SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um inquérito da Corregedoria da Polícia Militar paulista aponta mais de dez agentes suspeitos de repassar informações privilegiadas à cúpula da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). Entre eles estariam homens com passagem pela Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), tropa de elite da PM que realiza diversas ações de combate ao crime organizado, e de outros batalhões.
Ao menos 14 policiais e ex-policiais são citados num ofício da Corregedoria que contém o resumo das suspeitas, mas nem todos são relacionados aos vazamentos de informações. O inquérito foi aberto formalmente em outubro do ano passado, após o órgão receber uma denúncia sobre o conluio de policiais com o PCC. Parte das informações da denúncia já havia sido confirmada pela própria investigação da Corregedoria.
“Criminosos faccionados estariam sendo beneficiados com informações relevantes, fornecidas por militares da ativa e da reserva, além de ex-policial”, diz a portaria de instauração do inquérito. “Foi possível coletar indícios de convivência de policiais militares com criminosos faccionados, assim como a constatação de patrimônio incompatível com a renda de alguns dos envolvidos.”
Os principais beneficiados pelos vazamentos de informações, segundo a Corregedoria, seriam chefes do PCC como Anselmo Becheli Santa Fausta (vulgo Cara Preta, morto em 2021), Claudio Marcos de Almeida (o Django, também morto), Marcos Roberto de Almeida (o Tuta, foragido, que já chegou a ser apontado como o número 1 da facção fora dos presídios), Silvio Luiz Ferreira (o Cebola, foragido) e Rafael Maeda Pires (o Japa, também morto).
Segundo a investigação, haveria dois núcleos na PM associados ao PCC. Um deles seria de integrantes da Rota, e outro por policiais de outras unidades da corporação.
No caso dos agentes da Rota, a investigação ressalta que eles integravam a agência de inteligência do batalhão e “tiveram acesso às informações sigilosas de operações policiais em andamento”.
No ofício da Corregedoria, que traz o resumo das investigações, há menção a dois PMs que integravam a escolta particular de Antônio Vinícius Gritzbach morto a tiros no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, em novembro do ano passado.
O documento não diz se eles estavam entre os PMs que passariam informações a criminosos. O que consta sobre esses dois policiais no documento é que eles integravam a escolta do empresário, que por sua vez era acusado de mandar matar um chefe do PCC.
Gritzbach era réu pelo crime, que ainda não havia sido julgado, e negava envolvimento. O assassinato no aeroporto ocorreu oito dias após a Corregedoria enviar o ofício com detalhes da apuração ao Ministério Público de São Paulo.
Um dos chefes da Corregedoria decidiu que toda a escolta do empresário deveria ser investigada no mesmo inquérito, uma vez que havia “indícios de envolvimento da vítima do homicídio [Gritzbach] com o ‘PCC’ e sua escolta composta por militares já havia sido anteriormente delatada”.
Integrantes da escolta foram presos nesta quinta-feira (16) por suspeita de envolvimento com o crime. O cabo Denis Antonio Martins, identificado como um dos dois homens que atiraram no empresário com fuzis no aeroporto, não aparece nos documentos aos quais a reportagem teve acesso.
Os indícios mais graves são contra um policial que já foi expulso da corporação pelas acusações, o sargento Farani Salvador Freitas Rocha Junior. Ele “manteve contato regular e sistemático com membros do PCC, chegando a prestar serviços de segurança e levantamento de informações”, diz a Corregedoria.
A investigação diz que Farani repassava detalhes do patrulhamento e de operações policiais, como horários de saídas das equipes, trajeto de viaturas, e até detalhes sobre inquéritos em andamento. Isso “permitia aos criminosos planejarem suas atividades de forma a evitar serem pegos pelas forças de segurança”, segundo o órgão da PM.
Evidências desses vazamentos foram encontradas no celular do policial. As mensagens também mostrariam a participação do policial em ações como roubo a banco e recebimento de vantagem indevida. A reportagem procurou a defesa de Farani por email, telefonema e mensagens na tarde desta quinta, mas não recebeu resposta.
O documento não diz quais batalhões ele teria integrado. Afirma, no entanto, que ele mantinha “relacionamento muito próximo” e frequentava o apartamento de outro investigado, um cabo da PM que chegou a integrar o setor de inteligência da Rota.
O cabo chegou a ser descredenciado do sistema de inteligência da PM por suspeita de ter se envolvido nos vazamentos, e foi proibido de circular na base da Rota. Foi transferido para a seção de disciplina e, depois, para o 5º Batalhão da PM na capital.
Segundo a investigação, em 2018 ele se tornou proprietário de um bar o Rota’s Bar, que depois passou a se chamar Adega Rota’s com o dinheiro proveniente das informações repassadas ao PCC.
O dono do bar era protegido de um capitão da PM que chegou a comandar um pelotão da Rota e foi chefe da inteligência da tropa, que também passou a ser investigado. No fim do ano passado, o capitão estava na Assessoria Policial Militar da prefeitura da capital. Ele indicou vários policiais para assumirem cargos no setor de inteligência da Rota.
A denúncia recebida pela Corregedoria também afirma que um sargento e um cabo, que trabalharam na sala de rádio da Rota, passavam informações para Tuta e Cebola sobre as operações do batalhão.
Dois sargentos com passagem pela Rota também teriam trabalhado, de forma irregular, na empresa de ônibus Transwolff investigada na operação Fim da Linha por suspeita de envolvimento com o PCC. Reportagem da Folha de S.Paulo mostrou, em junho do ano passado, que oficiais da Rota faziam a segurança pessoal de dirigentes da empresa.
Questionado, o corregedor da PM, coronel Fábio Sérgio do Amaral, afirmou durante entrevista coletiva que nenhum policial da Rota foi preso nesta quinta (16). Os presos na operação são apenas os integrantes da escolta pessoal de Gritzbach e o cabo Martins
A Secretaria da Segurança Pública não informou se os citados no inquérito foram presos ou afastados e afirmou, em nota, que “as investigações sobre o caso estão sob sigilo e detalhes serão preservados para não atrapalhar as apurações, que prosseguem em andamento”.