BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Em uma conversa no X nesta quinta-feira (9), a candidata da extrema direita na Alemanha explicou a Elon Musk que Adolf Hitler era um comunista e que Angela Merkel arruinou a economia do país. Satisfeito com as explicações, o bilionário disse que os americanos votaram por mudança e que agora era a vez dos alemães. O diálogo prosseguiu até chegar a Marte, com digressões filosóficas sobre a humanidade e a existência de Deus.

Como esperado, o palanque planetário dado pelo bilionário para a candidata a premiê mais controversa das próximas eleições alemãs consumiu uma hora e 15 minutos com afagos e frases de efeito. “Eu preciso dizer, é novo para mim não ser interrompida a cada instante”, disse Weidel, em inglês fluente, mas com sotaque, ao comparar o bate-papo com suas entrevistas na mídia alemã, “de esquerda”.

Pois Musk a interrompeu algumas vezes, principalmente no começo, em ritmo diferente do demonstrado em agosto do ano passado, quando inaugurou as transmissões ao vivo no X com um problemas técnicos e um quase monólogo de Donald Trump. O bilionário agora empreende ofensiva autoritária na Europa.

Weidel, de seu escritório em Berlim, entendeu que falava não apenas com um integrante do novo governo americano, mas com o próprio. Mais de uma vez, perguntou a Musk o que ele faria sobre determinado assunto em “seu” governo. Ato falho ou não, o empresário interrompeu a confusão ao responder que cabia ao “comandante-em-chefe” falar sobre Ucrânia, quando perguntado quais eram as “suas intenções”, as dele, Musk, em relação à guerra.

Weidel começou em tom didático, contando que a atual crise alemã começou na era Angela Merkel, condutora da Alemanha de 2005 a 2021. “Ela foi a primeira chanceler verde e arruinou o país”, declarou, usando a designação em alemão para primeiro-ministro. “Foi a única economia industrial do mundo que desligou a energia nuclear. Não é preciso ser inteligente para entender que um país industrial não funciona apenas com vento e sol.”

A parlamentar da AfD, o partido considerado de extrema de direita pelas autoridades de segurança do país, enquanto pode adiou a discussão ideológica. “Meu partido é libertário.” Musk ajudou, com dados técnicos sobre latitude, incidência do sol e a necessidade de baterias, sua praia. “Sou fã da energia solar, mas não faz sentido abdicar da energia nuclear.”

“Desligaram a última usina quando a Alemanha começou a recusar a energia vinda da Rússia, logo após o ataque à Ucrânia. Estúpido, não?”. Sim, parece estúpido sem o contexto de décadas de ativismo ambiental no país. “É uma questão de matemática. Matemática de segundo grau”, comentou Musk.

Merkel também levou a culpa sobre a crise migratória na Europa, que Musk comparou à situação da fronteira americana com o México. A premiê alemã, em sua decisão histórica de abrir as fronteiras em 2015, “permitiu a entrada de criminosos que agora não podem ser deportados” na descrição de Weidel. A parlamentar não falou da solução xenófoba que parte de sua legenda prega para o problema, a “reimigração”, deportação em massa que a legislação alemã não permite.

Com pitacos de Musk, a candidata foi desdobrando sua plataforma, que busca o voto da classe média desiludida pela classe política, voltada apenas para os assuntos da elite, espécie de mantra de populistas pelo mundo. Falou de burocracia, impostos, educação, “dominada pelo socialismo e questões de gênero”, segurança pública.

“Perguntam por que Trump ganhou nos EUA. Os americanos disseram que era preciso uma mudança. Espero que isso aconteça na Alemanha. Por isso recomendo o voto na AfD”, disse Musk, logo emendando uma frase de prevenção: “Não estamos falando nada demais, aqui. É apenas senso comum”.

A expectativa pela entrevista foi alimentada por aliados de Weidel e por Musk com falsos indícios de que ela poderia ser censurada pela legislação europeia. Em entrevista ao Guardian, Thierry Breton, ex-integrante da Comissão Europeia responsável pela regulação das big techs no bloco, rebateu. Citado pelo bilionário como alguém que teria feito as tais ameaças de intervenção na transmissão, Breton declarou que “Musk mente muito”.

A discussão sobre liberdade de expressão fez Weidel sair da zona de conforto e citar Hitler. “Sabe a primeira coisa que ele fez nos anos 1930? Controlar a mídia.” A parlamentar continuou. “Por ser economista, quero esclarecer algo sobre o nazismo. Naquela época, eles se tratavam como socialistas. Sim, Hitler era um comunista. Nacionalizou empresas, aumentou impostos… E o que fizeram depois de tudo isso? Chamam-o de um polítco de direita.”

A tese de que o nacional socialismo alemão era comunismo habita o universo populista há anos, assim como antissemitismo também foi transformado como uma manifestação de esquerda. Weidel não fugiu à regra, dizendo que a AfD “é o único partido que pode proteger os judeus na Alemanha”. Nem ela nem o entrevistador comentaram sobre a presença de neonazistas no partido e manifestações antissemitas de alguns de seus colegas.

A discussão então perdeu as poucas amarras que tinha. Do Tratado de Versalhes ao Hamas, mais de um século de certezas, novos afagos e frases de efeito. “Olho por olho deixa todo mundo cego”, sentenciou Musk.

Weidel se sentiu à vontade para perguntar sobre Marte, algo que fez o lado nerd do bilionário aflorar. Disparou a falar sobre a vida, a extinção da vida, seres alienígenas e a suposta necessidade de que a humanidade teria de habitar um segundo planeta. Após mais de quinze minutos de falação, a discussão acabou na existência ou não de Deus.

A digressão foi tão longa que Weidel afirmou: “Não sei como continuar”.

A campanha eleitoral que pode levar a extrema direita a um resultado histórico na Alemanha prossegue até 23 de fevereiro.