BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, anunciou nesta segunda-feira (6) que renunciará como líder do Partido Liberal e premiê, em meio a grave crise de popularidade de seu governo e crise interna de sua legenda.

Trudeau deve seguir, ao menos por um tempo, como líder da sigla e chefe de governo. Os liberais iniciarão processo eleitoral interno para decidir quem será o novo líder e, portanto, o novo primeiro-ministro. As disputas pela liderança do partido geralmente levam meses para serem organizadas; mesmo que a sigla acelere o processo, Trudeau não deve deixar o cargo tão cedo.

“Como vocês sabem, eu sou um lutador. Todos os ossos do meu corpo sempre me disseram para eu lutar porque eu me importo profundamente com os canadenses e com este país”, disse Trudeau em pronunciamento.

“Apesar dos nossos esforços, o Parlamento está paralisado a meses, o que tem sido a maior sessão de um Parlamento [governado] pela minoria na história do país”, afirmou, anunciando a interrupção da sessão do Legislativo até 24 de março. A medida significa a interrupção dos trabalhos parlamentares e a derrubada de processos legislativos em curso, sem que a Casa seja dissolvida.

Trudeau vinha conseguindo lidar com partidários preocupados com a perda de assentos da sigla em eleições recentes. Também com as pesquisas eleitorais que indicam grande derrota dos liberais para os conservadores no pleito que precisa ocorrer até outubro.

Mas os pedidos para que ele se afastasse do cargo dispararam desde o mês passado, quando o premiê tentou demitir a ministra das Finanças, Chrystia Freeland, uma de suas aliadas mais próximas no gabinete, depois que ela se opôs a propostas para aumentar o gasto público.

Freeland, então, renunciou e escreveu uma carta acusando Trudeau de praticar “truques políticos” em vez de se concentrar no que era melhor para o país.

“Este país merece uma escolha verdadeira na próxima eleição, e ficou claro para mim que se eu tiver que lutar batalhas internas, não posso ser a melhor opção nessa eleição”, afirmou o premiê durante o pronunciamento.

Trudeau se posicionou como ícone progressista desde o início de seu mandato, cumprindo a promessa de um gabinete com igualdade de gênero. “Porque é 2015”, foi a resposta do premiê a questionamento sobre a escolha paritária para o governo, com 15 mulheres e 15 homens.

O primeiro-ministro tem sido, ao longo dos quase dez anos no cargo, defensor de políticas de abertura à imigração e refúgio e de combate à crise climática.

A popularidade de Trudeau, de início alta, começou no entanto a cair logo após os primeiros dois anos de mandato, após alguns escândalos relacionados a um período de férias em ilha caribenha classificadas de antiéticas em relatório, e vídeos antigos em que Trudeau aparecia com blackface (prática considerada racista em que pessoas brancas pintam o rosto com tinta preta para representar pessoas negras).

Já em 2019, e de novo em 2021, o Partido Liberal perdeu cadeiras no Parlamento de Ottawa e foi obrigado a governar sem maioria na Casa. Há dois anos, a aprovação do premiê despencou, uma queda puxada por indignação com a inflação e escassez de moradias.

Durante a pandemia da Covid-19, no início de 2022, o premiê defendeu medidas restritivas como lockdowns e obrigatoriedade de vacinas, e foi enfrentado por manifestantes que bloquearam cidades e pontes na fronteira com os EUA contra as medidas.

Apesar da polarização relativa ao tema, a popularidade do premiê, que tomou ações como a declaração de estado de emergência durante os protestos, nunca se recuperou.

De centro-esquerda, ele governa o Canadá desde 2015 e foi reeleito duas vezes. Apesar do tempo no cargo, Trudeau, 53, é apenas o nono primeiro-ministro mais duradouro do país —seu pai, Pierre Trudeau, por exemplo, governou por mais de 15 anos, da década de 1960 a 1980.

O atual premiê foi também o segundo mais jovem a assumir o posto, aos 43 anos.

Dado o tempo para escolha de novo líder liberal, Trudeau ainda será primeiro-ministro em 20 de janeiro, quando o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, assume o cargo. Trump ameaçou impor tarifas a produtos canadenses e chegou a provocar o vizinho dizendo que a população local preferiria ser um estado americano do que um país independente —afirmação que ele repetiu nesta segunda.

Outra preocupação para os liberais é a ameaça dos partidos de oposição de derrubar o governo. Uma moção de desconfiança poderia ser proposta já no final de março e, se todos os partidos votarem a favor, a eleição será antecipada, encurtando e dificultando a campanha de novo líder liberal.

VENHA LINHA DO TEMPO DO GOVERNO TRUDEAU E CRISE RECENTE

2015: Justin Trudeau é eleito

2017: Relatório conclui que Trudeau feriu lei de conflito de interesses ao aceitar presentes e férias de Aga Khan, filantropo muçulmano; não houve condenação

2019: Divulgação de fotos de Trudeau no passado com blackface reduz popularidade do premiê

Governo perde maioria no Parlamento

2021: Nova eleição mantém governo sem maioria na Casa

2022: Manifestações antivacina bloqueiam estradas; Trudeau declara estado de emergência

Setembro de 2024: Partido de centro-esquerda NDP deixa acordo com Partido Liberal de Trudeau, o que na prática dificulta aprovação de medidas do governo; Partido Conservador, de oposição, entra com primeira moção de desconfiança contra Trudeau. Ministro dos Transportes renuncia e decide se manter como independente no Parlamento

Outubro de 2024: Segunda moção de desconfiança do Partido Conservador; Trudeau sobrevive novamente

Dezembro de 2024: Ministro de Habitação anuncia que vai deixar o gabinete; ministra das Finanças, vice-primeira-ministra e amplamente vista como sucessora de Trudeau, Chrystia Freeland renuncia em meio a rusgas e discordâncias com o premiê; terceira moção de desconfiança contra Trudeau falha de novo, mas líder do NPD, antigo aliado, compromete-se a votar a favor de eventual nova moção.

Janeiro de 2025: Trudeau anuncia que renunciará da liderança do Partido Liberal e do cargo de premiê