SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Wegovy, medicamento com o mesmo princípio ativo da Ozempic e já usado para obesidade, mostrou eficácia em pacientes com inflamação e fibrose no fígado, quadro que pode levar à cirrose, de acordo com resultados preliminares de estudo da fabricante dinamarquesa Novo Nordisk.

O estudo de fase 3 divulgado em dezembro pela farmacêutica envolveu mais de 1.200 pacientes com a doença e fibrose hepática moderada a avançada em 39 países, incluindo o Brasil. O total de participantes foi dividido em dois grupos: metade recebeu o medicamento com a substância semaglutida, enquanto o restante recebeu placebo.

Uma subanálise do estudo acompanhou 800 pacientes durante 72 semanas. No grupo placebo de pacientes com fibrose hepática, 22,5% tiveram melhora no quadro sem piora na inflamação. Já com o uso da semaglutida, o percentual sobe para 37%. Dos participantes que tinham somente inflamação no fígado, 34,1% do grupo placebo tiveram melhora, comparado com 62,9% no grupo tratado com o Wegovy.

A melhora ocorrida no grupo placebo -ainda que menos significativa que nos pacientes que receberam o medicamento– acontece porque a inflamação e fibrose hepática é tratada, também, pela mudança no estilo de vida.

A gordura no fígado não alcoólica, esteatose hepática metabólica, está associada a fatores como obesidade, diabetes, sedentarismo e herança genética. Se progredir, pode gerar complicações como a cirrose, quando o fígado deixa de desempenhar suas funções normalmente e pode precisar de transplante, explica a hematologista e uma das autoras do estudo, Cláudia Oliveira.

“O sistema imune, ao reconhecer o excesso de gordura no fígado, envia células inflamatórias para o órgão, causando um processo inflamatório. Esse processo causa a fibrose hepática, que dificulta a função do órgão. Com o tempo, a fibrose pode evoluir para cirrose”, explica Oliveira, que também é vice-coordenadora da pós-graduação em Ciências em Gastroenterológica da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).

A cirrose não chega a ser irreversível, mas o paciente depende de medicamentos para manter o que os médicos chamam de compensação da cirrose. A condição pode levar ao câncer de fígado e doenças cardiovasculares.

No estudo da Novo Nordisk, a farmacêutica aponta que o Wegovy também proporcionou um maior controle da pressão arterial e do diabetes tipo 2, além de significativa perda de peso, o que auxilia no tratamento das condições relacionadas ao diabetes e à obesidade.

Os efeitos adversos mais comuns do uso do medicamento foram gastrointestinais, como náusea e diarreia, e o perfil de segurança foi consistente, sem novos riscos identificados além dos sintomas que já podem acometer pacientes que usam o Wegovy para tratamento da obesidade.

Segundo a empresa, os resultados serão submetidos neste ano à agências regulatórias para aprovação do Wegovy como tratamento de pacientes com gordura e fibrose hepática. No Brasil, o pedido será analisado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Hoje não existe um tratamento específico para os casos iniciais. Em geral, eles são revertidos com adoção de estilo de vida saudável, alimentação equilibrada e prática regular de exercícios físicos.

Um estudo publicado em 2023 examinou mortalidade e incapacidade causadas por 369 doenças em 204 países e territórios, entre 1990 e 2019. A América do Sul foi o continente que registrou o maior aumento de adolescentes com acúmulo de gordura no fígado.

A América do Sul e a América do Norte tiveram o maior aumento relativo de casos da doença em adolescentes (39,2% e 36,8%, respectivamente). Os números foram considerados significativamente maiores do que os dos demais continentes: a Europa ficou em terceiro lugar (27%), seguida da Ásia (25%), África (19%) e Oceania (17,9%).

No Brasil, a estimativa é que um terço das pessoas com mais de 35 anos apresente gordura no fígado e tenha maior risco de desenvolver diabetes do tipo 2, segundo estudo de 2023 conduzido por pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e da USP.

Em até metade das pessoas com esteatose, o quadro pode evoluir para uma inflamação do fígado chamada de esteatohepatite não alcoólica, que recentemente ganhou um outro nome: doença hepática gordurosa metabólica. No Brasil, não há uma droga específica para o tratamento da esteatohepatite associada à disfunção metabólica.