SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os novos presidentes da Câmara e do Senado, cujos favoritos são, respectivamente, Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), devem assumir após as eleições de 1º de fevereiro em um cenário marcado pela falta de transparência e a necessidade de mecanismos para tornar mais democrática a atuação dentro das Casas.
Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, o contexto dos últimos anos no Legislativo Federal tem sido marcado pelo aumento de poder do Congresso, turbinado pelas emendas parlamentares, e empecilhos na participação social.
A Câmara e o Senado compõem o Poder Legislativo em âmbito federal, um dos três pilares, junto ao Executivo e Judiciário, no qual se assenta a democracia brasileira. Têm atribuições legislativas, como a elaboração de emendas constitucionais, e de fiscalização.
Apesar do papel central no jogo democrático, a disputa marcada por arranjos políticos e a falta de contato com o cidadão na hora de escolher as presidências, que são praxes das Casas, refletem o distanciamento e a falta de transparência com os quais temas importantes no Congresso são tratados, apontam especialistas.
Entre as duas instituições, o cenário que requer maior atenção, de acordo com pesquisadores, é o da Câmara dos Deputados, que tem vivido uma concentração de poder desde a gestão de Eduardo Cunha, então deputado do PMDB pelo Rio de Janeiro, no biênio 2015-2016.
Depois disso, a concentração de poder nas mãos do presidente teve seu ápice na gestão de Arthur Lira (PP-AL), afirma Guilherme France, gerente do centro de conhecimento anticorrupção da Transparência Internacional Brasil.
A presidência de Lira foi marcada pela açodada aprovação da urgência de projetos de lei como o que criminaliza o aborto com aprovação-relâmpago de 23 segundos, o aumento do controle sobre o Orçamento da União por meio das emendas e um estilo avaliado por parte dos parlamentares como autoritário.
France aponta uma série de movimentos ao longo dos últimos anos que levaram ao que é hoje o ponto alto da concentração de poder no cargo do presidente da Câmara, o que, diz, precisa ser sanado por um regulamento interno comprometido com a transparência da Casa.
Um desses movimentos é o uso excessivo de sessões extraordinárias, o que permite ao presidente agendar deliberações de interesse de forma menos rígida e menos favorável à obstrução dos parlamentares.
“Nessas sessões, não há tempo previsto para discursos e as ordens do dia e os horários podem ser definidos pelo presidente praticamente sem restrições”, aponta documento do Pacto pela Democracia que pede alterações no regimento da Câmara para, entre outros pontos, limitar o uso das sessões extraordinárias.
Segundo a organização, a partir de 2006 o número de sessões extraordinárias ultrapassou a metade das sessões totais e, uma década depois, esse valor atingiu o percentual de 86%. De acordo com dados da Câmara dos Deputados, 2024 teve 86 sessões deliberativas extraordinárias, 3 sessões extraordinárias de comissão geral e nenhuma sessão ordinária.
Outro aspecto que contribuiu para a concentração de poder nas mãos do presidente da Casa foi o uso informal do Colégio de Líderes, instância que assessora o presidente a definir propostas prioritárias.
De acordo com o Pacto pela Democracia, o funcionamento do Colégio tem se dado numa “zona entre a formalidade e a informalidade”, com reuniões fora das instalações físicas da Câmara e em uma dinâmica que favorece o poder da presidência, sem mecanismos de transparência e prestação de contas. Por isso, a organização sugere a institucionalização do Colégio, a fim de que sua agenda possa ser acompanhada publicamente pela sociedade.
Ela também pede o estabelecimento de critérios mais objetivos para a criação das comissões especiais, mecanismo que tem sido utilizado tanto para colocar proposições no “limbo legislativo”, quanto para “contornar a ação de comissões permanentes”, a depender dos interesses do presidente.
Assim como a Câmara, o Senado precisa aumentar a transparência incentivando planos de gestão para os candidatos à presidência e trazendo regras mais favoráveis ao acesso da sociedade civil, avalia Guilherme France.
“Esses órgãos assumiram um nível de protagonismo não só no processo político, mas na própria definição do orçamento público. Por isso, as pessoas que pretendem assumir as suas presidências deveriam prestar contas aos cidadãos brasileiros a partir de um processo político aberto em que se apresentem pautas e propostas de gestão”, diz.
No Senado, o próximo presidente vai lidar com o legado de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que atravessou embates com o STF (Supremo Tribunal Federal) e ficou na esteira das ações de Lira, tido como um dos presidentes mais poderosos da Câmara dos Deputados.
Marcus Ianoni, professor de ciência política da UFF (Universidade Federal Fluminense), afirma que o regimento interno de ambas as Casas precisa “buscar o melhor equacionamento entre eficiência de trabalho e efetiva garantia da transparência, do debate e do direito da oposição de se manifestar dentro das regras do jogo”.
Ele cita outros aspectos que têm prejudicado o pleno exercício democrático nas instituições, como a forte influência que os gastos de campanha tem na definição dos parlamentares eleitos. A falta de informação sobre os interesses que movimentam as decisões no Congresso, diz, é outro problema.
Segundo levantamento da Transparência Internacional, em 2024 houve no Senado somente duas representantes da sociedade civil com acesso liberado à Casa, contra 65 representantes de associações ou entidades privadas.
Filipe Savelli Pereira, pesquisador do Laboratório de História das Interações Políticas e Institucionais da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), aponta que há, além dos aspectos citados, falta de acesso adequado a mecanismos de transparência já disponíveis. Para ele, esses mecanismos não são suficientemente acessíveis a uma população que carece de “ações pedagógicas para serem incluídas no meio legislativo”.