SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao vencer as eleições presidenciais dos Estados Unidos, Donald Trump disse que governaria sob o lema de que promessa feita é promessa cumprida.

Não era retórica -ao menos é o que indica os seus primeiros dias no governo. Empossado na segunda-feira (20), o republicano assinou durante a semana decretos relacionados a imigração, diversidade e ambiente que reproduzem quase ao pé da letra algumas de suas propostas de campanha.

Suas ameaças contra a China, no entanto, ficaram progressivamente mais fracas desde a posse. Se antes das eleições ele sugeriu implementar tarifas de até 60% sobre as importações chinesas, nesta semana ele baixou essa porcentagem para 10% -produtos do México e do Canadá devem ser taxados em 25%.

No domingo (19), antes mesmo de sua cerimônia de inauguração, o republicano impediu que o aplicativo TikTok, de matriz chinesa, fosse banido do território americano. Em vez disso, aventou a possibilidade de os EUA comprarem parte do negócio.

Mais recentemente, na quinta (23), Trump afirmou em uma participação por videoconferência no Fórum Econômico Mundial, em Davos, que a única coisa que ele deseja é um “relacionamento justo” com o país asiático.

“Só queremos um meio de campo nivelado. Não queremos tirar vantagem”, disse, citando os déficits comerciais de Washington com Pequim.

Ele ainda elogiou o dirigente do regime, Xi Jinping, com quem havia conversado por telefone na semana passada. “Sempre tivemos um relacionamento muito bom”, afirmou o americano, que convidou, de forma inédita, o chinês para a sua cerimônia de posse -o líder foi representado por seu vice, Han Zheng.

As ações simbolizam a disposição de Trump de costurar um acordo alternativo à cobrança de tarifas com a China, no mais verbalizada em uma entrevista à Fox News desta semana.

Evandro Menezes de Carvalho, professor de direito internacional da UFF (Universidade Federal Fluminense) e da FGV-Rio (Fundação Getulio Vargas) e autor de “China: Tradição e Modernidade na Governança do País”, diz que dois fatores podem explicar a mudança de posicionamento do americano em relação ao que ele tinha professado durante a campanha.

De um lado, no período que se passou desde o primeiro mandato do empresário, a China se tornou uma presença inescapável no cenário internacional. Ela é a maior parceira comercial de mais de cem países, domina a produção industrial global e virou um competidor formidável dos EUA em áreas antes lideradas por eles, como tecnologia.

Esse seu aumento de poderio econômico foi acompanhado de uma maior influência no campo geopolítico. “Ou seja, não dá para os EUA tratarem a China como Trump tem tratado outros países”, afirma Carvalho, lembrando o desdém com que o republicano falou sobre a relação que pretendia ter com o Brasil e com a América Latina após assumir. “Não precisamos deles”, respondeu ao ser questionado sobre o assunto por uma repórter da GloboNews.

O pesquisador diz que outra explicação para o recuo é o relativo fracasso das medidas protecionistas que ele implementou em seu primeiro governo, muitas delas reforçadas por Joe Biden. “Elas não se mostraram eficazes o suficiente para conter o avanço da economia chinesa”, diz.

Seja como for, Pequim, que repetiu em várias ocasiões estar disponível para negociar com Washington, respondeu positivamente à bandeira branca erguida por Trump.

Nesta sexta (24), a porta-voz da chancelaria chinesa, Mao Ning, afirmou que “apesar das diferenças, os dois países têm enormes interesses comuns e espaço para cooperação”. Sobre a cobrança feita por Trump de uma relação mais justa entre americanos e chineses, ela disse que o regime “nunca buscou deliberadamente um superávit comercial com os EUA”.

O país asiático enfrenta uma grave crise no setor imobiliário, baixo consumo interno e uma taxa preocupante de desemprego entre os jovens. Segundo especialistas, o aumento das tarifas atualmente poderia ser ainda mais danoso para a nação do que quando Trump lançou sua guerra comercial contra ela, em 2018.

As sinalizações recentes não significam, porém, que as relações entre EUA e China não continuem vulneráveis. Embora um dos principais conselheiros de Trump, o bilionário Elon Musk, seja favorável aos chineses e tenha aberto fábricas de sua empresa Tesla no país, vários dos outros nomes indicados pelo republicano para compor seu governo têm posições anti-China -a começar por Marco Rubio, secretário de Estado que inclusive é alvo de sanções de Pequim.

Além disso, o novo presidente americano é sabidamente imprevisível, e também tinha coberto Xi de elogios antes de impor tarifas aos produtos chineses em seu primeiro mandato.

No mais, a redução das tensões também não significa que os EUA sob Trump não continuarão a disputar a hegemonia global com a China. Pelo contrário. “Seguramente ele continuará ou aprofundará a política americana de tentar conter o crescimento chinês”, diz Carvalho.