SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A resistência de Donald Trump às políticas climáticas de Joe Biden são bastante conhecidas, mas ninguém sabe ao certo se o novo presidente dos Estados Unidos terá, de fato, poder legal e político para caçar os incentivos fiscais da administração passada aos produtores de energia limpa. Por outro lado, é praticamente certo que o republicano impulsionará a produção de combustíveis fósseis no país.

Trump disse nesta segunda-feira (20), durante seu discurso de posse, que vai declarar emergência nacional na área de energia devido aos custos crescentes no setor, que pressionam a inflação no país. O republicano afirmou também que aumentará as perfurações de poços de petróleo.

Ele disse que os EUA “têm mais petróleo e gás do que qualquer nação no mundo, e nós vamos usar isso,” “Vamos reduzir os preços, reabastecer nossas reservas estratégicas até o topo e exportar energia americana para todo o mundo.”

No fim do dia, o republicano revogou uma ordem de Biden que estabelecia que carros elétricos deveriam representar metade das vendas de veículos novos nos Estados Unidos até 2030.

Quem monitora os avanços da transição energética no mundo se preocupa com potenciais alterações que Trump poderá fazer no IRA, a Lei de Redução da Inflação sancionada por Biden em 2022 e responsável por injetar US$ 400 bilhões em projetos de energia limpa nos EUA até o final da década.

A lei prevê vários incentivos para a produção de combustíveis alternativos a petróleo, gás e carvão. Na lista, por exemplo, estão incentivos fiscais para cada três quilos de hidrogênio verde produzido nos EUA e créditos de US$ 15 para cada MWh (megawatt-hora) de energia nuclear e de até US$ 7.500 para a compra de veículos elétricos.

Os aportes têm sido fundamentais para atrair empresas da indústria verde aos Estados Unidos, hoje bem atrás da China nesse segmento. De acordo com o grupo americano E2, fundado por empresários de vários setores, até agosto do ano passado, ao menos 334 grandes projetos já haviam sido aprovados a partir de benefícios da lei, movimentando US$ 126 bilhões e gerando quase 110 mil empregos.

Esses números, aliás, são os fatores que fazem alguns analistas duvidarem de que Trump terá capital político suficiente para rever os incentivos da lei. Até porque, 60% dos projetos anunciados até então foram hospedados em estados comandados pelos republicanos -que também receberam 85% dos recursos investidos.

Nas prioridades elencadas por Trump para o novo governo, conforme documento publicado no site da Casa Branca nesta segunda, um dos itens diz que o presidente irá libertar a produção de energia ao encerrar as políticas de “extremismo climático” de Biden.

Assim, caso Trump opte por enviar ao Congresso americano proposições que impactem esses recursos, é provável que ele enfrente resistência dos próprios aliados na Câmara e no Senado -as duas casas são comandadas agora pelo Partido Republicano.

“Acho muito difícil que o Trump consiga zerar os efeitos do IRA, até porque os projetos estão em operação. Ele pode dar uma roupagem nova, mas os investimentos vão continuar acontecendo”, diz Patricia Ellen, especialista em descarbonização e cofundadora da AYA Earth Partners. Ela ressalta que desestímulos à legislação afetariam a cadeia global da indústria verde, gerando consequências para outros países.

“O que nos confunde nesse novo momento é que tudo pode ser dito e isso deixa os investidores muito perdidos. Se sai um anúncio dizendo que isso foi congelado, há um efeito imediato nocivo no setor porque, mesmo que a regra não tenha saído, todo mundo para de se movimentar”, acrescenta.

Em uma análise divulgada no fim do ano passado, a consultoria Wood Mackenzie, especializada em transição energética, apontou ser inevitável que os EUA retrocedam em suas ambições climáticas, mas apontou eventuais dificuldades que Trump terá caso opte por suspender o IRA.

Ainda assim, mesmo que o Congresso não acabe com os incentivos, Trump poderia modificar cronogramas de créditos fiscais, mecanismos de financiamento e bônus adicionais da lei -ou seja, a legislação não está totalmente imune às resistências do novo presidente.

A Wood Mackenzie estima que esses possíveis ajustes e o aumento de taxas de importação prometidas por Trump têm potencial de reduzir em um terço as implantações de energias renováveis no país nos próximos anos.

O maior impacto deve ser na indústria eólica, que Trump já criticou várias vezes; o presidente eleito comparou turbinas eólicas a lixos e disse, sem comprovação científica, que elas matam baleias. É provável que o novo governo desestimule os investimentos em energia eólica offshore, quando as turbinas eólicas são instaladas em alto mar. Segundo a Wood Mackenzie, no entanto, esses impactos não mudarão o cenário de longo prazo, já que quase 25 GW (gigawatts) de projetos em desenvolvimento já estão licenciados ou em estágios finais de licenciamento.

Já a energia solar deve continuar a todo vapor, à medida que é improvável que a demanda por painéis solares diminua –ao menos no curto prazo. “Com investimentos em manufatura concentrados em estados republicanos, acreditamos que os créditos para manufatura avançada permanecerão intactos e cerca de 7 GW de manufatura solar provavelmente avançarão”, diz David Brown, diretor do serviço de transição energética da Wood Mackenzie em uma análise divulgada no final do ano passado.

Na indústria automotiva, espera-se que o governo Trump revise as metas estipuladas por Biden no ano passado para os fabricantes de veículos reduzirem suas emissões. A legislação de Biden tem o objetivo de diminuir pela metade as emissões de dióxido de carbono de veículos leves em 2032, em comparação com 2026, empurrando as empresas em direção aos veículos elétricos. A lei começaria a valer a partir de 2027, mas é provável que Trump a suspenda.

Apoiador da indústria de combustíveis fósseis, o republicano deve incentivar a produção de petróleo, gás natural e carvão -justamente os três maiores emissores de poluentes, responsáveis pelo aquecimento global. Trump deve, por exemplo, suspender a legislação de Biden que estipulava metas de emissões para as usinas termelétricas.

Ele também prometeu encerrar a pausa da administração de Biden na concessão de novas licenças para exportar GNL para países sem um acordo de livre comércio com os EUA. Trump ainda deve facilitar os requerimentos de exploração de petróleo e dar mais segurança aos investidores dessa indústria.

“No discurso, a gente vai ver um crescimento muito grande de retomada da energia fóssil, inclusive porque manter uso de combustível fóssil cria uma saída fácil para as empresas de inteligência artificial, que estavam num desafio muito grande de lidar com a necessidade desproporcional e crescente que eles têm hoje de energia e água”, diz Ellen.

Já no cenário global, a entrada de Trump na Casa Branca deve diminuir os recursos transferidos do governo americano para bancos multilaterais dedicados à pauta ambiental. Quando Trump estava no poder, os Estados Unidos gastavam cerca de US$ 600 milhões em alocações financeiras internacionais para projetos climáticos, bem menos do que os US$ 11 bilhões anuais do governo Biden. O republicano, inclusive, já prometeu sair do Acordo de Paris, que obriga os países a reportar suas emissões anualmente.

Isso sem falar na influência da pauta do republicano no direcionamento dos investimentos privados. Nas últimas semanas, por exemplo, os maiores bancos americanos anunciaram a saída de alianças globais ambientais –o que não necessariamente afeta as alocações em projetos climáticos, mas dificulta a criação de padrões internacionais de financiamento.

Ainda assim, apesar de toda a retórica de Trump, é difícil cravar qual será o novo contexto da transição energética sob o governo do republicano. Principalmente porque os democratas, com Biden, conseguiram fazer da pauta algo benéfico para a economia americana.

“O Acordo de Paris é uma crença na questão climática, mas a transição energética é algo posto. E se o Trump excluir essa temática, ele corre o risco de tirar ainda mais a competitividade americana na transição energética. E quem está indo muito bem nisso é a China; não existe painel solar tão barato quanto o da China, não existe bateria tão barata quanto a da China e não existe carro elétrico tão barato quanto o da China”, diz Luciana Antonini Ribeiro, fundadora da eB Capital. “O Trump é louco, pero no mucho”, brinca ela.

QUAIS INCENTIVOS E RESTRIÇÕES ESTÃO NA MIRA DE TRUMP

**Eletricidade limpa**

Trump deve desestimular a energia eólica offshore ao restringir recursos e limitar novos arrendamentos. Além disso, ele pode rever créditos fiscais e mecanismos do IRA que incentivam fontes limpas.

**Veículo elétrico**

É provável que o republicano revise as metas de redução de emissões dos veículos criadas por Biden.

**Petróleo e gás**

Trump vai suspender os limites de emissões impostos por Biden para termelétricas e voltará a permitir a exportação de GNL para países sem acordo de livre comércio com os EUA. Também deverá simplificar a concessão de poços de petróleo em terras federais.

**Bancos multilaterais**

Se seguir o último mandato, é provável que Trump diminua os recursos destinados para bancos multilaterais compromissados com a pauta climática.

**Acordo de Paris**

Trump deverá retirar, mais uma vez, os EUA do Acordo de Paris.