Muitos dos ingredientes fazem parte da cultura brasileira e são consumidos diariamente nas nossas refeições
Ana Clara Cottecco
São Paulo/ Folhapress
Você já ouviu falar em ebó? Pode até ser que você já tenha visto um em algum lugar, mas talvez não tenha entendido para que ele serve. Ebó é uma oferenda muito importante nas religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé. Muitas pessoas chamam esses rituais de macumba e até fazem comentários desrespeitosos e preconceituosos, achando que eles são oferecidos para fazer mal. Mas isso não é verdade.
O ebó, na realidade, é como um presente especial que as pessoas oferecem aos orixás -que são divindades dessas religiões- ou a entidades espirituais. Ele é usado para pedir coisas boas, como saúde, paz, prosperidade, amor, para agradecer por algo que já aconteceu ou em festas.

Essas oferendas normalmente têm alimentos, que são escolhidos de acordo com os orixás ou entidades para quem estão sendo oferecidas. Mas por que alimentos? Porque acredita-se que a comida tem uma energia muito forte, capaz de atrair coisas boas e afastar coisas ruins.
Muitos desses ingredientes fazem parte da cultura gastronômica brasileira e são consumidos diariamente nas nossas refeições, como explica Vagner Rocha, doutor em estudos étnicos e africanos pela Universidade Federal da Bahia.
Veja a seguir o que significa alguns dos alimento que aparecem ebó
Farofa
Feita de farinha de mandioca, um alimento muito comum no Brasil desde antes da chegada dos europeus, ela é misturada no ebó com outros ingredientes, como azeite de dendê, cachaça ou água, e às vezes ganha até um toque especial com pimenta, carne ou frutas. Acredita-se que ela seja muito importante para Exu, um orixá que representa movimento, caminhos e transformação. Por isso, antes de qualquer cerimônia começar, uma farofa especial chamada de padê é oferecida a ele, pedindo-se que tudo corra bem e sem problemas. Ela também aparece como base para outras oferendas.
Pipoca
No candomblé e na umbanda, ela é um símbolo de purificação e proteção. A pipoca é especialmente associada aos orixás Obaluaê e Omolu, que cuidam da saúde e ajudam a afastar doenças e energias ruins. Da próxima vez que comer pipoca, portanto, lembre-se de que esse alimento simples e delicioso tem um significado muito especial para muitas pessoas.
Mel
Está ligado a coisas boas, como amor, paz, beleza e harmonia. Ele é associado à orixá Oxum, que é conhecida como a divindade dos rios, das cachoeiras e do amor. Por isso, é muito usado em rituais que pedem coisas positivas ou para fortalecer laços de carinho e amizade. Mas o mel não pode aparecer em qualquer ebó: não pode, por exemplo, ser oferecido ao orixá Oxóssi, como explica Vagner Rocha, já que na mitologia há abelhas que picaram o filho da divindade.
Azeite de dendê
O dendê é o fruto de uma palmeira africana que é transformada em um óleo de cor alaranjada bem forte. Rocha afirma que é um ingrediente obrigatório nas religiões afro-brasileiras e está presente em quase todas as comidas dos orixás. Ele é muito usado porque carrega uma energia poderosa de proteção, purificação e conexão com os ancestrais. Mas há exceções: o azeite de dendê não pode usado para os orixás chamados de funfun, que vestem branco.

Cachaça
Também é conhecida como marafo, a bebida aparece nos rituais como um símbolo de purificação e proteção. Ela é oferecida para entidades como Exu e Pombagira, que ajudam as pessoas a abrir caminhos e a lidar com dificuldades. Essas entidades têm um papel importante na comunicação entre o mundo espiritual e o mundo das pessoas.
Acarajé
Vendido em feiras de rua, é um bolinho frito feito de feijão fradinho e azeite de dendê muito popular na culinária baiana. Vagner Rocha explica que o seu nome vem de duas palavras em iorubá: akará (bola de fogo) e ajeum (comer), que lembram seu formato redondo e cor avermelhada. Dentro das oferendas e rituais ele é o prato favorito de Iansã, que representa os ventos, as tempestades e a coragem.
Feijão-fradinho
Esse feijão é mais um alimento que veio da África e faz parte de oferendas para orixás como Oxum. Ele é muito usado em pratos que representam fartura, prosperidade e fertilidade, como o omolocum, que mistura feijão, azeite de dendê e outros ingredientes. Cada grãozinho de feijão é como uma sementinha de vida e crescimento.
Quiabo
Outro alimento que também chegou ao Brasil com os africanos escravizados. É usado em oferendas para orixás como Xangô, que representa a justiça, e Ibeji, que protege as crianças. Um prato famoso que leva quiabo é o amalá de Xangô, preparado com carne, pimenta e muitos quiabos. Segundo Rocha, o orixá é conhecido por ser “aquele que come mil quiabos de uma só vez”. Esse alimento é conhecido por trazer equilíbrio e proteção espiritual.
