SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), prometeu reforçar a fiscalização de trânsito para coibir o serviço de caronas em motocicletas, anunciado pela empresa 99 e proibido há dois anos na capital. As inspeções, porém, não seriam feitas pelos fiscais da prefeitura -Nunes afirmou que haverá uma parceria com a Polícia Militar- e há dúvidas se há respaldo para qualquer tipo de punição aos motociclistas.
Isso porque, apesar de o serviço ser proibido por decreto, levar um passageiro na garupa da moto não é infração de trânsito. Portanto, nenhuma multa poderia ser aplicada ao motociclista.
Especialistas ouvidos pela reportagem acreditam que falta base jurídica até mesmo para o recolhimento do veículo caso uma corrida dos serviços 99Moto ou Uber Moto seja flagrada numa blitz. As sanções pelo desrespeito à proibição municipal, eles dizem, devem ficar restritas à empresa.
“Não vejo como o motociclista possa ser punido”, diz o coordenador da comissão de trânsito da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo), Marcelo Marcos da Costa.
A 99 anunciou na terça-feira (14) que passaria a oferecer caronas em motocicletas, contrariando o decreto municipal e provocando reação imediata do prefeito. Nesta quarta (15), após a empresa pedir à Justiça o direito de oferecer o serviço, a 8ª Vara da Fazenda Pública decidiu que a proibição continua em vigor na cidade e que não há urgência para analisar o tema.
O decreto publicado em 2023 pela gestão Nunes proibindo o serviço não diz qual é a punição para quem desrespeitar a regra.
Em 2018, uma lei municipal chegou a proibir o mototáxi na cidade, sob pena de multa de R$ 1.000 para quem for flagrado e confisco da moto em caso de reincidência. O Tribunal de Justiça de São Paulo, porém, cancelou os efeitos da lei após julgar que ela era inconstitucional.
Na ocasião, a instância máxima do Judiciário estadual considerou que a lei invadia a competência do governo federal ao proibir o mototáxi. Porém, 99 e Uber alegam que o serviço que oferecem não é o mesmo que mototáxi -a diferença é a mesma dos táxis comuns e os carros de aplicativo, elas afirmam.
Costa compara a situação do 99Moto às vans de transporte clandestino, irregularidade mais comum na cidade até a década de 2000 que foi combatida pela prefeitura. A base jurídica para a fiscalização não era o Código de Trânsito Brasileiro, ele diz, e sim legislações municipais que proibiam transporte de passageiros por quem não era autorizado.
Nesse caso, havia apreensões de vans e outras sanções municipais para quem desrespeitasse a legislação. O advogado diz que era mais fácil comprovar o serviço irregular naquele caso: geralmente havia placas com origem e destino na porta dos veículos e dinheiro em espécie, mostrando que as lotações reproduziam linhas regulares de ônibus e que o transporte era remunerado.
“Agora, com a carona por aplicativo em motocicletas, as pessoas não são obrigadas a fornecer o celular à fiscalização”, diz Costa.
Na noite desta quarta, a prefeitura afirmou ter apreendido três motos que transportavam passageiros pela 99.
Para o coordenador da OAB, há um vácuo jurídico na legislação sobre mototáxis e motofretes no país. Ele diz que empresas se aproveitam da falta de regulamentação em vários municípios para oferecer os serviços, sob argumento de que ele está previsto na legislação federal.
As decisões do Judiciário variam muito. Em Franco da Rocha e São Bernardo do Campo, na região metropolitana de Sâo Paulo, por exemplo, proibições foram revertidas por decisões judiciais. “A legislação não é clara sobre as regras do mototáxi, e acho que isso terá de ser resolvido pelo Judiciário”, ele afirma. “Vai ser uma briga feia na seara judicial.”
Segundo o advogado Maurício Januzzi, especialista em direito do trânsito, a principal providência que a prefeitura poderia tomar para fazer valer a proibição é uma ação judicial para suspensão imediata do serviço, sob pena de multa . “É uma questão administrativa”, ele diz.
Para ele, a prefeitura não tem competência para fiscalizar o serviço de mototáxi, uma vez que ele não foi regulamentado na cidade. “Ela não pode fiscalizar, porque não regulamentou”, resume Januzzi. “Como não há regulamentação, a atividade não é permitida.”
Na tarde desta terça, a reportagem perguntou à SSP (Secretaria de Segurança Pública) se o governo estadual foi procurado para reforçar a fiscalização das caronas em motocicletas. A pasta não respondeu até a publicação deste texto. A Prefeitura de São Paulo também não respondeu aos questionamentos sobre a competência para a fiscalização e penalidades pelo descumprimento do decreto.
Por enquanto, uma eventual punição à empresa por descumprir o decreto não foi analisada. Ao determinar que a proibição segue em vigor na capital, o juiz Josué Vilela Pimentel afirmou que o Ministério Público e a prefeitura devem ter a oportunidade de serem ouvidos antes de uma decisão.
Ele citou relatório do grupo de trabalho criado pela prefeitura para avaliar o serviço de carona em motocicletas. Redigido por técnicos da administração municipal e publicado em julho de 2024, o documento conclui que a modalidade não é segura, e que a exploração comercial das caronas em motos “é um grande risco de saúde pública”.
A análise leva em conta, por exemplo, que os motociclistas fariam um grande número de viagens ao longo do dia, e que o risco de acidentes aumentaria. O relatório também considera um risco o fato de passageiros utilizarem o condutor como seu apoio na motocicleta, o que altera o ponto de equilíbrio do motociclista a cada viagem, aumentando a probabilidade de acidentes.
A 99 informou que irá recorrer à segunda instância do Tribunal de Justiça de São Paulo.
A cidade de São Paulo teve 935 mortes de janeiro a novembro deste ano -em média, mais de duas mortes por dia-, um crescimento de quase 13%.
Os motociclistas e passageiros em motos são aqueles que mais morrreram nesse período. Segundo o Infosiga, a quantidade de motociclistas mortos cresceu de 318 para 384 no período entre janeiro e novembro, na comparação do ano passado com 2023. Ao mesmo tempo 72 pessoas morreram em acidentes quando estavam dentro de carros.
Enquanto os motociclistas correspondem a 37% dos óbitos no trânsito da cidade, os ocupantes de automóveis são 10%.