SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O alerta no fim da tarde do último dia 3, sobre a suposta presença de orcas nas imediações da parte sul de Ilhabela, colocou uma turma de fotógrafos no mar logo nas primeiras horas do dia seguinte. Não foi necessário muito tempo de navegação para sete desses mamíferos serem avistados.
A presença de orcas no litoral norte de São Paulo tem chamado a atenção. Desde março do ano passado, somente o fotógrafo Frank Santos afirma ter registrado seis encontros distintos com elas em Ilhabela.
Segundo biólogos, a fartura de fauna marinha no Sudeste, a partir da Região dos Lagos, no Rio de Janeiro, até Florianópolis, no Sul, pode ser um chamariz para esses superpredadores. Como mostrou a Folha, a recuperação do bioma no Refúgio de Vida Silvestre do Arquipélago de Alcatrazes, mantido pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), tornou essa região entre São Sebastião e Ilhabela um paraíso para tubarões.
“Há indicação de que elas são bem generalistas quanto à alimentação”, diz a bióloga e pesquisadora Aline Athayde, responsável por catálogo de mais de 8.000 fotos, de 2005 a 2021, usadas para identificação de 47 orcas que nadam entre o Sudeste e o Sul do país, tanto próximo à costa quanto em mar aberto.
As imagens foram usadas para produção de um artigo publicado, em 2023, na revista científica Frontiers in Marine Science.
O trabalho é assinado por voluntários e pesquisadores de instituições como o Projeto Baleia à Vista, o Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da USP (Universidade de São Paulo), o Instituto Argonauta para Conservação Costeira e Marinha e a Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, entre outros, inclusive órgãos internacionais.
Segundo a publicação, 28% dos animais eram fêmeas adultas, 19% machos adultos, 19% juvenis, 17% filhotes e 17% adultos de sexo desconhecido.
Do total, 31 foram avistados apenas uma vez, e 16 (34%) acabaram sendo vistos novamente.
Orcas foram observadas alimentando-se de raias quatro vezes e duas de cardumes de peixes não identificados. Também há registros de perseguição a outros mamíferos, como toninhas e baleias cachalote e jubarte.
De acordo os biólogos ouvidos pela reportagem, as orcas circulam em um vasto ambiente. Os pesquisadores, por exemplo, identificaram movimento de algumas delas em Cabo Frio (RJ), Ilha Grande (RJ), Ubatuba (SP), Ilhabela e Florianópolis -e tempos depois foram vistas de volta em Cabo Frio.
O estudo mostrou que as orcas tinham percursos de curta e longa distância, das costas sudeste e sul do Brasil e até do Uruguai.
O avistamento tende a ser maior entre a primavera e o verão e um dos motivos apontados é o fenômeno da ressurgência, em que correntes em água fria provocadas pelo vento sobem os nutrientes no mar, atraindo peixes e outros animais que são um prato cheio para as orcas.
“Isso alimenta peixes na zona de produtividade. Há mais peixes para alimentar [as orcas] nesta época”, afirma Salvatore Siciliano, pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e coordenador do estudo de mamíferos marinhos da Região dos Lagos.
Geralmente, as orcas nadam em grupos que podem chegar a 11 animais. Em 22 de dezembro foram fotografados em Ilhabela três deles, com um total de 18 cetáceos.
Também há casos de machos solitários, que depois são reavistados com outros indivíduos.
Há “figuras” conhecidas, como Almirante, uma orca macho vista pela primeira vez em 1993 e que, entre outros registros, foi flagrada em março do ano passado no litoral norte paulista.
“Ela deve ter uns 50 anos”, diz Santos, que aos 4 anos (hoje tem 25) ficou encantado com orcas ao assistir ao filme “Free Willy”. Morador da zona leste de São Paulo, se mudou para Ilhabela em 2017 para fotografar esses mamíferos.
Por falta de informação científica sobre a presença de orcas em águas tropicais –são mais comuns em em latitudes altas-, biólogos que participam do estudo não conseguem dizer se há um aumento desses cetáceos na costa brasileira ou se o avistamento ficou mais frequente por causa da tecnologia, como o uso de drones para o registro.
“Como a ocorrência não é tão frequente, é difícil de estudar. Mas temos visto mais delas, pelo menos umas duas vezes ao ano em Santa Catarina”, diz a bióloga catarinense Karina Groch, diretora de pesquisa do projeto Franca Astral, do Instituto Australis.
Entretanto, os voluntários que participam de avistamentos e catalogação acreditam que a atualização dos dados em artigo científico, ainda sem data prevista para ocorrer, apontará uma estatística maior. O fotógrafo e documentarista Rafael Mesquita Ferreira estima que as sete orcas registradas no último dia 4 sejam inéditas.
Um dos alertas de que o grupo -formado por dois machos e duas fêmeas adultos, um juvenil e dois filhotes– estava próximo ao arquipélago de Alcatrazes foram pássaros atrás de comida, vistos de longe.
“Não demorou muito e estavam brincando e passando por baixo do nosso barco, como se fossem golfinhos”, conta Mesquita.
Com um drone, Marcos Cará, dono de uma operadora de turismo, filmou as sete enfileiradas. “A cereja do bolo de nossas saídas é quando encontramos orcas ou baleias”, diz.
“Somos ‘orcaholics’, viciados em orcas”, afirma Julio Cardoso, do ProBaV (Projeto Baleia à Vista), ao brincar com o termo “workaholic” (viciado em trabalho) para descrever os voluntários.
Minutos depois de falar com a reportagem na última sexta-feira (10), o fotógrafo Frank Santos saiu às pressas para o mar, pois havia a suspeita da presença de orcas na região do arquipélago de Alcatrazes. Mas não deu tempo, já haviam nadado dali.