CURITIBA, PR E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na edição 2024 do Enem, a principal prova para ingressar no ensino superior no Brasil, apenas 12 estudantes conseguiram a nota máxima na redação, o menor número da história.

O baixo número de alunos nessa lista pode ser explicado por dois fatores, segundo professores: o maior rigor na avaliação dos textos por parte dos avaliadores do Inep, o instituto nacional responsável pela aplicação da prova, e o menor repertório dos estudantes, muito influenciados pelas redes sociais.

E a explicação para a nota máxima? Dedicação, disciplina, perseverança e treino, muito treino, são alguns pontos citados por 7 desses 12 candidatos ouvidos pela Folha —ou melhor, ouvidas.

Foram entrevistadas Samille Leão Malta, 19, de Viçosa (MG), a única que fez o ensino médio em escola pública; Sabrina Ayumi Alves Shimizu, 18, de Araçatuba (SP); Amanda Chagas, 21, do Rio de Janeiro; Clara da Barra de Oliveira, 19, de Niterói (RJ); Melissa Goelzer de Camargo, 19, do Distrito Federal; Marina Vieira Almeida Lima, 17, de Piranhas (AL); e Camila Ellen Gonzaga Aguiar, 19, de Belo Jardim (PE).

Confira abaixo o que fez as sete chegarem à redação perfeita.

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GOSTO PELO ESTUDO

Todas as entrevistadas afirmaram ter ficado muito surpresas com a nota máxima na redação de 2024 do Enem, motivo de festa de familiares, amigos e das escolas. No entanto, um ponto é comum em todas elas: a vontade de estudar e aprender.

Elas fizeram a redação do Enem por um ou dois anos e tiraram notas muito acima da média nacional, de 660 pontos. As avaliações das sete nas provas anteriores variaram entre 880 e 960, demonstrando o domínio da escrita.

A pernambucana Camila, por exemplo, tirou 920 em 2022 e 960 em 2023. A paulista Sabrina, por sua vez, tirou 920 e 940, esta última a mesma nota da carioca Clara no ano passado.

“Consegui bons resultados em 2022 e 2023 como treineira, mas sempre mentalizei que eu queria o mil. De algum jeito, na minha cabeça, eu ia conseguir”, conta a alagoana Marina.

FOCO NO OBJETIVO PRINCIPAL DA CARREIRA

Outro padrão entre as estudantes é o foco para conquistar seus objetivos. Das sete alunas ouvidas, seis tentam entrar no curso mais concorrido: medicina. Apenas a paulista Sabrina pretende cursar engenharia de produção na USP. Por isso, elas não mediram tempo e esforço na preparação.

“Acho que a minha nota de redação vai me impulsionar muito para o meu sonho, que é medicina. E eu tenho esperança de conseguir entrar desta vez. Eu não sei se vai ser no curso que eu prefiro, que é a UnB, mas eu espero que sim. E se não der, vou tentar para outras faculdades de medicina também”, diz Melissa.

DISCIPLINA E ROTINA DE ESTUDOS

Outro ponto em comum entre elas é a disciplina no dia dia.

Moradora de Belo Jardim (PE), Camila conta que começou a dar mais atenção ao Enem ainda em 2021, quando estava no segundo ano do ensino médio e já incluiu um cursinho na rotina. “Eu conciliava o cursinho com a escola. Aí depois que eu me formei no ensino médio, em 2022, eu continuei só com o cursinho por mais dois anos [2023 e 2024], na modalidade EAD [ensino a distância]”, conta ela. “Eu estudava de manhã, tarde, noite, o tempo que eu tivesse eu estava estudando”, disse Camila.

Marina conta que sempre gostou de estudar. No ano passado, além das aulas regulares do terceiro ano pela manhã, fez cursinho à tarde. “E, à noite, quando eu chegava em casa, eu ainda tirava um tempinho para revisar, fazer questões, analisar redações nota mil dos anos anteriores”, conta.

SIMULADOS E CORREÇÃO DOS ERROS

A rotina de estudos das alunas contou, ao menos no último ano, com a produção de duas redações por semana, seguindo os modelos indicados pelos professores. Assim, além de treinar a escrita e a gramática, elas também tiveram a oportunidade de falar sobre diversos assuntos, com a esperança de que um deles fosse o escolhido pelo Enem.

Nos treinos, elas também tentaram identificar o próprio estilo de escrita e reconhecer suas falhas, para não errar nas redações seguintes.

“Fiz pelo menos umas 30 a 40 redações no ano, o que me deu mais confiança no dia da prova. A nota foi um choque, mas fiquei muito feliz e não estou acreditando até agora”, diz a niteroiense Clara.

“Eu fui criando minha estratégia. A gente costuma receber um modelo de texto do cursinho, mas eu adaptei para o que ficava melhor para mim. O modelo é importante para não chegar na hora da prova e não se desesperar. Então, ele ajuda como um guia, um caminho. Mas, quando é mal usado, você acaba dentro de uma caixinha. Só tive esta confiança porque eu pratiquei bastante”, afirma Marina.

Samille também conta que se esquivou dos formatos de redação “prontos”. “A cada tema eu procurava realmente entrar naquele problema, encontrar uma solução. Tentar ter uma visão crítica para apontar alguma coisa realmente importante dentro do tema”, recorda.

“O ponto que eu tive mais dificuldade provavelmente foi fazer a redação de forma mais fluída. Eu ficava enrolando muito. Por isso, minha maior dificuldade foi ter o costume de parar, sentar e começar a escrever”, revela Sabrina.

ANÁLISE DE REDAÇÕES NOTAS MIL ANTERIORES

Além de fazer as redações com os temas propostos pelos professores dos colégios e cursinhos, as estudantes também estudaram outras redações nota mil para entender o padrão pedido pelo Inep.

“Ao longo dos três anos de estudos, eu vi muita redação nota mil do Enem e também notas máximas de outros vestibulares. Até fiz uma apostila com elas”, conta Sabrina.

“O que fiz de diferente foi estudar por redações nota mil ou de amigos que tiraram perto disso. Eu marcava e estudava os pontos em comum. Também estudei pela cartilha do candidato do Inep, que me ajudou bastante”, conta Amanda.

TER REPERTÓRIO

Um dos pontos mais importantes para agradar aos avaliadores é ter conhecimento do assunto tratado e discorrer sobre ele, citando trechos de livros ou de outras obras. Por isso, é preciso ler muito e conhecer tanto autores clássicos quanto contemporâneos, além do noticiário.

Foi o que fizeram as estudantes. Algumas até disseram ter comemorado o tema de 2024 do Enem: “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”.

“Na hora me lembrei do livro ‘Nós Matamos o Cão Tinhoso!’, de Luís Bernardo Honwana, que era pedido da Fuvest. Também anotei trechos dos filósofos Ailton Krenak e Marilena Chauí. Eu tenho mais facilidade com eles, que são filósofos contemporâneos, do que com os clássicos”, explica Sabrina.

“Eu citei na redação a palestra da filósofa nigeriana Chimamanda Adichie, que se chama “O Perigo de uma História Única”, que foi uma obra do Programa de Avaliação Seriada da UnB, e ficou na minha mente. E aí eu consegui usar, foi o encaixe perfeito para a minha redação”, lembra Melissa.

“Como repertório, usei o ‘Torto Arado’, do Itamar Vieira Junior, porque aborda essa temática da ancestralidade africana. Usei na introdução e citei o passado histórico do Brasil, que não tem como ignorar. E fui seguindo esse caminho”, diz Amanda.

RECEBER DICAS DE PROFESSORES ESPECIALISTAS

Como o objetivo final das estudantes era entrar em cursos muito concorridos, elas recorreram a cursos preparatórios para terem o apoio de professores especialistas, que os ajudassem tanto na questão gramatical quanto na estruturação dos textos.

A mineira Samille conseguiu uma bolsa em um cursinho semanal de redação, que conciliou com o terceiro ano do ensino médio no Colégio de Aplicação Coluni, da Universidade Federal de Viçosa.

Outras que fizeram cursos específicos de redação foram Clara e Camila, em paralelo com o cursinho geral. Amanda e Melissa fizeram apenas os cursinhos tradicionais. E a alagoana Marina, por sua vez, estudava de manhã e fazia cursinho à tarde.

A paulista Sabrina foi a única que não fez cursinho preparatório, mas aproveitou a plataforma de estudos da Escola Thathi para enviar redações semanais e recebê-las corrigidas.

“Eu ficava à tarde na escola quase todo dia, então, quando a professora passava o tema da redação eu já fazia, ou deixava para o fim de semana. Depois eu mandava pela plataforma online e recebia o feedback para saber onde eu precisava melhorar”, conta Sabrina.