DANIELE MADUREIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os anúncios das big techs Meta e Amazon, assim como das multinacionais americanas McDonald’s e Microsoft, de revisão dos seus programas de diversidade e inclusão, iniciados após a vitória de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos, acenderam um alerta no mundo corporativo, em relação aos efeitos que essas decisões podem ter em filiais brasileiras.
Em outra direção, multinacionais como Carrefour, de origem francesa, e Natura&Co, brasileira, vieram a público reafirmar suas políticas de diversidade, equidade e inclusão. A Natura é uma das principais associada do Instituto Ethos, criado em 1998 para promover a responsabilidade social e ambiental das empresas, e o Carrefour é vinculado ao Mover, que nasceu em 2021 para propor a equidade racial no ambiente corporativo.
“Sou preto, nordestino do interior da Bahia, cheguei a São Paulo aos 21 anos, apenas com a 4ª série do primário. Hoje, com 58 anos, sou formado em administração, curso direito e ocupo um cargo na diretoria do maior grupo varejista do Brasil. Não foi só mérito que me até trouxe aqui, mas ações afirmativas também”, diz Claudionor Alves, diretor executivo de equidade racial e relações institucionais do grupo Carrefour.
O grupo publicou nesta terça (21) um post na rede de contatos profissionais LinkedIn intitulado “Sim à inclusão e à diversidade”, em que ressalta a necessidade de valorizar as diferenças e a “coragem de lidar com as resistências e em fazer a coisa certa mesmo quando o caminho não é o mais fácil.”
“Estamos usando todos os meios de comunicação para destacar que continuamos alinhados com as nossas diretrizes de equidade racial e de gênero, com as nossas metas de inclusão, que se mantêm no curto, médio e longo prazos”, diz Alves.
Até 2030, a empresa pretende ter negros (pretos e pardos) em 50% das posições de liderança hoje eles somam 35%, ocupando cargos de gerência ou coordenação. Entre os executivos (diretores, presidentes e conselheiros), a meta é atingir 20% de negros. Hoje, são 13%. Do total de 130 mil funcionários do grupo no Brasil, 60% são negros e 50,5% são mulheres.
No tocante a gênero, a companhia espera atingir 40% de mulheres em cargos de liderança (atualmente são 32%) e 26% no nível executivo (hoje elas somam 21%). “Ainda não temos metas desenhadas para o público LGBTQIA+, mas já participamos de alguns fóruns. Pode ser o próximo passo.”
O Carrefour passou a levantar a bandeira antirracista depois que um cliente negro foi espancado até a morte por seguranças terceirizados da rede em novembro de 2020, às vésperas do Dia da Consciência Negra. O grupo fechou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o Ministério Público, que envolveu o aporte de R$ 115 milhões em ações antirracistas. “Já superamos este valor em R$ 50 milhões”, diz Alves.
Já a Natura afirmou em uma carta aberta no LinkedIn que “não há mais tempo para retrocessos”. “Vivemos tempos que nos convocam a reafirmar o nosso compromisso com a construção de um mundo mais justo, ético e inclusivo. Mais do que nunca, esse esforço precisa ser corajoso, intencional e, sobretudo, coletivo”, afirmou.
A empresa defende a conservação da natureza, a defesa irrestrita dos direitos humanos e a valorização da diversidade, que considera como “pilares essenciais” para a longevidade do próprio negócio. “Diante do recrudescimento da crise climática e das injustiças sociais, é urgente agirmos (…) Os complexos desafios sociais e ambientais contemporâneos não serão resolvidos apenas por governos ou organismos multilaterais, sem que a sociedade civil e o setor empresarial se mobilizem.”
O grupo, também dono da Avon, afirma ter revisitado suas metas e assumiu compromissos sociais e ambientais mais ambiciosos para 2030.
Entre eles, está garantir no mínimo 30% de posições gerenciais ocupadas por negros, indígenas, LGBTQIAP+ e pessoas com deficiência (dependendo da região e do país). No Brasil, a empresa pretende chegar este ano a 25% de pessoas negras em cargos de gerência e a 30% em 2030.
Um dos compromissos é contribuir com a proteção ou regeneração de 3 milhões de hectares da floresta amazônica (frente a 2 milhões em 2020) e estender a parceria para 45 comunidades agroextrativistas fornecedoras de insumos para os seus produtos (eram 34 em 2020).
Também prevê adotar 55 bio-ingredientes da sociobiodiversidade amazônica (frente aos 39 de 2020) e aumentar em quatro vezes as compras de insumos da sociobioeconomia da região, em comparação ao que comprava em 2020.
Em 2023, a empresa já havia atingido 50% de mulheres nos cargos de liderança sênior e eliminado diferenças salariais por gênero e raça. “Acreditamos que os negócios só se tornam mais prósperos na medida em que a humanidade e natureza também prosperam. O momento que vivemos demanda de nós a responsabilidade de ir além.”
‘EUA NÃO SÃO O MUNDO’
Para Natália Paiva, diretora executiva do instituto Mover, o contexto de políticas sociais e jurídicas no Brasil, que levam as empresas a investir em ações de diversidade, são muito diferentes dos Estados Unidos. “Os EUA não são o mundo, eles não podem exportar dilemas locais para o resto do planeta.”
Nem todas as empresas têm a mesma seriedade em seus compromissos corporativos envolvendo responsabilidade social e ambiental, diz ela. “Aquelas que adotam um discurso superficial deixam seus programas para trás se os ventos mudam.”
A executiva lembra que a demografia brasileira é diferente da americana. “Aqui somos 53% de negros, contra 14% nos Estados Unidos”, diz. “Há menos polarização sobre o tema e os líderes estão atentos a isso”. Segundo ela, nenhuma das 54 associadas do Mover, incluindo multinacionais americanas, esboçou qualquer movimento de revisão para baixo das suas metas de diversidade.
Ainda assim, ela diz temer um retrocesso na discussão do tema. “Direitos adquiridos e passos civilizatórios não são irrevogáveis.”
Questionadas pela reportagem se as decisões das respectivas matrizes vão impactar políticas de diversidade, equidade e inclusão no Brasil, a Meta não quis comentar. Já a Amazon afirmou que “continua comprometida com ações de diversidade”, e que vai manter investimentos em “programas que auxiliem os funcionários a crescer e se desenvolver.”
A Arcos Dorados, que opera a marca McDonalds no Brasil e em outros 19 países da América Latina, disse que está “comprometida com a promoção de equipes de trabalho diversas e um ambiente de trabalho que estimula o respeito, a participação de todas as pessoas, favorecendo a inclusão e a igualdade de oportunidades.”
A Microsoft que havia eliminado nos EUA a sua equipe de diversidade e inclusão em julho afirmou que o seu foco em diversidade e inclusão “é inabalável”. “Acreditamos que os nossos esforços contínuos para construir uma força de trabalho inclusiva, formada por uma ampla gama de pessoas com perspectivas, experiências e origens diferentes fortalecem a nossa cultura de inclusão e ajudam a promover a inovação e a servir as necessidades do nosso negócio e dos nossos clientes”, afirmou.