SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Segundo o vocalista Russo Passapusso, o BaianaSystem é “uma banda de caminhão”. Isso porque o grupo forjou sua fama no trio elétrico, o Navio Pirata, já uma entidade do Carnaval baiano, e nos shows enérgicos e suados.
Mas, em “O Mundo dá Voltas”, seu quinto e novo disco, lançado às 21h desta quinta-feira (16), eles se permitiram desacelerar. “É um disco de canções, com músicas às vezes mais lentas. Geralmente o show do BaianaSystem é como? E aí, vai ouvir o novo disco e ele está como?”, diz Passapusso.
Isso não significa que a euforia não esteja lá. “Balacobaco”, música que tem participação de Anitta, é feita sob medida para embalar as rodas de bate-cabeça comuns nas apresentações do grupo. “Magnata”, um ragga levado pelo flow meio Bahia meio Jamaica de Passapusso, se conecta diretamente com a tradição do sound system defendida pela banda desde seu início, há 15 anos.
O clima no resto do álbum, contudo, é mais tranquilo. Trata-se de um retorno ao caminho que o BaianaSystem vinha trilhando em “O Futuro Não Demora”, seu terceiro disco, de 2019.
A banda estreou em 2010, com o álbum homônimo que serviu como rascunho da estética desenvolvida nas obras seguintes -um resgate da guitarra baiana no contexto da cultura dos sound systems jamaicanos.
“Duas Cidades”, disco de 2016 de pegada urbana, ambientado em Salvador e politicamente afiado na denúncia de desigualdades, marcou a ascensão do BaianaSystem ao sucesso nacional. “O Futuro Não Demora” veio mais otimista e esperançoso, embebido em ideais de coletividade e com uma pesquisa mais dedicada à música brasileira.
Aquele álbum teve sua história interditada, diz Roberto Barreto, dono da guitarra baiana no grupo. “O disco ganhou Grammy Latino, fizemos nem três meses de shows, veio o Carnaval de 2020 e parou. Ficou aquela sensação de algo grandioso, que conectava várias coisas, e foi interrompido.”
Em 2021, o BaianaSystem desviou daquela rota com “OxeAxeExu”, disco mais sintético e experimental, em que o grupo buscou influências no singeli, ritmo acelerado da Tanzânia, e no grime, estilo de rap criado no Reino Unido. Para Barreto, foi um álbum “desfragmentado”, “que não se sustentava enquanto tema” e que “talvez a gente só entenda lá na frente”.
“O Mundo dá Voltas” retoma a trilha de “O Futuro Não Demora”, agora a partir de um conceito. Passapusso diz que passou três anos contando a mesma história exaustivamente a todas as cerca de 150 pessoas envolvidas no projeto para que cada sonoridade do disco reforçasse a narrativa pré-estabelecida.
“Exemplo, você vai tocar tambor na música que é uma subida para a laje. Eu vou encher teu saco, ligar para você e dizer que o tambor representa isso e aquilo, e depois aquele cara vai descer para a praia, que é o lugar onde chegaram os escravizados. Era assim, ‘caramba, era só para tocar um tambor, mas agora vou ter que contar uma história com isso?”, diz o vocalista.
O enredo acompanha as músicas. “Batukerê”, diz Passapusso, é um sonho. Em “A Laje”, o protagonista “acorda, sobe na cobertura e vê aquele céu azul”. Ele desce até a orla em “Praia do Futuro”. Volta à comunidade na hora do rush em “Porta-retrato da Família Brasileira”. Olha para trás e vê o dinheiro “das bets, do tráfico e da diferença social expressa na geografia” em “Magnata”. “Palheiro” é a cidade, “Agulha” são as pessoas e por aí vai.
Esteticamente, o disco traça conexões das músicas brasileira, latina, caribenha e africana. Desta vez, influenciada pelo saxofonista americano Pharoah Sanders e pelo disco “Trouble Man”, de Marvin Gaye, entre outros, a banda decidiu gravar os sopros antes de todo o resto, e adaptar as músicas a partir daí.
Além de Anitta, há versos de Emicida, Vandal e até da atriz Alice Carvalho no disco, bem como refrões cantados por Melly, Pitty, Gilberto Gil, Dino d’Santiago e Seu Jorge, entre outros.
O repertório embaralha a cronologia das composições. “Praia do Futuro” foi escrita por Antônio Carlos e Jocafi há mais de 40 anos, enquanto “Pote D’Água” foi feita pelo músico baiano Lourimbau há quase três décadas e “Palheiro” veio do álbum “Estado de Espírito”, colaboração de Roberto Barreto com o guitarrista paraense Manoel Cordeiro, do ano passado. Outras faixas, como “Magnata” e “Balacobaco”, já vinham sendo entremeadas nas performances do grupo nos shows.
Tudo isso serve à ideia de “passado que o futuro não alcançou”, frase que norteia o grupo neste trabalho. “Esse disco tem uma compreensão do tempo diferente”, diz Passapusso. “A gente é empurrado a ficar entrando em novas ondas, a nova música da Bahia, a nova num sei o que. Esse imediatismo nos leva a fazer coisas que podem se tornar descartáveis.”
O vocalista vê essa mudança na relação com o tempo como uma militância. “A gente vai precisar fazer um encontro geracional e descaracterizar o que é velho e o que é novo dentro da música brasileira. Se não vamos entrar num processo, que hoje é naturalizado, de pessoas achando que estão inventando coisas novas quando na verdade estão vivendo uma continuidade.”
Passapusso cita “Alvorada”, de Cartola, como uma música “do futuro”. “Quem conseguiu fazer uma letra dessa hoje em dia? Que tecnologia é essa?”, diz. “Isso ainda é o futuro. Você pega essa letra e olha a favela hoje no Rio de Janeiro –pegando fogo, tudo acontecendo– e chora mais do que na época. Faz mais sentido hoje do que o que estão cantando agora.”
Essa ideia se relaciona também com a maneira como o BaianaSystem enxerga “O Mundo dá Voltas”, e como Passapusso vê seu ofício. Ele diz que compõe como os discos de vinil que ouve, como uma mensagem numa garrafa.
“Para mim, a história que um artista ou grupo conta na discografia é importante. A vida é curta, e a gente tem um tempo para mostrar nossa visão do mundo”, ele diz. “Quero contar histórias em vida para quando eu não estiver mais aqui. Faço música para quando eu tiver partido.”
O MUNDO DÁ VOLTAS
Quando Lançamento na quinta-feira (16/1), às 21h
Onde Disponível nas plataformas digitais
Autoria BaianaSystem
Produção Daniel Ganjaman
Gravadora Máquina de Louco