SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma espécie de efeito bola de neve soterrou milhares de empresas em 2024, levando a um número recorde de pedidos de recuperação judicial.

Juros altos, menor oferta de crédito, inadimplência e o dólar alto fazem com que dívidas fiquem mais caras e mais difíceis de pagar, gerando um ciclo em que as contas não fecham.

Os dados finais com os 12 meses do ano serão fechados nos próximos dias, mas o somatório até novembro, de 2.085 solicitações, ultrapassa o recorde anual anterior, registrado em 2016, quando 1.863 empresas pediram proteção judicial para não quebrar.

Há quem veja no aumento expressivo de pedidos mais do que apenas as consequências de uma economia que ainda vive as marcas do período da pandemia, quando o pagamento de dívidas foi pausado ou renegociado.

Entretanto, para agentes do setor, o número pode sinalizar também uma mercantilização dos processos de recuperação judicial, uma vez que as condições de renegociação de dívidas apresentadas nos planos de soerguimento das companhias dificilmente seriam obtidos no mercado, como descontos de 80% a 90% do valor da dívida, correção baixa e prazo de pagamento.

A maioria dos relatos de suspeita de abuso nesses pedidos vem do agronegócio. Em 2024, o ministro Carlos Fávaro, da Agricultura, chegou a dizer que os pedidos não poderiam ser banalizados, gerando a reação de escritórios de advocacia.

Guilherme Gaspari Coelho, responsável pela área de reestruturação, insolvência, prevenção e resolução de disputas do Stocche Forbes, diz não ver a existência de uma “indústria da recuperação judicial”. Para o advogado, o instrumento vem se tornando mais conhecido ao mesmo tempo em que o cenário macroeconômico piora.

“É algo que funciona e passa a ser mais utilizado porque houve uma melhora [nas regras]. É legítimo. Negócios dão errado e podem ser reestruturados. Existe uma lei que cria mecanismos para fazer isso”, afirma.

Na avaliação da advogada Laura Bumachar, sócia do Dias Carneiro Advogados, o número recorde vem da elevação da taxa de juros em um cenário em que as empresas só rodam alavancadas, ou seja, tomando empréstimo.

Laura atua a favor de credores em processos de recuperação judicial. Para ela, há excessos nos pedidos. “A partir do momento que entram com RJ, falam que o plano vai dar seis anos de carência e desconto de 90%, isso é uma declaração de falência”, afirma.

O especialista em reestruturação Filipe Denki, sócio do Lara Martins Advogados, considera raros os casos em que a recuperação judicial aconteça sob argumentos fabricados. “Vale a pena você assumir uma dívida para dar um calote e colocar todo seu legado em xeque? Forçar uma recuperação judicial, se tiver, é uma minoria.”

Sob reserva, profissionais da área dizem considerar também que a possibilidade de acordo com a PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) para negociar dívidas tributárias tornou esses processos mais interessantes, pois é possível parcelar e conseguir descontos de até 80%.

Enquanto no agronegócio, as dívidas estão concentradas nos bancos, nos demais setores elas estão com bancos, fornecedores e com os fiscos estaduais, municipais e federal. Nos processo de RJ, as dívidas tributárias são extraconcursais, os seja, não ficam sujeitas ao plano de recuperação.

Eduardo Scarpellini, sócio-fundador da EXM Partners, que também atende empresas em crise, diz que vem buscando priorizar as recuperações extrajudiciais, que duram menos tempo e têm dano reputacional menor e não gera um estresse com fornecedores e credores.

Em 2023, a Amaro entrou com recuperação extrajudicial. No ano passado, o grupo Casas Bahia fez o mesmo. Esse tipo de processo é mais rápido porque, em geral, as empresas negociam com os bancos e os demais credores antes de ir à Justiça.

No caso de Casas Bahia, os principais credores eram Bradesco e Banco do Brasil. Com o acordo, a varejista conseguiu evitar um desembolso de R$ 4,8 milhões até 2027, garantiu carência de 24 meses para pagar juros e de 30 meses para começar a acertar o valor principal.

“Você não fica com o carimbo da recuperação judicial, não tem necessidade de gastar com administração judicial, não fica dependente do judiciário por anos. É muito mais tranquilo para o empresário, para os credores e tem custo estrutural menor”, diz Scarpellini.

No balanço das recuperações judiciais em 2024, o aumento está concentrado principalmente entre micro e pequenas empresas. Na avaliação do sócio da EXM, em 2025, as empresas maiores também terão dificuldade de se manter.

“O que o mercado está sinalizando é um represamento de dívidas da pandemia e pós-pandemia, dívidas caras, e as empresas não estão tendo capacidade de geração de caixa para lidar com custos financeiros tão altos.”

Para Guilherme Coelho, do Stocche Forbes, a recuperação judicial é o último recurso. “Fora dela, você vai falir e é a morte da empresa. Isso incentiva as pessoas a serem razoáveis e a negociar dentro do processo.”

Por outro lado, afirma, adiar uma falência também é ruim, pois mantém de pé empresas que são mortas-vivas.