BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Angela Merkel, chanceler da Alemanha de 2005 a 2021 e um dos nomes mais reconhecidos da política alemã no mundo, fez fortes críticas a Friedrich Merz, seu colega de partido que admitiu votos da extrema direita para aprovar uma moção no Parlamento.
Na quarta-feira (29), o atual líder da CDU, apontado pelas pesquisas como o próximo primeiro-ministro do país, apresentou uma resolução sobre imigração sabendo que ela só seria aprovada com o apoio da controversa AfD. Foi a primeira vez no pós-guerra que algo semelhante aconteceu no Bundestag.
Merkel, em postagem nas redes sociais, reproduziu um discurso do próprio Merz, de novembro, em que o parlamentar afastava a possibilidade de formar maiorias com a sigla extremista. Naquele momento, a coalizão do governo Olaf Scholz ruía, e Merz, segundo Merkel, “expressou uma grande responsabilidade política, de Estado, que apoio totalmente”.
“Acho errado não nos sentirmos mais vinculados a essa obrigação e permitirmos uma maioria com os votos da AfD”, escreveu a ex-chanceler. Merz justificou a quebra do paradigma com o argumento de que a moção, que não tem força de lei, mas serve como orientação para o governo, força um “caráter de emergência” ao controle imigratório.
Episódios recentes de violência protagonizados por imigrantes acirraram o debate público sobre o assunto a semanas da eleição parlamentar, que ocorre em 23 de fevereiro. Críticos de Merz percebem oportunismo eleitoral na manobra. Em posição confortável na discussão, Alice Weidel, candidata da AfD a premiê, declarou que o adversário está copiando suas propostas.
Dirigentes do SPD de Scholz, dos Verdes, assim como integrantes da sociedade civil, elogiaram a atitude de Merkel. Merz tem diferenças antigas com a ex-chanceler. Ele chegou a se afastar da política por quase duas décadas depois de ser obliterado pela adversária em uma disputa interna da CDU, o partido conservador alemão. Merkel se tornou premiê, e Merz foi para o mercado financeiro, onde se tornou milionário.
A reação de Merkel, por outro lado, tem forte caráter institucional. Scholz, assim como outros críticos, declarou que Merz era “indigno” de se tornar primeiro-ministro pelo partido que já teve nomes como Konrad Adenauer, Helmut Kohl e a própria Merkel.
Líder da CDU no Parlamento, Thorsten Frei defendeu o colega em entrevista ao Die Welt. “Acho que foi certo colocar a moção para ser votada”, disse Frei, repetindo que a importância do tema era maior do que a necessidade de manter o chamado Brandmauer, ou firewall, a distância que os partidos democráticos mantém da AfD. Merz, ainda na noite de quarta-feira (29), já tinha procurado minimizar a importância do instrumento.
A crise tende a piorar nesta sexta-feira (31), quando a CDU propõe outra votação não acordada com a coalizão minoritária de Scholz. Desta vez, porém, os votos da AfD seriam usados para aprovar um projeto de lei. A proposta também está relacionada ao endurecimento do controle imigratório; e, de novo, Merz é acusado de açodar o debate legislativo em busca de dividendos eleitorais.
Se bem-sucedida, a manobra deve proporcionar novo constrangimento ao candidato. O prefeito de Berlim, Kai Wegner, também da CDU, prometeu barrar a proposta no Bundesrat, o Conselho Federal, se os votos da AfD forem determinantes para sua aprovação. Leis federais que afetam as competências estaduais são submetidas ao Conselho, que é formado por representantes dos estados. Berlim é uma cidade-estado.
“O Senado de Berlim nunca dará o seu consentimento a uma lei no Bundesrat que só recebeu uma maioria por causa da AfD”, declarou Wegner.
A AfD, Alternativa para Alemanha, é considerada uma legenda de extrema direita pelos serviços de segurança do país. Neste mês, um recurso da sigla para barrar a classificação foi negado em segunda instância. O partido, que tem membros investigados por discurso de ódio e neonazismo e conta com o apoio de Elon Musk, defende a saída da Alemanha da União Europeia, a volta do marco alemão e fronteiras fechadas, entre outras bandeiras populistas.