RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A ex-presidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) Wasmália Bivar lamenta a crise que ganhou força no órgão no início deste ano, após o pedido de saída de dois diretores.
Para a economista, os servidores estão descontentes principalmente com a criação de uma fundação pública de direito privado, a IBGE+, bandeira da gestão do presidente Marcio Pochmann.
O estatuto da IBGE+ abre margem para a produção de trabalhos voltados a organizações públicas ou privadas, o que é questionado pela entidade sindical que representa os funcionários, a Assibge. Críticos apelidaram a nova fundação de “IBGE paralelo”.
“O IBGE é feito para divulgar dados. Toda vez que ele é motivo de atenção jornalística que não seja em função dos dados, não é bom para a instituição, de modo geral”, afirma Wasmália, que comandou o órgão de 2011 a 2016.
“O conflito interno da gestão com os técnicos não é nada saudável, se perde muito tempo. Acaba gerando especulações indevidas, inclusive de manipulação de dados, que não tem nenhuma gota de verdade”, acrescenta.
Na quarta (15), a presidência do instituto publicou um comunicado no qual sobe o tom para rebater as críticas de servidores à gestão de Pochmann. O texto refuta as acusações de falta de diálogo em decisões.
Ainda menciona que o IBGE está avançando e promete a adoção de medidas judiciais contra o que chama de “mentiras” sobre a suposta manipulação de dados.
Essa teoria, descartada por especialistas, ganhou tração nas redes sociais em meio à crise no instituto. Perfis contrários ao governo Lula (PT) tentam desqualificar as estatísticas produzidas pelos técnicos.
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PERGUNTA – Qual é a sua avaliação da sobre a crise no IBGE?
WASMÁLIA BIVAR – A situação é muito complicada. Afinal de contas, estão saindo diretores escolhidos pelo próprio Marcio Pochmann. Ou seja, as pessoas estão insatisfeitas com as decisões, com as orientações. Em relação a tudo o que tem acontecido no IBGE, um ponto de discórdia é a fundação IBGE+.
A mídia fica falando muito em manipulação de dados, e isso não tem a ver com manipulação de dados. Tem a ver com a autonomia técnica do IBGE no sentido de os técnicos participarem dos processos, das decisões técnicas.
Isso é importante ressaltar, ou se começa a falar em manipulação de dados, e não existe manipulação de dados sem ter técnico envolvido. A gestão técnica está se rebelando porque não acredita que o modelo de gestão do IBGE possa se basear numa captura de recursos que não seja a do Estado brasileiro.
O IBGE é uma instituição de Estado, porque os dados servem para todo mundo. Ele tem um caráter de bem público. Todo mundo considera o IPCA a medida de inflação. Todo mundo considera o PIB a medida da atividade econômica e da geração de renda [os dois indicadores são calculados pelo instituto]. É esse o valor. O dado se torna referência para toda a sociedade.
Eu concordo com ele [Pochmann] no sentido de que as atuais restrições orçamentárias são muito graves para o IBGE, porque o impedem de fazer coisas importantes com segurança. Mas essa saída [fundação] não é uma saída.
P – A saída passa por buscar mais recursos públicos junto ao governo? No Congresso?
WB – Não sei se no Congresso, mas o IBGE é ligado a um ministério [do Planejamento e Orçamento]. O próprio presidente Pochmann tem ligações com o presidente Lula. É explicar a importância do IBGE, daquele orçamento que está sendo pedido, qual é a utilização que vai ser feita e qual é a importância disso para o governo e a sociedade.
Na hora em que se explica isso, fica mais fácil obter os recursos. O IBGE sempre contou com poucos recursos e sempre fez bom uso deles. Não tem desperdício. Agora, o IBGE+ é fonte de discórdia forte dentro da instituição.
P – Na sua visão, esse é o principal ponto por trás da crise?
WB – Não tenho dúvida. A partir daí, acho que ficou muito fechada a conversa. Tem outras questões que são menores, mas que existem, como a história de mudar servidores para o Horto [bairro da zona sul do Rio]. É uma mudança que vai afetar a vida de muita gente. Muita gente depende de condução pública, é longe.
Agora, fico muito preocupada na forma como essas conversas na imprensa acabam resvalando na coisa de manipulação de dados, que não é o que está acontecendo.
P – Por que não há o risco de manipulação?
WB – Para manipular dados, é preciso que haja um complô. A imprensa conhece os técnicos do IBGE. Precisaria que os técnicos estivessem de algum modo envolvidos. Eles, obviamente, não estão. O presidente recebe o dado no final do dia. Não existe mais possibilidade de mudança.
O número está fechado, e as equipes estão indo embora para casa, já tem muitas pessoas conhecendo o número. A equipe que fechou o dado conhece o dado. O presidente sozinho não muda nenhum número. É incapaz de mudar sozinho qualquer número.
P – Como fica a imagem do instituto em meio a uma turbulência como a atual?
WB – O IBGE é feito para divulgar dados. Toda vez que ele é motivo de atenção jornalística que não seja em função dos dados, não é bom para a instituição, de modo geral.
O conflito interno da gestão com os técnicos não é nada saudável, se perde muito tempo. Acaba gerando especulações indevidas, inclusive de manipulação de dados, que não tem nenhuma gota de verdade.
Acho que faltou diálogo. Se fosse retomado o diálogo, acho que poderíamos superar essa crise.
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RAIO-X | Wasmália Bivar, 65
É graduada em economia e tem mestrado e doutorado na mesma área. Foi a primeira mulher nomeada presidente do IBGE, cargo que ocupou de setembro de 2011 a julho de 2016. Antes, desempenhou outras funções no instituto, como a de diretora de pesquisas. É professora da PUC-Rio.