SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Sabe quando você está com um amigo próximo e ele te conta algo muito pessoal que muda sua perspectiva de mundo? Isso é o que quero trazer”, diz à reportagem a artista Ana Cláudia Almeida.

Quando o vento passa pela ampla galeria, suas gravuras em tecido cru esvoaçam. O material com transparência permite que vejamos o resquício de seu desenho -num meio-termo entre o figurativo e o abstrato.

Na parede ao lado, estão pendurados desenhos de sua amiga, a artista trans Tadáskía. Conhecida pelo seu estilo lúdico e criativo, ela traz, a esta mostra, obras inéditas com tons mais sombrios e traços errantes. “Meu interesse é pela transformação”, diz. “Nunca me vi tão aproximada de uma certa iluminação obscura”.

Em “The spider, her pray, and the ladybug in the desert a aranha, sua presa e a joaninha no deserto”, ela conta a história de uma das aparições que testemunhou. Uma joaninha pousa entre quatro aranhas que avançam para comê-la. O inseto então alça voo e deixa para trás suas antagonistas. “Ladybug tears lágrimas de joaninha”, mais caótico e irrequieto, traz outra camada à história.

Além da amizade, as duas artistas têm aspectos biográficos em comum. São ambas mulheres negras, oriundas de comunidades do Rio de Janeiro e estudaram arte na Escola Parque Lage. Produzem entre o Brasil e os Estados Unidos -Almeida finaliza seu mestrado na Universidade de Yale, e Tadáskía expôs no Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, no ano passado.

A ideia da mostra conjunta, com obras nas galerias de São Paulo Fortes D’Aloia e Gabriel e Quadra, em cartaz até esta sexta-feira (24), surgiu enquanto faziam uma residência artística no deserto de Nevada, nos Estados Unidos.

Mas a curadoria de Clarissa Diniz propõe aproximar as artistas menos por suas semelhanças que por seus desencontros. Na arte de Tadáskía, é tão importante esconder quando mostrar. Prova disso é sua série de fotografias “To show to hide”, feita na pandemia com membros de sua família. Em algumas fotos, seus rostos estão cobertos com tecidos e, em outras, são ligados por um fio dourado.

Já Almeida relata que sua arte tornou-se mais pessoal ao se mudar para os Estados Unidos. Isso a afastou de seus referenciais e mudou sua relação com o espaço, a cidade e a natureza.

Esse desejo culmina na obra “Diário”, um compilado de folhas soltas que cobrem uma parede do chão ao teto. Elas possuem desenhos ora abstratos, ora figurativos. São janelas ao dia a dia da artista, suas experiências e seus momentos do cotidiano.

“Comecei a ser mais direta e me comunicar de forma mais específica. Trouxe tons mais terrosos, filtrei as cores para ser mais intimista. É quase uma vontade de falar um pouco mais baixo”, afirma. “E me permitir a falar de mim mesma, das coisas que me afetam, de como é ser mulher na nossa sociedade, da minha relação com a sexualidade, com a religião”.

Tadáskía também personaliza seu trabalho no jogo de esconder-mostrar. A artista conta que, até pouco tempo atrás, só fazia arte feliz, para não contaminar a prática com seus sentimentos. “Mas comecei a entender o sofrimento como uma passagem. Não preciso ter medo dele -ele interferiria [na arte] da mesma forma que o amor ou paixão”.

Ela recorre aos contrastes em seu primeiro livro de páginas soltas, “ave preta mística mystical black bird”, misturando imagem e poesia, amor e dor, liberdade e sofrimento. Tadáskía expôs o livro no MoMA, junto de esculturas e desenhos.

A artista diz se identificar com a joaninha da sua aparição pela capacidade inerente de transformação -assim como as borboletas, ela passa por uma metamorfose. Na escultura “ladybug house casa de joaninha II”, Tadáskía dá um lar a esse animal tão emblemático para ela.

Almeida também busca retratar o “além” do real. “Quando comecei, pensei muito sobre como criar uma divindade. Elas são uma coisa tão humana: criamos elas e moldamos deuses conforme nossa experiência”.

Mas a materialidade de suas obras contrasta com essa intenção sacra. As gravuras dos tecidos que fluem como espíritos pela galeria são feitas com monotipia -Almeida pinta em um plástico e então transfere a arte ao tecido.

O resíduo plástico, sujo de tinta, é então aproveitado em suas esculturas, montes amalgamados, criando um volume indefinido.

Já Tadáskía vê o uso ritualístico dos materiais de suas esculturas. A palha de taboa está amarrada, equilibradas acima de seixos e adornadas com frutas reais, e a obra assemelha-se à arte de nomes como Mestre Didi, que recria elementos do candomblé.

“É mais uma conexão espiritual do que religiosa -dos erros, da alma, da carga humana”, diz a artista, que costuma começar desenhos de olhos fechados para conseguir ver melhor as diferentes camadas da paisagem. “É um encontro com o desconhecido”.

ANA CLÁUDIA ALMEIDA E TADÁSKÍA

Quando Seg. a sáb., das 10 às 19h. Até sexta (24)

Onde Galeria Fortes D’Aloia e Gabriel – r. James Holland, 71, São Paulo

Preço Gratuito

ANA CLÁUDIA ALMEIRA E TADÁSKÍA

Quando Ter. a sex., das 10 às 19h; sáb., das 11 às 16h. Até sex. (24)

Onde Galeria Quadra – r. Barão de Tatuí, 521, São Paulo

Preço Gratuito