SÃO PAULO, SP E ASSUNÇÃO, PARAGUAI (FOLHAPRESS) – “Não gostamos de revolução. Sempre que vejo uma lá fora, as coisas não acabam muito bem para a sociedade em geral”, resume o ministro da Economia e Finanças do Paraguai, Carlos Fernández Valdovinos, que atribui à continuidade de políticas de baixa inflação e gastos controlados algo que seu país alcançou em 2024 e que o Brasil ainda busca: o grau de investimento.
O selo de bom pagador foi dado aos paraguaios pela agência Moody’s, resultado de um cenário econômico promissor, no qual o país deve crescer 3,8% neste ano, acima da média da América Latina.
“É como uma mesa em que as quatro pernas são as políticas fiscal, monetária, cambial e financeira. Por cima dela você coloca a economia, e não se pode construir a economia com um Estado maior, é o setor privado que tem de fazer isso”, avalia.
Um homem sentado à mesa em uma reunião, vestindo uma camisa azul clara e uma gravata roxa. Ele está gesticulando com a mão direita enquanto observa algo à sua frente. Ao fundo, há uma parede de madeira com várias fotos emolduradas.
Para além dos bons números, os vizinhos ainda precisam enfrentar problemas crescentes com o crime organizado e desafios mais antigos, como o contrabando na fronteira e a pobreza -que embora esteja em uma trajetória de queda, persiste.
De acordo com o economista formado no Brasil, pela UFPR (Universidade Federal do Paraná), e que depois foi estudar na Universidade de Chicago (EUA), embora o governo não ignore iniciativas de curto prazo, como programas que garantem a alimentação de crianças nas escolas, o país ainda considera a geração de empregos como a política social mais sustentável e, para isso, tenta atrair investidores com regimes de impostos mais baixos e oferta de energia barata.
*
PERGUNTA – Como o Paraguai conseguiu o grau de investimento, antes mesmo que o Brasil o conquistasse?
CARLOS VALDOVINOS – Com definição de metas, persistência e resistência dessas políticas ao longo do tempo. O Paraguai tem essa característica, não entra um governo quer fazer uma coisa e depois troca para outro que quer outra coisa, mudando totalmente. A sociedade exige dos governantes que a parte macro seja a que temos agora: baixa inflação, déficit e endividamento controlados. Pode ter algo mais voltado para o social, como na época do presidente Fernando Lugo [de esquerda, único intervalo em que o partido Colorado não esteve no poder desde a ditadura, mas cujo governo terminou em um processo de impeachment]. Já outros governos priorizaram a infraestrutura, mas a fortaleza macroeconômica não se discute. O Paraguai escolheu esse caminho ao longo das últimas duas décadas e agora estamos colhendo os frutos dessa escolha, como o grau de investimento.
A projeção oficial do banco central para este ano é de um crescimento de 3,8%, e normalmente a instituição é mais conservadora do que os dados provam depois, os números que temos indicam algo em torno dos 4%. É acima da média da região, mas o que caracteriza a economia do nosso país é o crescimento sustentado durante muito tempo, com uma média de 4% ao ano desde 2002, e essa continuidade é o que tem nos permitido melhorar muito os indicadores sociais, embora ainda haja bastante coisa a fazer.
P – O que explica o crescimento, além da estabilidade?
CV – É como uma mesa em que as quatro pernas são as políticas fiscal, monetária, cambial e financeira. Por cima dela você coloca a economia, e não se pode construir a economia com um Estado maior, é o setor privado que tem de fazer isso. O país tem feito muita coisa para ganhar credibilidade, graças ao setor privado e ao Estado, que não faz interferências nos negócios.
É verdade que no início a alta de commodities que tivemos, assim como o Brasil, foi muito importante para o crescimento. Aproveitamos o preço da soja mais alto, mas era relativamente fácil crescer quando o mundo todo crescia, o nosso diferencial desde 2013 é que o Paraguai continuou crescendo, mesmo sem o boom. Aí, outros setores começaram a se destacar, como o da construção, o da manufatura com as maquilas [regime fiscal diferenciado, que atrai sobretudo empresas brasileiras que produzem para exportação], o de serviços como um reflexo do aumento da classe média. O agronegócio continua sendo importante para o nosso PIB [Produto Interno Bruto], mas o crescimento do Paraguai vai além do desenvolvimento do campo.
O Paraguai é um país de oportunidades. Acho que muitos brasileiros há tempos descobriram essa potencialidade, apostaram aqui e agora estão colhendo os frutos. Porém, ainda tem espaço para mais investidores brasileiros. E acho que temos de continuar com essa política de ganha-ganha para ambos os lados. O Paraguai fez muita coisa nesses últimos tempos, e ter conseguido o grau de investimento é só o começo. Tem muita coisa por vir ainda.
P – A economia vai bem, mas a pobreza no país ainda atinge quase 27% da população, segundo dados do governo. Há diversas críticas sobre a informalidade persistente e a falta de sistemas de saúde e previdência públicos que contemplem mais pessoas. O que tem sido feito para reduzir a desigualdade e a pobreza?
CV – A gente está convencido de que melhorar a condição de vida dos paraguaios não é uma questão de revolução. Não gostamos de revolução. Sempre que vejo uma lá fora, as coisas não acabam muito bem para a sociedade em geral. Tudo é um processo e a estabilidade é importante, mas, de fato, não é suficiente. No curto prazo, vai ter muita gente sem condições de conseguir um trabalho com uma remuneração suficiente para sustentar toda a família. Para isso, temos programas sociais focalizados, com transferências para quem está em situação de pobreza, e estamos instalando um para garantir no longo prazo que o capital humano das crianças seja o melhor possível. Você não tem condições de aprender se está com fome e desenhamos o Fome Zero na escola, inspirado no que foi feito no Brasil, que garante café da manhã e almoço ou almoço e um lanche da tarde em 100% das escolas públicas do país. No futuro, aquelas crianças vão ter condições de conquistarem o melhor trabalho, e a necessidade de redes de proteção social será menor.
Agora, a melhor política social é o emprego, a que faz transferências de recursos para as pessoas por meio do Orçamento é importante no curto prazo. É por isso que para nós foi muito relevante conseguir o grau de investimento, ele vai permitir a criação de mais empregos no país e com isso a gente vai estar cumprindo com a política social que é a mais sustentável de todas.
P – O regime de maquilas já foi alvo de críticas por, supostamente, roubar empregos do Brasil. Ao mesmo tempo, mais de 70% das atuais empresas nesse programa têm origem brasileira. Ele deve ser mantido?
CV – O regime de maquilas foi muito importante para incrementar o grau de sofisticação da economia paraguaia. As empresas do setor não são apenas de tecidos, está também na indústria de calçados, de químicos, de plástico, de autopeças, além de uma boa parte da produção que é baseada no agronegócio. A importância foi crescendo ao longo do tempo, neste momento as exportações de maquilas já são de mais de US$ 1 bilhão por ano, representando basicamente 10% das exportações anuais paraguaias. E é um programa que emprega muita gente, muitas dessas empresas empregam mais mulheres do que homens, mães solteiras, têm um impacto social muito importante.
Muita gente critica o Mercosul, mas o regime de maquilas só é possível por causa do bloco, já que o Brasil é o principal mercado. O presidente do país [Santiago Peña] sempre fala que a gente não está querendo tirar postos de trabalho do Brasil, o que estamos tentando fazer é substituir pelo menos uma parte daqueles bilhões de dólares que o Brasil compra da China. E o que é melhor ainda: substituir com a produção no Paraguai, porém com o capital brasileiro, que forma a maior parte do regime de maquila, é uma experiência ganha-ganha. Ganhamos nós aqui no Paraguai com a criação de postos de trabalho e ganha o Brasil, o consumidor vai ter produtos de qualidades a melhor preço que aqueles importados.
P – O Brasil é uma prioridade?
CV – O Brasil é uma grande prioridade para nós. Não só pela questão das maquilas e pela contribuição na produção agrícola de brasileiros que se mudaram para o Paraguai. O Brasil continua sendo o nosso maior parceiro comercial, e sem falar de Itaipu. Talvez para os brasileiros ela seja só mais uma usina, mas para nós continua sendo a mais importante do país.
P – O processo de reforma tributária no Brasil pode afetar de alguma forma a competitividade de produtos do Paraguai?
CV – Não gostaria de opinar sobre políticas que outros países estão fazendo. O Paraguai tem uma política tributária, que engloba desde o Imposto de Renda ao IVA (Imposto sobre Valor Agregado), e que vai continuar sendo bem competitiva. Porém, vou falar o seguinte, é verdade que os nossos vizinhos às vezes têm volatilidades macroeconômicas, mas para nós, eles não são concorrentes, são parceiros. Quando o Brasil está indo bem, o Paraguai vai melhor. Os 4% de crescimento que esperamos para este ano poderiam ser 4,5%, se a Argentina também estivesse crescendo [o Banco Mundial espera uma queda de 3,8% para o PIB argentino].
P – Em uma região com um grave histórico de luta contra a inflação, o Paraguai manteve a mesma moeda por mais de 80 anos, sem corte de zeros. Há lições para outros países?
CV – Nos últimos 80 anos, o Paraguai também teve crises e inflação alta, mas não no nível de outros países da região, como Brasil, Argentina, Bolívia, Peru ou Chile. O nível máximo de inflação aqui foi de 40% ao ano. Desde 2002, a gente aperfeiçoou a matriz macroeconômica, com uma política fiscal muito mais focada nas necessidades do país e também mais sustentável. No ano de 2003, colocamos uma meta de inflação no Banco Central e, em 2013, criamos uma lei de responsabilidade fiscal com limite de déficit. A sociedade fica irritada com inflação de mais de 10%. Então, a grande lição é que a sociedade é o crivo do sucesso das políticas macroeconômicas. Não importa se é governo de direita, de esquerda, na economia não há lugar para experimentos.
P – Há espaço para uma moeda comum no Mercosul, ou isso ainda é algo distante?
CV – Para nós é tudo dentro do Mercosul, nada fora dele, mas isso vai demorar muito tempo. A prioridade é que todos os países tenham políticas macroeconômicas mais alinhadas. A Argentina ainda está em um processo de convergência para políticas mais sustentáveis. E só depois, quando conseguirmos ter políticas mais alinhadas, poderemos começar a falar disso. Porém, faço uma proposta: dado que a gente está há 80 anos com o guarani, vamos ampliá-lo para o Mercosul.
P – O que tem sido feito para combater o crime organizado e o contrabando de produtos na fronteira?
CV – Não é só a questão de cigarro ou de eletrônicos, acho que o principal problema agora da região é o crime transnacional e está bem claro que a questão da segurança deve ser uma prioridade. Se o crime é transnacional, a política deveria ser assim também, com apoios multilaterais. Neste momento, estamos trabalhando com o Brasil para a compra de aviões e também a gente está adquirindo maiores quantidades de radares para o melhor controle do espaço aéreo do Paraguai, mirando a quantidade de drogas vindas de outros países e que passam por aqui.
*
RAIO-X | CARLOS FERNÁNDEZ VALDOVINOS, 59
Nasceu em Assunção, estudou economia no Brasil, na UFPR (Universidade Federal do Paraná), e tem doutorado pela Universidade de Chicago (EUA). Foi representante do FMI (Fundo Monetário Internacional) para Brasil e Bolívia, presidente do banco central de 2013 a 2018 e é ministro da Economia e Finanças desde 2023