SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em cinco anos, o currículo do ensino médio das escolas estaduais de São Paulo perdeu 35,1% da carga horária das disciplinas de ciências humanas. Para este ano, o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) cortou ainda mais 13 horas das aulas destinadas à essa área do conhecimento.
Pela legislação nacional, as ciências humanas incluem quatro disciplinas da educação básica: história, geografia, sociologia e filosofia. As duas últimas foram as que tiveram maior corte, com redução de 62,9% da carga horária entre 2020 e 2025.
Geografia também teve uma redução de 25,9% do tempo de aula. A única disciplina que teve acréscimo no período foi história, com um aumento de 11,1%.
Língua portuguesa faz parte de outra área do conhecimento pela divisão da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), documento que define o que deve ser ensinado nas escolas brasileiras.
Os dados são de uma análise feita pela Repu (Rede Escola Pública e Universidade) com informações da própria Seduc-SP (Secretaria Estadual de Educação de São Paulo). A redução do tempo dessas disciplinas começa a acontecer após a implementação do novo ensino médio, aprovada em 2017 pelo presidente Michel Temer (MDB).
O governo Tarcísio disse que a comparação entre os currículos é descabida, e que priorizou recompor a carga horária de matemática e português. Afirmou ainda ser prerrogativa dos estados decidir a distribuição das horas entre as disciplinas.
São Paulo foi o primeiro estado a colocar o novo modelo em prática, assim a nova grade curricular para o ensino médio passou a valer em 2021 e levou ao corte da carga horária de todas as quatro áreas do conhecimento (que englobam ainda matemática, língua portuguesa e ciências da natureza). Nas outras três áreas, no entanto, a redução foi proporcionalmente menor.
Ciências da natureza foi a área com o segundo maior corte, passando de 540, em 2020, para 466,7 horas neste ano. Mesmo matemática e linguagens, que foram as áreas priorizadas pelo governo, continuam com redução em relação a antes da reforma. Matemática passou de 450 para 400 (11,1% a menos) e linguagens, de 990 para 933,3 horas (um corte de 5,7%).
Ainda que no fim do ano passado o presidente Lula (PT) tenha sancionado uma nova reforma do ensino médio, que recompôs a carga horária das disciplinas comuns para 2.400 horas (tal como era antes da mudança aprovada por Temer), o governo Tarcísio manteve o corte e ainda aprofundou a redução, sobretudo, na área de ciências humanas.
“A expectativa de recomposição não se confirmou para as ciências humanas, única área do conhecimento a sofrer redução de carga horária em todos os modelos de oferta de ensino médio, tanto nas escolas de tempo parcial quanto nas de tempo integral e, sobretudo, na EJA [Educação de Jovens e Adultos]”, diz o estudo.
Em 2025, os estudantes da rede estadual dos turnos diurnos terão 466,7 horas de aulas das quatro disciplinas de ciências humanas, carga horária menor que a de 2024 que era de 480 horas. Em 2020, antes da reforma do ensino médio, eram 720 horas. A disciplina que concentrou os cortes de carga horária em 2025 foi geografia, com redução de 180,0 para 133,3 horas totais.
Os pesquisadores alertam ainda que a situação é ainda mais crítica para o período noturno, pois além da redução de 23,8% da carga horária de ciências humanas, concentrada nas disciplinas de filosofia e sociologia, o governo de São Paulo ainda também manteve a substituição do ensino presencial por aulas a distância.
Das 480 horas previstas para as ciências humanas, 210 são de aulas não presenciais para o noturno. “A lei de 2024 diz que o ensino mediado por tecnologia à distância deve ocorrer em caráter excepcional, mas o que São Paulo fez foi institucionalizar esse formato para os alunos do noturno”, diz Ana Paula Corti, uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo.
Também chamam a atenção para os cortes mais profundos na EJA, que teve redução de carga horária em todas as áreas do conhecimento. Em ciências da natureza e linguagens, o corte foi de 60%; em ciências humanas, 57,1%; e em matemática, 50,0%.
Outra conclusão do estudo é de que a redução da carga horária sobrecarrega os professores, sobretudo aqueles que lecionam as disciplinas com maior corte de horas.
Eles analisaram quantos componentes curriculares os docentes de sociologia lecionaram em 2024. E identificaram, por exemplo, que entre os efetivos apenas 3,2% dá aula exclusivamente de sociologia. A maioria (63%) dá aula de 3 a 5 disciplinas diferentes e 29,2% chegam a ter de 6 a 10 disciplinas.
Corti considera que o desvio dos professores para funções para as quais não têm formação é prejudicial. “De fato, eles acabam atuando em disciplinas dentro da área de ciências humanas e, obviamente, há interdisciplinaridade e eles dominam o conteúdo. Mas eles não foram formados para ensinar história ou geografia, mas sim para ensinar sociologia. Assim, é claro que haverá prejuízo no ensino dos estudantes.”
Daniel Barros, diretor pedagógico da Secretaria de Educação do estado disse que a comparação da carga horária deste ano com a de antes da reforma do ensino médio (em 2020) é descabida por não levar em conta o tempo destinado aos itinerários formativos.
Ele, no entanto, não explicou porque não houve recuperação da carga horária às 2.400, assim como ocorria até 2020 exclusivamente para as disciplinas comuns. Ele defendeu que o governo estadual tem autonomia para distribuir as aulas das quatro áreas do conhecimento da forma como achar que faz mais sentido.
“Matemática e língua portuguesa tiveram um incremento grande de horas, porque nós temos resultados muito tristes nessas áreas. Nós entendemos que era importante reforçar essas áreas. Nós não retiramos carga horária das ciências humanas, porque o aluno pode se aprofundar no conhecimento dessas disciplinas nos itinerário formativos, se esse for o interesse dele”, disse.