SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou nesta quinta-feira (23) que exigirá uma redução imediata da taxa de juros e que outros países deveriam seguir o exemplo. Este foi seu primeiro ataque direto à política monetária do Fed (Federal Reserve), o banco central americano, desde que reassumiu o cargo nesta semana.
“Com a queda dos preços do petróleo, exigirei que a taxa de juros caia imediatamente e, da mesma forma, elas deveriam cair no mundo todo”, disse Trump em seu discurso no Fórum Econômico Mundial, em Davos. Mais tarde, Trump afirmou que espera que a instituição o escute.
A declaração, que segundo economistas levanta novas incertezas, ocorre na semana anterior à primeira reunião do Fed do ano e de seu novo governo. As expectativas do mercado é de que haja uma manutenção da taxa de referência, hoje entre 4,25% e 4,5% ao ano.
Trump já criticou no passado o Fed e seu presidente, Jerome Powell, pelo aumento das taxas de juros durante seu primeiro mandato. Os comentários retornaram durante a campanha presidencial de 2024.
Apesar das ameaças de Trump, o Fed é uma instituição independente do governo da vez, assim como o Banco Central do Brasil o é desde 2021. Além de não receber recursos a partir da decisão do Executivo ou do Legislativo, mas sim de suas próprias operações de mercado, o banco tem como objetivos maiores manter o pleno emprego e os preços estáveis.
Mesmo assim, ataques de Trump no primeiro mandato romperam com décadas em que os mandatários evitavam críticas diretas. A gestão de Powell, indicado inicialmente por Trump e depois mantido no por Joe Biden, termina em 2026.
“A declaração cria diversas incertezas no mercado financeiro e afeta a credibilidade da política monetária americana, porque tem o potencial de que as decisões não sejam baseadas puramente em fundamentos econômicos, um questionamento bastante recorrente aqui no Brasil”, disse Eduardo Grubler, gestor de multimercados da AMW (Asset Management Warren).
Ao longo do segundo semestre de 2024, o Fed cortou as taxas em um ponto percentual após uma diminuição da pressão inflacionária no país. A expectativa para este ano é uma manutenção ou uma redução em ritmo menor, dada a persistência da inflação no país acima da meta de 2% e de um mercado de trabalho forte.
Nos 12 meses até dezembro, a inflação nos EUA foi de 2,9%, ante 2,7% em novembro. A taxa de desemprego naquele mês foi de 4,1%, menor do que no mês anterior.
“Eu não acho que o Fed vai prestar muita atenção nisso”, disse Peter Tuz, presidente da Chase Investment Counsel, à agência de notícias Reuters. Segundo Tuz, a instituição deve basear suas decisões em dados econômicos, não em demandas presidenciais.
Em entrevista ao Financial Times, Dan Ivascyn, diretor de investimentos da gestora Pimco, disse que o Fed deve manter as taxas até que haja mais dados ou uma maior clareza sobre as medidas que serão tomadas pelo presidente.
“Há tensão entre o que pode fazer sentido a longo prazo, mas levar a algumas pressões a curto prazo”, apontou, em referência às tarifas sobre a taxação de produtos importados, vista como inflacionária por economistas e investidores.
A leitura do momento, no entanto, é que a política tarifária do republicano tem sido menos agressiva do que se esperava para os primeiros dias de governo, e o mercado pondera se as ameaças são bravatas políticas ou de fato planos concretos do presidente.
Para Lucas Farina, analista econômico da Genial Investimentos, a única forma de Trump impactar a política monetária do Fed é através de vias indiretas, como a adoção de uma política econômica de seu governo que combata a inflação e reduza custos.
“O problema é que a política comercial que ele promete implementar, de aumento das tarifas de importação, vão na direção contrária, de aumento da pressão sobre os preços dos bens comercializáveis”, disse.
Trump, no entanto, até agora apenas orientou que as agências federais investiguem os déficits comerciais dos EUA e práticas comerciais “injustas” de países parceiros.
“Acredito que o Fed será extremamente cauteloso ao lidar com as pressões de Trump, que não cederão à influência do novo presidente. É muito provável que enfrentemos mais inflação e juros mais altos ou, no mínimo, estáveis nos próximos meses ou anos”, disse Gustavo Ferraz, da WIT Invest.
Essa percepção norteou as operações na quarta-feira (22) e levou o dólar abaixo do patamar de R$ 6 pela primeira vez desde o final do ano passado, quando esteve em uma sequência de disparadas em meio ao estresse com as contas públicas no país. A moeda americana fechou nesta quinta (23) cotada a R$ 5,92.
“Esse tipo de volatilidade desnecessária na credibilidade do Fed pode tirar dinheiro de lá, porque se nem o dólar é um investimento visto como seguro, o que restaria? Então o grande diferencial de juros que temos comparado com as economias dos países desenvolvidos passa a ser um benefício”, disse Grubler, da AMW.
Durante seu discurso em Davos, Trump prometeu reduzir a inflação com uma combinação de tarifas, desregulamentação e cortes de impostos, juntamente com sua repressão à imigração ilegal e o compromisso de tornar os Estados Unidos um centro de inteligência artificial, criptomoedas e combustíveis fósseis.
“Os Estados Unidos têm a maior quantidade de petróleo e gás do que qualquer outro país na Terra, e vamos usá-los”, disse Trump. “Isso não só reduzirá o custo de praticamente todos os bens e serviços, como também tornará os Estados Unidos uma superpotência manufatureira.”
Trump também pediu à Arábia Saudita e à Opep no discurso que reduzissem o custo do petróleo. “Vocês têm que baixar o preço do petróleo, isso acabará com essa guerra. Vocês poderiam acabar com essa guerra”, disse, referindo-se à guerra da Ucrânia.
O petróleo caiu 1% nesta quinta após a fala e sob a incerteza sobre como as tarifas e as políticas dos EUA afetariam o crescimento econômico global e a demanda energética. Os contratos futuros do petróleo Brent caíram US$ 0,71, ou 0,9%, a US$ 78,29 por barril. O petróleo West Texas Intermediate (WTI) dos EUA caiu US$ 0,82, ou 1,09%, a US$ 74,62.
“O pedido de Trump para baixar os preços do petróleo será naturalmente bem recebido pelos consumidores e pelas empresas, mas será recebido com cautela pelo setor de petróleo dos EUA e por outros fornecedores globais”, disse Clay Seigle, membro sênior de segurança energética do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.
Mais de mil executivos, autoridades e outras pessoas de todo o mundo lotaram o salão principal da convenção para o discurso de Trump, incluindo o presidente polonês, Andrzej Duda.
Entre os líderes empresariais estavam o presidente-executivo do Bank of America, Brian Moynihan, o presidente-executivo do Blackstone Group, Stephen Schwarzman, o presidente-executivo da TotalEnergies, Patrick Pouyanne, o presidente-executivo do Fórum Econômico Mundial, Borge Brende, e o fundador do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab.
Em uma conversa posterior com os participantes da conferência na Suíça, incluindo Brian Moynihan e o CEO do Blackstone, Stephen Schwarzman, a recepção sobre os comentários de Trump oscilou entre elogios e críticas.
Em certo momento, Trump repreendeu e acusou Moynihan e o JPMorgan Chase por não fornecerem serviços bancários a conservadores, sem oferecer evidências de qualquer irregularidade.
“Espero que vocês comecem a abrir seu banco para os conservadores, porque muitos reclamam que os bancos não estão permitindo que eles façam negócios, e isso inclui o Bank of America”, disse Trump.
Os bancos rapidamente emitiram declarações dizendo que isso não era verdade. Logo após o comentário, Moynihan ignorou a acusação, preferindo elogiar Trump pelo fato de os EUA sediarem a Copa do Mundo FIFA de 2026.