WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Quatro anos após ser invadido por apoiadores de um derrotado Donald Trump, o Congresso dos Estados Unidos se reuniu desta vez para confirmar a vitória do republicano na eleição à Casa Branca. A sessão conjunta de Câmara e Senado, nesta segunda-feira (6), chancelou sem incidentes a conquista de 312 dos 538 votos do Colégio Eleitoral por Trump em novembro do ano passado.

Coube à vice-presidente Kamala Harris, derrotada no pleito, anunciar o triunfo do adversário. Por ser vice, a democrata acumula o cargo de presidente do Senado e, por isso, comandou a sessão conjunta no Parlamento para contagem e certificação das cédulas eleitorais.

A cerimônia foi célere e marcada pela tranquilidade. Em pouco mais de meia hora, não houve qualquer contestação ao resultado do pleito. Na declaração que fechou a sessão, Kamala anunciou os delegados obtidos por ela e pelo adversário na corrida eleitoral. “Kamala D. Harris, do estado da Califórnia, recebeu 226 votos”, disse a atual vice, sob aplausos, em discurso protocolar e na terceira pessoa.

Ela obteve número inferior aos 270 necessários para vencer a disputa. A democrata anunciou a confirmação da eleição do rival sem questionamentos, ao contrário de Trump, que até hoje não reconhece sua derrota diante de Joe Biden em 2020. Há quatro anos, o republicano instigou seus simpatizantes a ir ao Congresso em 6 de janeiro de 2021, e a tentativa deles de impedir esse mesmo processo de certificação resultou em tumultos com cinco mortes e dezenas de feridos.

Antes da sessão, Kamala publicou vídeo em suas redes sociais dizendo que seu papel na cerimônia representava uma “obrigação sagrada”. “[Obrigação] que eu defenderei guiada pelo amor ao país, lealdade à nossa Constituição e minha fé inabalável no povo americano”, disse.

A certificação da vitória é similar à diplomação do presidente no Brasil, mas nos EUA esse processo é conduzido pelos congressistas e pelo vice-presidente da República. O presidente eleito não participa e não comparece ao evento. Esse rito formaliza o caminho para a posse do republicano, no próximo dia 20.

Na sessão, representantes do Congresso, a poucos metros de Kamala, anunciaram os votos dos delegados de cada estado. Um a um, eles disseram que o processo foi autêntico e sem qualquer irregularidade. Políticos republicanos aplaudiram os anúncios que declarava Trump vencedor, enquanto os democratas fizeram barulho nos anúncios de triunfo da atual vice.

Sob uma forte nevasca que praticamente paralisou Washington e deixou as ruas desertas, a sessão desta segunda ocorreu sem incidentes e sem protestos no entorno do Capitólio, num cenário bem diferente de quatro anos atrás.

O deputado democrata Jamie Raskin, que foi membro do comitê que investigou o 6 de Janeiro, afirma que a sessão desta segunda foi “como deveria ser”. “Estou orgulhoso de que os democratas se levantaram em nome da Constituição em vez de espalhar mentiras e violência”, afirmou. Segundo o parlamentar, o papel dos congressistas é apenas receber os votos e contá-los.

Já a republicana Marjorie Taylor Greene disse que a certificação deste ano transcorreu de modo tranquilo porque não houve fraude eleitoral —o que ela insiste ter ocorrido em 2020, sem provas.

Em sua rede social, Trump fez provocações. Disse que certificação de sua vitória é “um grande momento na história” e acusou Biden de fazer “tudo para tornar a transição o mais difícil possível”. Citou ainda o que seria uma frase de Elon Musk, o bilionário que será membro do alto escalão do governo, segundo a qual “a civilização estaria perdida” se Trump não tivesse vencido a eleição.

Biden e Kamala já haviam aceitado o resultado eleitoral e incentivado os correligionários a fazerem o mesmo. Por isso, a expectativa era mesmo de uma cerimônia tranquila. Ainda assim, Washington reforçou a segurança e aprimorou a infraestrutura do Capitólio para este 6 de janeiro.

Pela primeira vez, a certificação foi classificada de um Evento Nacional de Segurança Especial. Isso permitiu ao Serviço Secreto dos EUA coordenar os esforços pela proteção do Congresso e a aplicação de recursos locais e federais. Essa classificação é concedida a cerimônias de grande porte, como a posse presidencial em si e as convenções dos partidos Democrata e Republicano.

A medida atendeu a um pedido da prefeita de Washington, a democrata Muriel Bowser, e de integrantes do comitê de parlamentares que investigaram o 6 de Janeiro.

Cercas também ficaram levantadas ao redor do Capitólio nesta segunda, e a entrada no prédio foi limitada a pessoas autorizadas e credenciadas —sem acesso aberto ao público.

Após os distúrbios de 2021, cerca de 1.500 pessoas foram acusadas por crimes ligados à tentativa de reverter o resultado eleitoral.

Trump também foi investigado e acusado de insuflar a invasão e impedir a certificação do democrata. No dia da invasão, o republicano sabia que ocorria um ato de apoiadores na capital americana e os insuflou a ir ao Congresso. “Nós vamos marchar até o Capitólio. E nós vamos aplaudir nossos corajosos senadores, deputados e deputadas”, afirmou o republicano. “Eu sei que todos aqui vão em breve marchar para o Capitólio para que suas vozes sejam ouvidas de uma maneira pacífica e patriótica.”

Na ocasião, ele também incentivou o vice-presidente Mike Pence a contestar o resultado eleitoral durante a sessão. Isso levou o Congresso a atualizar a lei da Certificação Eleitoral em 2022 para assegurar que o papel do vice-presidente na cerimônia é protocolar e reduzir as possibilidades de questionamento ao pleito.

Apesar da acusação, Trump conseguiu se livrar do processo pelo 6 de Janeiro temporariamente graças à imunidade presidencial. O republicano também prometeu perdoar muitos dos acusados pela invasão do Congresso. Ele já se referiu a essas pessoas como heróis e ao 6 de Janeiro como um “dia de amor”.

Embora tenha aceitado a derrota de sua vice, o presidente Joe Biden pediu que os americanos não se esqueçam da invasão do Capitólio, em um artigo que publicou no jornal Washington Post na noite de domingo (5).

“Devemos lembrar da sabedoria do ditado de que qualquer nação que esquece seu passado está condenada a repeti-lo”, escreveu Biden no Washington Post.

“Tem havido uma incessante tentativa de reescrever —e até mesmo de apagar— a história daquele dia. De dizer que não vimos o que vimos com nossos próprios olhos. Com o tempo, haverá americanos que não testemunharam o motim de 6 de Janeiro, mas que aprenderão sobre ele a partir de imagens e depoimentos daquele dia”, prosseguiu. “Não podemos permitir que a verdade se perca.”