: pobres, mulheres, pessoas negras, imigrantes, indígenas, pessoas da comunidade LGBTQIA+, que sempre foram vulneráveis. Não são só eles que vão sofrer com a catástrofe, mas eles vão ficar ainda mais fragilizados”, diz Robert.
No final, Robert queria se afastar do tema da migração, mas voltou a atuar ainda mais fortemente na causa, desta vez em relação às pessoas deslocadas pelas mudanças climáticas.
Sua luta agora é para conquistar um estatuto para essas vítimas. “Sejam brasileiros, senegaleses ou haitianos. Precisam de um nome, uma proteção legal que defina ao que elas têm direito”, afirma, e acrescenta que não bastam alguns colchões, um abrigo em uma igreja e talvez uma doação da ONU com algumas instituições para comprar uma casinha.
“Eu sei o que é uma vítima”, diz.