SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O dólar apresenta queda nesta quinta-feira (23) e segue abaixo do patamar de R$ 6 pelo segundo dia consecutivo.

Nesta sessão, os investidores aguardam novas notícias do governo Donald Trump, nos Estados Unidos, e também já se preparam para as decisões de juros de bancos centrais na próxima semana.

Às 12h58, a moeda norte-americana caía 0,45%, cotada a R$ 5,919, próxima à mínima de R$ 5,910 do dia. Já a Bolsa oscilava entre os sinais e tinha leve variação negativa de 0,09%, aos 122.841 pontos.

A tônica dos mercados neste início de ano segue sendo o segundo mandato do presidente Donald Trump. Ele tomou posse na segunda-feira (20) e renovou ameaças de impor tarifas de importação a produtos da União Europeia e da China no início de fevereiro, bem como para os do Canadá e do México.

No entanto, a leitura dos investidores é que a política tarifária do republicano tem sido menos agressiva do que se esperava para os primeiros dias de governo, e o mercado pondera se as ameaças são bravatas políticas ou de fato planos concretos do presidente. Até agora, Trump apenas orientou que as agências federais investiguem os déficits comerciais dos EUA e práticas comerciais “injustas” de países parceiros.

Essa percepção norteou as operações na quarta-feira e levou o dólar abaixo do patamar psicológico de R$ 6 pela primeira vez desde o final do ano passado, quando esteve em uma sequência de disparadas em meio ao estresse fiscal do país.

“A sessão de ontem foi bem positiva para o real, depois que a taxa de câmbio rompeu o importante suporte dos R$ 6, que desencadeou uma enxurrada de reversões de apostas contra a moeda nacional”, avalia Marcio Riauba, chefe da mesa de operações da StoneX.

“O movimento visto ontem não tem relação a novidades no cenário interno e no tema fiscal, mas, sim, no desmonte das expectativas sobre o governo Donald Trump, fazendo com que o mercado voltasse a procurar ativos mais arriscados.”

A promessa de medidas mais protecionistas esteve no centro da campanha eleitoral de Trump. Segundo especialistas em comércio, a imposição de tarifas mais altas afetaria os fluxos comerciais, aumentaria custos e provocaria retaliações.

O principal temor, no entanto, é sobre o efeito na economia doméstica dos EUA. As tarifas têm potencial inflacionário, o que pode comprometer a briga do Fed (Federal Reserve, o banco central do país) contra a inflação e forçar a manutenção da taxa de juros em patamares elevados. E, quanto mais altos os juros por lá, melhor para o dólar, que se torna mais atraente conforme os rendimentos dos títulos ligados ao Tesouro norte-americano crescem.

Com temores de um repique inflacionário por causa das tarifas, o dólar vinha acumulado ganhos em relação às demais moedas antes da posse do presidente. Na véspera, a retirada de investimentos na divisa norte-americana também fez os pesos mexicano, colombiano e chileno apresentarem ganhos firmes.

“Hoje, os ativos devem testar a resiliência vista de ontem, principalmente com foco nos movimentos ou nas falas de Donald Trump”, diz Riauba.

As atenções estão voltadas à participação virtual de Trump no Fórum Econômico Mundial, em Davos, às 13h, em que ele deve esclarecer a líderes políticos e empresariais sua visão econômica para o mandato.

Já para os próximos dias, a expectativa é sobre uma série de decisões de bancos centrais. Na sexta-feira, o Banco do Japão inaugura a sequência de reuniões sobre juros, e a autoridade japonesa poderá voltar a subir sua taxa.

Na quarta-feira, será a vez do Fed e do BC (Banco Central) brasileiro. Da ponta norte-americana, as apostas majoritárias são em uma manutenção dos juros na banda atual de 4,25% e 4,5%. Já na ponta doméstica, o Copom (Comitê de Política Monetária) já havia antecipado que a taxa Selic, agora em 12,25% ao ano, terá aumentos de 1 ponto percentual neste mês e em março.

Na quinta, o BCE (Banco Central Europeu) encerra a bateria de decisões mais relevantes para o mercado. A expectativa é por uma redução nos juros.

A trajetória da taxa Selic, de acordo com o economista André Perfeito, também foi responsável pela forte queda do dólar na véspera.

“Não é possível dizer que o real está ganhando força sozinho, mas se acumulam evidências de que a moeda brasileira pode estar se valorizando pelos efeitos cumulativos da taxa Selic em alta”, avalia ele.

Quanto maiores os juros no Brasil e menores nos Estados Unidos, melhor para o real, que se torna mais atraente para investimentos de “carry trade” —isto é, quando investidores tomam empréstimos a taxas baixas e aplicam recursos em moedas de países de taxas altas, para rentabilizar sobre o diferencial de juros.

“Não podemos e nem devemos assumir que o real vai se apreciar fortemente nos próximos meses, muito pelo contrário, mas também é evidente que o mercado está considerando seriamente os R$ 6 como o ponto de gravidade.”

Os economistas são categóricos ao afirmar que a trajetória da moeda nos próximos meses é incerta. Isso porque o câmbio responde a uma série de variáveis difíceis de prever —entre elas, o próprio mandato de Trump, a política monetária do Fed e a cena fiscal do Brasil.

Na quarta, o economista-chefe do Itaú Unibanco e ex-diretor do Banco Central Mario Mesquita afirmou à Folha de S.Paulo que a conta de valor justo para o real é com o dólar a R$ 5,70, mas, para voltar a esse patamar, visto pela última vez há três meses, é necessário que o governo tenha uma ação fiscal forte, que reforce o arcabouço fiscal e demonstre seu compromisso.

“Esse é o momento de reforçar o arcabouço fiscal, não de enfraquecer. Acho que para recuperar a credibilidade, a confiança, às vezes você precisa fazer um ato mais emblemático”, disse Mesquita em Davos, de onde participa do Fórum Econômico Mundial.

“O que a gente tem sugerido é que o arcabouço, na verdade, deveria ser reforçado com um limite de crescimento de 1,5%, e não de 2,5%. E a gente também apresenta várias medidas que poderiam ser contempladas, que têm a ver com a rigidez do processo orçamentário brasileiro, da execução fiscal no Brasil.”

Em meados de dezembro, no momento de maior estresse com relação às incertezas fiscais do país, o dólar chegou a ultrapassar os R$ 6,26. Desde então, acumula queda de 5,61%