SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Você talvez conheça essa cena. Em uma mesa de bar ou mesmo antes de sair para uma viagem, alguém diz “vou ao banheiro” e, subitamente, outras pessoas —e talvez até mesmo você— sentem vontade e decidem também ir urinar. O que parece ser uma coincidência talvez seja, na verdade, um comportamento evolutivo socialmente condicionado.

Pelo menos é isso que um grupo de pesquisadores japoneses tentou entender ao investigar o comportamento contagioso de urinar em um grupo de chimpanzés em cativeiro.

Analisando 20 macacos no santuário de Kumamoto, do Centro de Pesquisa em Vida Selvagem da Universidade de Kyoto (Japão), eles viram que a probabilidade de um chimpanzé urinar aumentava significativamente quando outro já o fez, especialmente se eles estivessem próximos (a menos de 1 m).

A probabilidade também era maior conforme o nível hierárquico no grupo —se um macho dominante fosse o primeiro a fazer xixi, os outros seguiam, mas quando era um indivíduo de nível inferior a urinar, o fenômeno não ocorria com os demais. Segundo os cientistas, isso pode estar relacionado a uma liderança oculta na sincronização de atividades do grupo, viés de atenção entre indivíduos ou até mesmo um fortalecimento do vínculo social entre eles.

Os achados foram publicados na segunda-feira (20) na revista especializada Current Biology.

Tudo começou quando Ena Onishi, doutoranda no Centro de Pesquisa de Vida Selvagem e primeira autora do estudo, observava os chimpanzés em cativeiro para outro projeto de pesquisa. A pesquisadora viu uma tendência nos indivíduos de urinarem ao mesmo tempo, e a semelhança com certos comportamentos humanos a deixou curiosa.

“No Japão, existe um termo específico para o ato de urinar na companhia dos outros —Tsureshon (連れション). A partir daí, formulei minha hipótese, questionando se isso poderia ser um fenômeno de contágio, como o bocejo ou a coceira”, afirma ela.

Para avaliar a chance de urinar após um outro indivíduo (que eles chamaram de “micção contagiosa”), os pesquisadores observaram mais de 600 horas de filmagem dos macacos e contabilizaram, com a ajuda de inteligência artificial, as vezes e o padrão observado cada vez que um indivíduo fazia xixi. Eles também calcularam a distância entre os animais.

Depois, eles conduziram simulações computacionais para saber se essas observações eram aleatórias ou tinham uma sincronização acidental, e viram que a taxa de sincronização no estudo foi significativamente maior do que o observado nas mais de mil simulações.

“Esse resultado nos deu confiança de que o tempo de micção entre chimpanzés não é aleatório. Análises adicionais de proximidade e dos fatores sociais que influenciam os padrões contagiosos confirmaram que esse comportamento vai além da mera sincronização e tem um elemento contagioso também”, disse Onishi.

Os autores atribuíram ao comportamento de urinar o mesmo padrão observado com o “bocejo contagioso”, que ocorre quando um indivíduo começa a bocejar levando os outros ao mesmo comportamento. “O que observamos é que quando um chimpanzé urina, outros próximos têm mais probabilidade de urinar em um curto espaço de tempo, não que eles se reunissem com a intenção de urinar juntos. Por isso a comparação com o bocejo”, explica.

Outro dado observado é que nos chimpanzés, o ato de urinar não estava ligado a grupos afetivos ou familiares, como ocorre frequentemente com o comportamento de “grooming” (acariciar-se mutuamente). “Isso sugere que o comportamento pode ser mais influenciado pela posição hierárquica do que por vínculos afetivos entre os indivíduos”, escrevem os autores.

O estudo possui algumas limitações, segundo os próprios pesquisadores, como o fato de ter sido conduzido em cativeiro —um local favorável para a observação de fenômenos e comportamentos em animais, mas que precisa de comprovação na natureza— e o baixo número de indivíduos, não sendo possível avaliar fatores como idade, sexo e grau de parentesco influenciam o comportamento.

De acordo com os cientistas, o estudo é, no entanto, um primeiro passo para explorar padrões sociais e fisiológicos em primatas não humanos, como em bonobos e gorilas. “Nos humanos, sabemos que a nossa decisão de urinar é influenciada por contextos sociais que nos levam a urinar simultaneamente com outros, e que essa micção simultânea promove um maior vínculo social. Nosso estudo com chimpanzés mostra claramente que eles compartilham algumas semelhanças nesse fenômeno, sugerindo uma origem evolutiva do ato de urinar contagioso”, explica Shinya Yamamoto, autor sênior do estudo e pesquisador na Universidade de Nagoya, em Aichi.

“Este estudo também revelou algumas diferenças entre chimpanzés e humanos: nos chimpanzés, o ato de urinar foi influenciado por relações de dominância entre iniciadores e seguidores. Precisamos investigar isso mais a fundo a partir de uma perspectiva comparativa mais ampla, com outros símios, que têm uma ampla variedade de estruturas e dinâmicas sociais que podem influenciar sua decisão de urinar e a natureza contagiosa em contextos sociais, o que deve ser um dos alvos de pesquisas futuras”, completa.