RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A inflação oficial do Brasil, medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), fechou o acumulado de 2024 em 4,83%, apontou nesta sexta (10) o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A alta veio após variação menor, de 4,62%, em 2023.
O resultado de 2024 confirma o estouro do teto da meta de inflação, definido em 4,5%. Assim, cabe ao novo presidente do BC (Banco Central), Gabriel Galípolo, escrever uma carta aberta ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para explicar os motivos que levaram ao descumprimento do objetivo.
O alvo tinha centro de 3% e intervalo de tolerância de 1,5% (piso) a 4,5% (teto). É o oitavo ano em que a inflação fica fora dos limites definidos desde a adoção do sistema de metas, em 1999.
O antecessor de Galípolo, Roberto Campos Neto, que comandou o BC até 2024, escreveu duas cartas para justificar estouros do alvo, em 2022 e 2021.
Economistas afirmam que a preocupação com o IPCA segue em 2025. Isso porque a inflação passada baliza reajustes posteriores de preços, incluindo aluguéis e mensalidades escolares. É a chamada inércia inflacionária.
O alerta para este ano ganhou força com a escalada do dólar, que pode influenciar diferentes produtos, de alimentos a combustíveis.
“A taxa de juros vai ter de subir com força, não tem jeito, e aí começa uma preocupação maior com a atividade econômica até para 2026. O crescimento [do PIB] tende a ser mais fraco com esse cenário de juros em um ano eleitoral”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.
“É o dilema do governo agora. Ele precisa desacelerar a economia para conter a inflação ao mesmo tempo em que está chegando um ciclo eleitoral, e ele [governo] precisa manter o crescimento”, acrescenta.
O IPCA de 2024 (4,83%) veio praticamente em linha com a mediana das projeções do mercado financeiro, que era de 4,84%, segundo a agência Bloomberg. O intervalo das estimativas ia de 4,70% a 4,91%.
Em 2023, o primeiro ano do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a inflação havia fechado abaixo do teto da meta, que era de 4,75%.
O resultado registrado à época (4,62%) veio após dois anos consecutivos de estouro do objetivo, em 2022 (5,79%) e 2021 (10,06%), durante o governo Jair Bolsonaro (PL).
“De maneira geral, houve uma piora na composição do IPCA de 2024 em relação a 2023”, diz o economista Heliezer Jacob, do C6 Bank.
“O cenário seguirá desafiador em 2025: o mercado de trabalho aquecido e a perspectiva de câmbio depreciado pressionarão ainda mais a inflação. Nossa projeção é de que o IPCA feche o ano em 5,7%, novamente acima do limite superior da meta”, completa.
ÍNDICE ACELERA EM DEZEMBRO
No recorte mensal, a inflação acelerou a 0,52% em dezembro de 2024. A taxa havia sido de 0,39% em novembro.
Analistas esperavam IPCA de 0,53% para o último mês do ano passado, conforme a mediana coletada pela Bloomberg. O intervalo das estimativas ia de 0,42% a 0,60%.
À exceção de habitação (-0,56%), os outros oito grupos de produtos e serviços tiveram alta de preços em dezembro. A maior variação (1,18%) e o principal impacto (0,25 ponto percentual) vieram de alimentação e bebidas.
Outro destaque foi o índice de difusão. O indicador subiu de 58% em novembro para 69% em dezembro, o maior nível desde maio de 2022 (72%).
A difusão mostra o percentual de produtos e serviços pesquisados que tiveram aumento de preços. Em outras palavras, a proporção de 69% sinaliza que a inflação ficou mais espalhada no último mês.
ALIMENTOS PRESSIONAM EM 2024
A carestia dos alimentos também puxou o IPCA no acumulado de 2024. O grupo alimentação e bebidas registrou alta de 7,69% no ano passado, a maior desde 2022 (11,64%). Assim, contribuiu com 1,63 ponto percentual para o resultado de 2024.
As elevações de saúde e cuidados pessoais (6,09%) e transportes (3,30%) também tiveram impactos significativos (0,81 ponto percentual e 0,69 ponto percentual). Juntos, os três grupos responderam por cerca de 65% da inflação de 2024.
No caso da comida, os preços ficaram mais altos em meio a problemas climáticos que reduziram a oferta de parte das mercadorias, segundo o IBGE.
O dólar teria gerado impacto adicional. A moeda americana em elevação estimulou exportações de itens como carnes, provocando reflexos na oferta interna.
Analistas também citam a demanda aquecida com a melhora do mercado de trabalho como um dos fatores responsáveis pela pressão nos preços.
Dentro de alimentação e bebidas, a alimentação no domicílio fechou 2024 com inflação de 8,23%. O aumento veio após baixa (deflação) de 0,52% em 2023.
O café moído saltou 39,6% no ano passado. Foi a maior variação para um ano fechado desde 2021 (50,24%).
As carnes, por sua vez, aumentaram 20,84%. Foi a maior alta até dezembro desde 2019 (32,4%).
André Almeida, analista do IBGE, destacou que a carestia das carnes ficou concentrada no segundo semestre, após trégua na primeira metade do ano.
“Teve estiagem, ondas de calor. Isso intensificou os efeitos da entressafra [na pecuária]. As pastagens ficaram ainda mais restritas”, disse.
“Por conta até do próprio ciclo da pecuária, a gente teve menor volume de animais para abate [no final do ano], o que reduz a oferta do produto para o consumidor final e acaba pressionando os preços”, completou.
Em termos individuais, a gasolina teve o maior impacto no IPCA de 2024 (0,48 ponto percentual). A alta do combustível foi de 9,71%.
Em seguida, vieram o plano de saúde (7,87% e 0,31 ponto percentual) e a refeição fora do domicílio (5,7% e 0,20 ponto percentual).
MODELO DE META MUDA EM 2025
Para o IPCA de 2025, as projeções do mercado estão em 4,99%, conforme a mediana do boletim Focus mais recente, divulgado pelo BC na segunda (6).
O centro da meta de inflação segue em 3% neste ano, com intervalo de tolerância de 1,5% (piso) a 4,5% (teto).
Há, porém, uma mudança: o BC passa a perseguir o objetivo de forma contínua. Isso significa que o chamado ano-calendário, de janeiro a dezembro, será abandonado após 2024.
No modelo contínuo, a partir deste ano, a meta será considerada descumprida quando a variação do IPCA em 12 meses ficar por seis meses seguidos fora do intervalo de tolerância (1,5% a 4,5%).
O índice está acima do teto desde outubro, e analistas e o próprio BC projetam novo estouro ao longo de 2025.
O sistema de metas funciona como âncora para a condução da política monetária. Com o aumento das expectativas de inflação, o BC passou a subir a taxa básica de juros, a Selic, que está em 12,25% ao ano.
A medida busca esfriar a demanda por bens e serviços e, assim, reduzir a pressão sobre os preços. Analistas esperam Selic de 15% ao final de 2025, de acordo com o Focus.
O possível efeito colateral do aperto monetário é a desaceleração da atividade econômica. Os juros elevados dificultam o consumo e os investimentos produtivos.
“O cenário não é de descontrole, embora preocupante, e a autoridade monetária [BC] tem feito um trabalho muito diligente”, disse o presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Isaac Sidney, em nota após a divulgação do IPCA.
Para ele, o quadro inflacionário requer “ação coordenada” entre as ações do BC e a política fiscal do governo.
“Se o BC tiver que realizar esse trabalho sem a coordenação com a política econômica, o choque de juros terá que ser muito elevado e pode comprometer o bom desempenho da atividade que temos visto até o momento. Neste sentido, é importante que a política fiscal também continue dando sua contribuição.”