SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O comércio bilateral entre China e Rússia atingiu um novo recorde histórico em 2024, mas a tendência de incremento na relação desacelerou pela primeira vez desde que Vladimir Putin invadiu a Ucrânia, há quase três anos.
A partir do início da guerra, Moscou foi cercada por sanções draconianas por parte do Ocidente, que a isolaram do sistema de pagamentos internacional. É um processo contínuo: os Estados Unidos acabaram de estender as punições a empresas que transportem petróleo russo, por exemplo.
A economia russa não só sobreviveu como cresceu, com variação positiva estimada de 3,9% do PIB no ano passado, com as alternativas encontradas, como o aumento do comércio com países aliados a Putin, como a China, ou não alinhados aos EUA, como Índia e Brasil.
Mas Pequim sempre foi a principal linha de oxigênio para o Kremlin. Com isso, o comércio entre os dois países passou de US$ 147,3 bilhões em 2021, um ano antes do conflito, para US$ 244,8 bilhões em 2024, sempre superavitário em favor dos russos.
Os números divulgados nesta segunda (13) pela Administração Geral de Alfândega chinesa colocam um alerta para a estratégia de sobrevivência de Putin. De 2023 para 2024, o fluxo comercial havia subido 26,3%, mas agora cresceu apenas 1,9%.
O maior impacto foi nas exportações chinesas, que viram o crescimento de 53,9% de 2023 cair a 4,1% agora. Elas respondem por US$ 115,5 bilhões dos negócios bilaterais, ante US$ 129,3 bilhões em importações feitas por Pequim dos russos.
Apesar de isso poder configurar uma estabilização normal da corrente de comércio, há dois fatores concorrentes para o fenômeno, um deles ligados à pressão ocidental que até aqui não demoveu Putin de tocar o conflito e imprimir um caráter de economia de guerra a todo seu país, com conversão de indústrias e virtual pleno emprego.
Desde o ano passado, os EUA ameaçaram sanções secundárias contra bancos que financiavam transações russas em praças como Hong Kong. Isso refreou o apetite comercial de Pequim, temendo impacto em negócios com seus maiores clientes, todos acima da Rússia: EUA, Coreia do Sul, Japão e Vietnã, na ordem.
Um dos alvos americanos é a indústria de chips, que fornece os produtos a Moscou como insumo civil, só para vê-lo empregado em mísseis e drones usados contra a Ucrânia.
Seja como for, no fim do ano houve uma aceleração no comércio bilateral, sugerindo que caminhos alternativos foram encontrados.
Outro fator é doméstico na Rússia. As ruas do país começaram a ser invadidas por carros chineses, principalmente elétricos. Em outubro, o Kremlin determinou a criação de uma sobretaxa para o produto, oferecendo isenção para montadoras que transfiram suas linhas de produção para o país.
Segundo analistas chineses, esse novo cenário impactou as vendas específicas do setor para os russos, e tende a gerar estagnação em 2025.
Enquanto as exportações chinesas cresceram bem menos, as importações seguiram estáveis, com aumento na casa de 1%. Com as restrições para a venda de gás e petróleo na Europa, a Rússia redirecionou sua produção principalmente para chineses e indianos mesmo o Brasil entrou no jogo, virando o principal mercado para o diesel russo.
Em comum, todos esses atores buscam independência em maior ou menor grau dos EUA e são integrantes do Brics, bloco que nesta semana anunciou a integração de mais um membro, a Indonésia.
Para a China, mesmo sem a pressão direta de sanções, a diversificação é vital em um cenário em que o futuro governo de Donald Trump já anuncia aumento de tarifas de importação de seu maior parceiro Washington e Pequim, maiores economias do mundo, trocaram US$ 688,3 bilhões em 2024.
A ditadura liderada por Xi Jinping celebrou o recorde de exportações aos rivais centrais na Guerra Fria 2.0. Com a retomada do crescimento ainda nebulosa, o mercado imobiliário marcado por uma bolha gigante e o aumento expressivo da dívida pública, a China cada vez mais depende do que vende para fora.
A desejada desdolarização das relações comerciais segue sendo um desejo: 85% das trocas mundiais ainda ocorrem em moeda americana.
Mas dentro dos Brics há um movimento em favor do aumento de negócios bilaterais com dinheiro local. Ainda está longe da ideia de uma moeda comum, algo que na prática está abandonado, mas a presidência brasileira do bloco neste ano irá insistir no incremento da prática.
O problema básico é a formação de estoques em moedas inúteis como reserva: não adianta muito a Putin ter um cofre cheio de rupias indianas auferidas com a venda de seu petróleo, por exemplo.