SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os ministros que mais interromperam julgamentos no STF (Supremo Tribunal Federal) também foram os autores dos votos que mais prevaleceram em decisões não unânimes da corte de 2020 a 2022.

Essa é uma das conclusões da dissertação de mestrado em ciência política de Tailma Venceslau, pesquisadora no grupo Judiciário e Democracia, vinculado à USP, sobre tempo decisório e interações entre os plenários presencial e virtual do STF.

O estudo apontou uma associação positiva entre os pedidos de vista (mais tempo para analisar o caso) e de destaque (indicação para o processo ir ao plenário físico) e a formação de maiorias nos respectivos julgamentos.

Os dados mostram que a linha proposta por autores de pedidos de vista prevaleceu em 69% dos casos, enquanto os requerentes de destaque obtiveram êxito sobre a decisão de mérito em 61% dos processos.

A análise verificou que pedidos de vista e de destaque não produziram um efeito sistemático de atraso dos julgamentos. Por outro lado, essas ferramentas foram relevantes em casos de divergência entre os ministros.

Os julgamentos que resultaram em decisões não unânimes demoraram mais que os demais, o que permite supor que o uso de pedidos de interrupção é responsável em parte pelo tempo de resposta dessas ações.

À reportagem Tailma Venceslau diz que a associação entre os pedidos de interrupção e a formação de maiorias não é um problema em si. Primeiro, porque não existe uma regra proibindo o uso desses poderes para isso e, segundo, porque há argumentos favor da medida.

“Pode-se argumentar que os pedidos de interrupção são eficazes na formação de maiorias decisórias porque ampliariam o tempo de diálogo entre os ministros fora das sessões virtuais a respeito dos fundamentos jurídicos e do alcance da decisão. Isso pode ser visto como desejável em ambientes colegiados”, exemplifica.

O banco de dados usado na pesquisa é composto por julgamentos definitivos de mérito pautados de 2020 a 2022 (1.925 casos), julgados ou suspensos, bem como por referendos de liminar convertidos em decisões de mérito (12). No total, portanto, são 1.937 processos.

A pesquisadora afirma que os ministros podem pedir vista ou destaque por motivos diversos: para redigir um voto mais consistente, convencer os colegas, esperar mudanças na composição da corte e até aguardar a alteração do contexto político. As motivações variam entre razões individuais, coalizões de ministros e questões institucionais.

Os ministros que mais usaram os mecanismos foram Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Quem menos o fez entre os membros da corte no período foram Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Rosa Weber.

De acordo com a pesquisa, o êxito em placares não unânimes sugere que a utilização dessas ferramentas pode estar associada a uma avaliação de que ela compensa seus custos institucionais e políticos.

A autora do estudo aponta um possível custo reputacional para o tribunal no caso de paralisação de julgamentos relevantes para a opinião pública e um custo para a relação entre os Poderes quando são adiados julgamentos de interesse dos atores políticos.

O estudo mostrou que a distribuição de poderes de início e de interrupção de julgamento, de modo individualizado, molda as escolhas sobre o momento de decidir, em especial durante as fases de formação de pauta e do julgamento.

A formação da pauta do plenário físico está sob a influência do presidente, do relator e do ministro que pede vista. O relator ou o ministro que pediu mais tempo precisa liberar o caso para o presidente poder chamá-lo a julgamento.

No plenário virtual, é diferente. Uma data é definida assim que o relator libera o processo. “O relator é o ator com maior poder sobre a pauta do PV [plenário virtual], embora outros ministros, inclusive a presidência, possam disputar essa posição pedindo vista ou destaque”, afirma Tailma Venceslau.

Existe um cálculo estratégico por trás. O ministro pode escolher interromper o julgamento ou utilizar o poder de pauta como resposta ao comportamento de um colega ou até de modo antecipar as ações de outro ministro.

Por exemplo, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, pediu vista dos autos no julgamento sobre o Marco Civil da Internet. Assim, ele, que pela ordem de votação deveria ser o último a se manifestar, votou na sequência, abrindo divergência e cunhando uma nova corrente.

As interações entre os ministros não foram, entretanto, a principal causa para os maiores tempos decisórios. A fase na qual elas não ocorrem foi, em regra, a responsável pelo maior tempo de duração das ações: a fase da instrução.

Por exemplo, a média de duração do pedido de vista, conforme a pesquisa, é de 213 dias, enquanto a de destaque é de 116 dias, valores bem inferiores à média de duração da fase das diligências (1.710 dias).

A análise da relação entre o tempo decisório as partes dos processos indicou que quem menos esperou por uma decisão foram os municípios, o MPF (Ministério Público Federal) e as associações de empresas.

Por outro lado, quem mais esperou foram as associações de magistrados e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), duas categorias ligadas às carreiras jurídicas, o que pode contrariar a expectativa de um tratamento mais corporativista.

Congressistas, quando ingressaram com as ações, esperaram muito mais tempo para o julgamento do que quando estiveram do outro lado, no de processados. O resultado pode indicar uma disposição do Supremo para julgar mais rápido ações contrárias a interesses de atores do Legislativo.

Ainda assim, a maior rapidez dos julgamentos se deu inclusive em favor de senadores e deputados federais. Quando observados os conteúdos das respostas do tribunal, 7 dos 10 julgamentos nesses casos foram no sentido de rejeição da queixa ou improcedência.

O estudo não foi conclusivo em relação a temas. Não foi possível dizer que um tenha sido preterido em favor de outro e, em um mesmo assunto, os ministros podem se comportar de maneiras diferentes.