BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Aliados do deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB) e do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) afirmam que a dupla deve procurar o ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), para tratar do impasse das emendas parlamentares após a eleição para presidente da Câmara e do Senado, no sábado (1º).
Com o recesso parlamentar desde dezembro, o tema saiu do radar no dia a dia, mas deve ser uma das prioridades dos dois novos presidentes na volta dos trabalhos legislativos.
De acordo com congressistas das duas Casas, é preciso reabrir o diálogo institucional entre os dois Poderes, entender as demandas de Dino e alinhar o que pode ser feito, concretamente, para solucionar o imbróglio que se arrasta desde o ano passado.
Reservadamente, deputados federais avaliam que a relação entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e Dino acabou desgastada com o episódio e relatam a expectativa de que o novo presidente destrave os recursos. Senadores afirmam, por sua vez, que Lira tensionou a questão no fim do ano passado.
A interlocutores Dino sinalizou que não está em uma “cruzada contra o Congresso”, mas avisou ser necessário o cumprimento de decisões judiciais.
O ministro determinou que o governo federal suspendesse o pagamento das emendas parlamentares em agosto, mas a queda de braço escalou em dezembro, quando ele acionou a Polícia Federal e afirmou que a Câmara omitiu informações sobre a distribuição das emendas.
A decisão se deu em resposta a um pedido dos partidos Novo e PSOL e da associação Transparência Brasil, diante da divisão de cerca de R$ 4,2 bilhões pela Câmara em emendas de comissão -um dos principais alvos de Dino diante da falta de transparência.
A representação citava um ofício encaminhado ao governo federal com a assinatura de 17 líderes da Câmara. Reportagem da revista Piauí mostrou que a lista, na prática, mudava a destinação de parte das verbas de comissão, sem aprovação dos colegiados, e beneficiava Alagoas, reduto de Lira.
Na decisão, o ministro sinalizou a abertura de diálogo com o futuro comando do Congresso ao afirmar que novas audiências de conciliação seriam realizadas em fevereiro e março, quando já tivesse sido concluído o processo “de substituição” das Mesas Diretoras, “a fim de que o diálogo institucional ocorra de forma produtiva”.
Aliados de Lira leram esse trecho como uma estocada de Dino ao presidente da Câmara. Apesar disso, até mesmo pessoas próximas ao alagoano avaliam que o estilo duro do congressista pode ter atrapalhado as negociações.
Na última semana do ano, Lira convocou os líderes partidários para reunião em Brasília para discutir qual seria a resposta da Câmara à decisão. Segundo relatos de dois participantes, alguns líderes propuseram que o ofício em questão fosse cancelado e reformulado para evitar novo desgaste, mas Lira foi contra.
Em nota, o presidente da Câmara afirma que durante os quatro anos em que esteve à frente da Casa as decisões adotadas foram “fruto de um diálogo aberto, franco e direto com todas as correntes políticas representadas no parlamento”.
Ele diz que todas as matérias e decisões foram analisadas no âmbito do colégio de líderes, “onde os representantes dos partidos expõem seus pontos de vista sem qualquer tipo de restrição”.
“No caso em voga dos questionamentos jurídicos sobre as emendas parlamentares o procedimento foi mesmo: todas as decisões foram tomadas após criteriosa análise e deliberação dos líderes partidários. O ofício citado foi assinado pelos 17 líderes que compõem o colegiado, ocorreu, obviamente, com plena concordância de todos sobre o conteúdo e a oportunidade política”, diz.
Desde o fim do ano passado, deputados têm avisado que as novas decisões de Dino elevavam a pressão sobre Hugo para aprovação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que obriga o pagamento de todas as emendas. A alternativa, no entanto, desagradou parte dos líderes por diminuir o poder de influência desses parlamentares em suas respectivas bancadas.
Um cardeal do centrão na Câmara diz que hoje o sentimento é de construir uma alternativa que não a aprovação da PEC. Na avaliação dele, uma vez reaberto o diálogo com Dino será possível entender quais caminhos devem ser tomados pelo Congresso.
A paralisação do pagamento dessas emendas também desperta apreensão entre integrantes do Executivo, que temem dificuldades para aprovar matérias de interesse do governo -como o Orçamento de 2025, uma das pendências de 2024.
Até mesmo senadores da base aliada de Lula se queixam do que veem como um clima de suspeição generalizado, com aval do governo. Líderes também afirmam que parte das emendas impositivas (de pagamento obrigatório) continuam travadas pelo Palácio do Planalto sem justificativa.
Um senador diz que, diante desse cenário, também é desejável que Alcolumbre converse com o advogado-geral da União, Jorge Messias, e com o presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), Vital do Rêgo.
O próprio partido de Alcolumbre, União Brasil, entrou na mira da PF com a Operação Overclean. Um senador que preferiu não se identificar diz que a operação tem deixado Alcolumbre apreensivo, diante da possibilidade de a polícia avançar contra expoentes do partido.
Alcolumbre não é citado na investigação, mas reportagem do UOL mostrou que a chefe de gabinete dele, Ana Paula Magalhães, ajudava a destravar a burocracia de emendas parlamentares para o grupo de empresários preso pela PF em dezembro.
As emendas são uma forma pela qual deputados e senadores conseguem enviar dinheiro para obras e projetos em suas bases eleitorais e, com isso, ampliar seu capital político. A prioridade do Congresso tem sido atender seus redutos eleitorais, e não as localidades de maior demanda no país.
Como a Folha de S.Paulo mostrou, a explosão dessas verbas a partir de 2020 movimentou mais de R$ 148,9 bilhões em cinco anos, o que representa mais de quatro vezes o valor desembolsado em indicações no ciclo anterior, de 2015 a 2019, de R$ 32,8 bilhões.