SÃO CARLOS, SC (FOLHAPRESS) – Rochas espalhadas por um trecho de 130 km do território cearense abrigam uma preciosidade: fósseis de anêmonas com mais de 400 milhões de anos de idade. Os resquícios de invertebrados marinhos, muito raros no registro paleontológico, são pistas do que aconteceu nos oceanos depois de um dos grandes episódios de extinção da história do planeta.

Para os padrões de seu grupo, a espécie Arenactinia ipuensis é uma das maiores entre as identificadas pelos paleontólogos até agora, medindo até 14 cm de altura. Graças à grande abundância de indivíduos, os pesquisadores responsáveis pela descoberta conseguiram identificar até a região da boca e dos tentáculos dos antigos animais, cuja preservação costuma ser ainda mais difícil que a do resto do corpo.

A descrição da anêmona, que viveu no começo do período Siluriano (entre 444 milhões e 433 milhões de anos antes do presente), foi publicado recentemente no periódico especializado Earth History and Biodiversity.

O primeiro autor é Francisco Rony Gomes Barroso, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). Também assinam o estudo suas orientadoras Sonia Agostinho, da UFPE, e Maria Somália Viana, da Universidade Estadual do Vale do Acaraú (CE), assim como Mírian Forancelli Pacheco, da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).

Estudos sobre as estruturas encontradas nas rochas da chamada Formação Ipu, em território cearense, acontecem desde 2010, mas não era exatamente fácil confirmar a identificação das anêmonas, explicou Barroso à reportagem.

“A grande questão é que não é fácil a visualização da estrutura delas em muitas das rochas”, diz ele. “Nas rochas que afloravam ao nível do solo, apareciam estruturas com forma de disco. A descoberta de novos sítios, por enquanto entre a cidade de Ipu e a de Santana do Acaraú, foi montando o quebra-cabeças aos poucos.”

Em certos afloramentos, em encostas, era possível ver tanto os discos quanto o prolongamento deles nas partes inferiores da rocha. Na lateral, as formas passavam a ser de cone ou cilindro —às vezes com uma expansão clara na base do cilindro, por exemplo.

Esse último detalhe ajudou a bater o martelo, porque estruturas abiogênicas —ou seja, produzidas por fatores que não têm a ver com os seres vivos— não produzem nada desse tipo. E análises de tomografia computadorizada feitas na Universidade de Bristol, no Reino Unido, revelaram a estrutura interna dos fósseis, com uma cavidade e possíveis impressões dos músculos que fortaleceram ainda mais a hipótese de que se tratava de anêmonas.

Quem só conhece esses invertebrados muito simples com base em sua aparição nos desenhos da série “Procurando Nemo” (a “casa” dos peixinhos protagonistas é uma anêmona) talvez não saiba que as anêmonas, na verdade, usam seu corpo para escavar o sedimento marinho e nele se fixar.

Isso faz com que o corpo relativamente molenga delas mude de formato dependendo do substrato e de outros fatores. Além disso, elas também têm o chamado comportamento de cobertura —juntam pedaços de conchas, seixos e outros materiais duros em volta do corpo para dar mais rigidez a ele. Isso provavelmente contribuiu para a preservação do formato da estrutura corporal das anêmonas.

Outro detalhe-chave é o fato de que, dependendo do sítio, há um grande acúmulo de anêmonas num espaço relativamente pequeno, alcançando densidades de até 20 indivíduos da espécie por metro quadrado.

Em parte, isso se deve à concentração de recursos alimentares num espaço relativamente pequeno, e também à reprodução assexuada que acontece nesse grupo —é como se novos “brotos” de anêmona fossem surgindo ao lado dos pais.

Mas outro elemento importante é o fato de elas corresponderem ao que se costuma chamar de biota de recuperação —ou seja, as comunidades de seres vivos que surgem depois de um grande desastre.

E é exatamente esse o caso. Há 445 milhões de anos, no fim do período Ordoviciano, boa parte da vida na Terra desapareceu por uma combinação de fatores, incluindo a diminuição da oxigenação dos oceanos, vulcanismo e grandes glaciações —uma coisa, ao que parece, reforçando a outra. O atual território brasileiro, por exemplo, ganhou geleiras, o que também ocorreu na África.

O aglomerado de anêmonas representa os passos iniciais da reconstrução dos ecossistemas marinhos.

A importância do achado também está ligada à sua raridade, diz Maria Somália Viana. “Temos a conservação de inúmeros indivíduos de corpo mole em um ambiente onde eles normalmente não se preservariam”, explica ela. “Houve um soterramento repentino de populações inteiras, revelando uma incrível diversidade de formas devido à plasticidade de seus corpos.”