SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O dólar caiu 0,36% nesta quinta-feira (23) e encerrou o dia cotado a R$ 5,925, abaixo do patamar de R$ 6 pelo segundo dia consecutivo.

Esse é o menor valor desde 27 de novembro do ano passado (R$ 5,913), quando a moeda americana iniciou uma forte escalada cuja faísca foi o anúncio do governo brasileiro de aumento da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 por mês.

O dólar estava em trajetória ascendente desde então e chegou a renovar o recorde histórico para R$ 6,267, mas tem perdido ímpeto. Na mínima desta sessão, chegou a R$ 5,874.

Mas o desempenho foi misto nos outros ativos brasileiros. A Bolsa caiu 0,39%, aos 122.483 pontos, e os juros futuros fecharam em alta firme em vários contratos, refletindo operações ligadas ao leilão de prefixados realizado pelo Tesouro brasileiro pela manhã, além do avanço dos rendimentos dos treasuries, títulos ligados ao Tesouro dos EUA.

Mais do que a cena fiscal do país, de agenda esvaziada por causa do recesso parlamentar do Congresso Nacional, o que tem movido os mercados neste período são as perspectivas econômicas para o segundo mandato do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

O republicano tomou posse na segunda-feira (20) e renovou ameaças de impor tarifas de importação a produtos da União Europeia e da China no início de fevereiro, bem como para os do Canadá e do México. No entanto, não assinou qualquer ordem sobre o assunto ainda.

A leitura dos investidores é que a política tarifária do republicano tem sido menos agressiva do que se esperava para os primeiros dias de governo, e o mercado pondera se as ameaças são bravatas políticas ou de fato planos concretos do presidente. Até agora, Trump apenas orientou que as agências federais investiguem os déficits comerciais dos EUA e práticas comerciais “injustas” de países parceiros.

A promessa de medidas mais protecionistas esteve no centro da campanha eleitoral de Trump. Segundo especialistas em comércio, a imposição de tarifas mais altas afetaria os fluxos comerciais, aumentaria custos e provocaria retaliações.

O principal temor, no entanto, é sobre o efeito na economia doméstica dos EUA. As tarifas sobre outros países têm potencial inflacionário, o que pode comprometer a briga do Fed (Federal Reserve, o banco central do país) contra a inflação e forçar a manutenção da taxa de juros em patamares elevados. E, quanto mais altos os juros por lá, melhor para o dólar, que se torna mais atraente conforme os rendimentos dos títulos ligados ao Tesouro norte-americano crescem.

Em participação virtual nesta quinta no Fórum Econômico Mundial, em Davos, Trump fez uma ode ao que chama de meritocracia, prometeu transformar os EUA na capital da inteligência artificial e das criptomoedas, eliminar dez regulamentações a cada regulamentação nova que implementar e cortar impostos no que enuncia como uma “nova era de ouro”.

“Minha mensagem para o mundo é simples: venha fabricar seu produto nos EUA que nós lhe daremos benefícios fiscais. Se você não quiser, o que é uma prerrogativa sua, você terá de pagar taxas para nós, cujas alíquotas variarão.”

Ele ainda disse que irá exigir a queda imediata da taxa de juros do país e que outras nações deveriam seguir o exemplo.

“O movimento de baixa do dólar foi potencializado pelo discurso de Trump em Davos, que disse que irá demandar juros americanos menores. Ele pretende aumentar a produção de petróleo dos Estados Unidos ao mesmo tempo em que irá pressionar a Arábia Saudita para acompanhá-lo, numa tentativa de reduzir os preços de petróleo e, consequentemente, os custos de energia para o consumidor americano”, avalia André Valério, economista sênior do Inter.

“Não é a primeira ameaça de uma intervenção na política monetária por parte do governo Trump. Com isso, observou-se um enfraquecimento global do dólar, contribuindo para o alívio do real.”

Mas, no Brasil, o desempenho foi misto. As curvas de juros futuros descolaram do câmbio, em especial os contratos de longo prazo. A taxa para janeiro de 2031 estava em 15,16%, em alta de 0,22 ponto percentual ante 14,941% do ajuste anterior, e o contrato para janeiro de 2033 tinha taxa de 15,09%, ante 14,854%.

De acordo com especialistas, foi o leilão de títulos do Tesouro pela manhã que pressionou as curvas, mais do que o cenário externo.

O órgão vendeu pela manhã toda a oferta de LTNs (Letras do Tesouro Nacional) e de NTN-Fs (Notas do Tesouro Nacional – Série F) -ambos títulos prefixados, com taxas que variaram de 14,5579% a 15,2899%.

“Quando falamos em ativos brasileiros, são três para ter em mente, principalmente: Bolsa, real e juros. Ontem tivemos um movimento de apetite por risco nos juros e no câmbio e de aversão ao risco na Bolsa. Hoje, foi aversão ao risco na Bolsa e juros, e apetite no câmbio”, diz Matheus Spiess, analista da Empiricus Research.

Ele explica que havia “muita gordura para queimar” no real desde o estresse causado no final do ano passado por causa das incertezas fiscais.

“O mercado ficou aguardando os movimentos de Trump para se posicionar e escolheu o risco. Mas essa queda não é sustentável. Veremos provavelmente alguns ‘voos de galinha’ até que o governo apresente um plano crítico para endereçar a agenda fiscal. O governo tem fracassado em dar sinalizações claras sobre o que pretende fazer.”

Além disso, segundo Valério, do Inter, o câmbio descolou dos demais ativos brasileiros por causa do “encerramento de posições vendidas em derivativos de câmbio”, isto é, houve um desmonte de apostas no dólar no mercado de derivativos.

Para os próximos dias, o mercado irá se voltar a uma série de decisões de bancos centrais. Na sexta-feira, o Banco do Japão inaugura a sequência de reuniões sobre juros, e a autoridade japonesa poderá voltar a subir sua taxa.

Na quarta-feira, será a vez do Fed e do BC (Banco Central) brasileiro. Da ponta norte-americana, as apostas majoritárias são em uma manutenção dos juros na banda atual de 4,25% e 4,5%. Já na ponta doméstica, o Copom (Comitê de Política Monetária) já havia antecipado que a taxa Selic, agora em 12,25% ao ano, terá aumentos de 1 ponto percentual neste mês e em março.

Na quinta, o BCE (Banco Central Europeu) encerra a bateria de decisões mais relevantes para o mercado. A expectativa é por uma redução nos juros.