LOS ANGELES, None (FOLHAPRESS) – A economista Claudia Sussekind Bird, 41, do Rio de Janeiro, conta à Folha que vivia o melhor de dois mundos em Los Angeles: morava na próspera comunidade de Pacific Palisades, quase um refúgio dentro de umas das maiores e mais importantes cidades dos Estados Unidos.
O local era também onde seu marido, Kevin, nasceu e passou a maior parte da vida. O casal tem dois filhos, de 4 e 6 anos, e viveu sete anos no Brasil antes de se mudar para Los Angeles. Na casa em Pacific Palisades estavam há apenas três meses. E então vieram os incêndios.
Vimos pela câmera de segurança no celular o fogo se aproximar de nossa casa. Quando o sinal caiu, passamos a receber alertas: as portas e a escada haviam sido comprometidas. Sabíamos que não eram os bombeiros.
Mais tarde, conseguimos fotos e vídeos de um lugar que parecia onde ficava a nossa casa. Só restaram a lareira, a caixa de correio e o corrimão. Tínhamos nos mudado havia apenas três meses.
O dia do incêndio, na terça-feira (7), foi o dia de volta às aulas das crianças após o recesso de fim de ano. Tenho dois filhos, de 6 e 4 anos, com meu marido californiano, Kevin, que conheci durante meu MBA em Boston. Moramos sete anos no Brasil antes de nos mudarmos em 2022 para Pacific Palisades, comunidade onde ele nasceu, cresceu e onde moravam seus pais e sua irmã.
A primeira mensagem da escola veio ainda de manhã, alertando sobre um incêndio, e Kevin foi buscar as crianças. Eu estava longe, passeando com minha irmã e sua família que visitavam a cidade. A escola era a mesma que Kevin havia frequentado quando pequeno, inclusive com a mesma professora. Portanto, é um lugar com um significado muito especial para nós. Tínhamos a sensação de viver numa cidade pequena dentro de uma metrópole como Los Angeles o melhor dos dois mundos.
A escola fica numa região linda de Pacific Palisades, cercada por montanhas e muita vegetação, o que aumenta o risco de incêndios, principalmente quando o clima está seco. A retirada das pessoas foi incrivelmente rápida e eficiente: em uma hora, a escola estava vazia.
Kevin chegou em casa, e eu ainda estava longe. Ele decidiu sair com as crianças cedo para evitar engarrafamentos e não passar estresse. Mas ele não saiu com a ideia de “vou sair para não voltar mais”. Ele levou apenas pijamas, pasta de dente e um laptop. Nada de documentos. Foram para a casa de amigos, onde nos reencontramos.
Nossa casa ficava em Huntington, uma região de Pacific Palisades considerada mais segura por estar afastada da mata. Kevin passou ali a vida inteira, tinha a sensação de segurança.
Mas a situação piorou rapidamente. Os ventos fortes espalhavam folhas secas e carregavam os focos de incêndio para outras áreas. Fomos acompanhando os mapas e imagens compartilhadas nos grupos de mães e de amigos. Naquela noite, fomos dormir com uma expectativa muito ruim.
É difícil opinar sobre o trabalho dos bombeiros. Li muitas críticas sobre eles terem menos recursos do que deveriam. Acho que as condições nas quais esse fogo começou eram muito difíceis. Realmente estava muito seco e ventando demais. Ou eles continham o fogo no início ou depois ficaria difícil de conter.
Perder nossos bens materiais foi muito difícil, principalmente aqueles de valor sentimental. Mas o mais doloroso foi perder nossa comunidade. Organizamos nossa vida em torno da escola, dos amigos, dos cafés, dos parques. Agora, tudo é uma grande incógnita.
Compramos a casa em maio de 2024. Era a nossa primeira casa e fizemos uma pequena reforma antes de nos mudarmos em outubro. Era um sonho realizado, adorava tudo nela: a cozinha espaçosa, o quintal.
Embora não fosse uma região de alto risco, fizemos seguro. Nunca pensei que isso poderia acontecer, muito menos em tão pouco tempo. A sensação de segurança que tínhamos não existe mais.
Minha cunhada também perdeu a casa, e a dos meus sogros ainda está de pé, mas o entorno foi devastado. Queremos reconstruir, queremos voltar, embora seja difícil imaginar como será criar os meninos num ambiente tão impactado.
Quando a gente se mudou para cá, eu parei de trabalhar para fazer a transição das crianças, colocar na escola, achar uma casa e montar a nossa vida. Estava encaminhada para voltar a trabalhar, mas agora parece que voltei à estaca zero.
Tinha uma lista de coisas para fazer em casa, como qualquer pessoa faz quando se muda. De repente, olhei para a lista e não tenho mais nada para resolver. A gaveta quebrada, a estante que não funcionava Nada disso existe mais.
Emocionalmente, tenho altos e baixos. Ver meus filhos tentando entender o que aconteceu é especialmente difícil. Um dia fomos a uma loja, e quando sugeri um brinquedo que meu filho adorava, ele respondeu: “Esse eu já tenho”. Como explicar que ele não tem mais nada?
Por enquanto, estamos em Palm Springs, longe da fumaça. Somos uma família que gosta de viajar e conseguimos improvisar, mas tudo é muito recente, e ainda não tivemos aquele momento de voltar e encarar tudo o que perdemos. Tento transmitir otimismo para meus filhos, sem esconder totalmente a realidade. Vamos seguir em frente, um passo de cada vez.