BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – As despesas com a Previdência Social terminaram o ano passado com R$ 29,9 bilhões a mais que o estimado inicialmente pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na aprovação da LOA (Lei Orçamentária Anual).
No BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, o incremento foi de R$ 7,6 bilhões, segundo dados divulgados nesta quinta-feira (30) pelo Tesouro Nacional.
Juntas, as duas categorias tiveram um aumento de R$ 37,5 bilhões, o que representou um dos principais motivos por trás dos bloqueios nas demais despesas ao longo do ano passado.
Já as contas do governo central tiveram um déficit de R$ 43 bilhões em 2024. O resultado é menor que o rombo de R$ 228,5 bilhões observado em 2023 e indica o cumprimento da meta fiscal traçada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), com valores retirados da conta.
O alvo foi atingido porque os gastos extraordinários para lidar com os impactos das enchentes no Rio Grande do Sul e das queimadas nas regiões Norte e Centro-Oeste foram excluídos do cálculo da meta fiscal por decisões legislativas e judiciais. Descontadas essas despesas, o resultado ficou negativo em R$ 11 bilhões.
A equipe econômica precisava perseguir um déficit zero no ano passado, mas o saldo efetivo poderia ser negativo em até R$ 28,8 bilhões graças à margem de tolerância introduzida pelo novo arcabouço fiscal.
O déficit nas contas públicas indica que o governo gastou mais do que arrecadou no ano passado, a despeito do desempenho recorde nas receitas. O dado agrega estatísticas do Tesouro Nacional, Banco Central e INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). A série foi iniciada em 1997.
Dentro ou fora do cálculo da meta, o déficit total é o que influencia a trajetória da dívida pública, hoje um dos focos de preocupação do mercado financeiro e da própria equipe econômica.
Em dezembro, o Tesouro Nacional projetou que a dívida bruta do Brasil pode atingir um pico de 83,1% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2028, caso o Executivo falhe em aprovar novas medidas de arrecadação. Mas os números podem estar subestimados, já que consideram uma taxa de juros menor do que a atual. Nas expectativas de mercado, o endividamento ultrapassa 90% do PIB em 2029, sem horizonte de queda.
A persistência de déficits ou baixos superávits, insuficientes para compensar o custo dos juros da dívida pública, é um dos fatores que impulsionam a trajetória de endividamento. Neste ano, o governo vai perseguir novamente uma meta zero, mas poderá entregar um resultado negativo em até R$ 31 bilhões.
A fotografia final, sobretudo da Previdência, deve provocar ajustes no Orçamento de 2025, como mostrou a Folha de S.Paulo. A proposta ainda está em tramitação no Congresso Nacional.
A LOA de 2024 previa um desembolso de R$ 908,67 bilhões entre benefícios previdenciários, sentenças judiciais e a compensação paga pela União quando um antigo segurado do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) se aposenta por outro regime (como aqueles mantidos pelos estados).
Dados do Tesouro Nacional divulgados nesta quinta-feira (30) mostram que a despesa efetiva ficou em R$ 938,5 bilhões, em cifras nominais.
Ao longo do ano passado, a equipe econômica já vinha indicando um aumento de gastos nessa frente. No relatório de avaliação do Orçamento divulgado em novembro, a projeção de despesas da Previdência já estava em R$ 939,6 bilhões -ou seja, o resultado final ficou levemente abaixo da estimativa mais atualizada.
No caso do BPC, a LOA de 2024 indicava uma despesa de R$ 103,5 bilhões, mas em novembro o governo já admitia uma fatura bem maior, de R$ 112,4 bilhões. O gasto efetivo terminou o ano em R$ 111,08 bilhões, em valores nominais.
Ao longo do ano, o governo precisou reconhecer a frustração em estimativas de economia com ações como o pente-fino dos benefícios e a implementação do Atestmed, sistema online que dispensa a perícia presencial. O viés otimista do governo acabou adiando a elevação das projeções de despesas e, consequentemente, maiores bloqueios nos demais gastos.
Além disso, como a Folha de S.Paulo revelou em junho, o governo alterou dados de última hora para reduzir a projeção de despesas com benefícios previdenciários em cerca de R$ 12 bilhões em um dos relatórios, o que permitiu a reversão de parte dos bloqueios naquele momento.
O ritmo de crescimento dos gastos obrigatórios é um dos principais fatores por trás da desconfiança do mercado financeiro quanto à sustentabilidade do arcabouço fiscal, regra que baliza hoje a condução das contas públicas.
O limite de despesas cresce de acordo com a inflação, mais uma variação real de até 2,5% ao ano. Alguns gastos obrigatórios, porém, têm exibido crescimento acima desse percentual. O desembolso com o BPC, por exemplo, subiu 14,9% acima da inflação no ano passado.
Sem medidas que ataquem esse problema, a tendência natural é um achatamento de outras políticas não obrigatórias, como ações de custeio e investimentos.
“De fato, teve uma pressão grande de Previdência e BPC nesse ano. O BPC teve um crescimento de dois dígitos muito forte. Então, a gente precisa se atentar. A maior parte da despesa é previdenciária, e isso acaba achatando as outras despesas. Então, é importante um acompanhamento muito próximo”, disse o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, em entrevista coletiva.
Segundo ele, o governo vai trabalhar neste ano para evitar que surpresas negativas que se materializem apenas ao longo do ano. “Se for possível, se tiver de fato uma leitura de que esse ano [2025] tem uma pressão, [vamos] tentar endereçar isso o quanto antes para não ter essas surpresas, que acabam gerando bloqueios expressivos”, afirmou.
No fim do ano passado, a equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda) apresentou um pacote de medidas para tentar conter a trajetória das despesas obrigatórias, o que incluiu uma mudança na política de valorização do salário mínimo que o próprio governo Lula havia acabado de implementar.
Algumas medidas foram desidratadas pelo Congresso, mas o governo calcula que, a despeito das mudanças, haverá uma economia de R$ 69,8 bilhões em dois anos. A incerteza no mercado, porém, permanece diante da perspectiva de novas pressões na Previdência e no BPC, cujo ritmo de concessões de novos benefícios tem sido elevado.