FLÁVIA G. PINHO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Descobrir tendências não é um exercício de futurologia: depende de olhar atento e muita sola de sapato gasta, pois só quem acumula repertório consegue detectar um movimento quando ainda está nascendo.

Especializada em identificar tendências globais de consumo, a WGSN, presente em 86 países, segue metodologia própria que leva em conta contexto social, tecnológico, político e ambiental .

“Se notamos um movimento aqui, no Brasil, que ainda não apareceu em outros países, o deixamos no ‘estacionamento’, porque pode escalar no futuro. O índice de acerto é 95%”, conta Rafael Araújo, líder de consultoria da WGSN América Latina.

Muitas tendências nascem em grandes centros, como Tóquio, Londres, Nova York e Paris, mas o universo da gastronomia põe outros cenários em evidência. “Países emergentes, como Brasil, Índia e México, têm contribuído com leituras diferentes de ingredientes e pratos”, diz Araújo.

Consultoria especializada no setor de alimentação, a Galunion faz a equipe circular em busca das informações que vende aos clientes. “Este foi um ano de muitas pesquisas, viagens e feiras internacionais para checar o que estará em alta no ano que vem”, afirma Simone Galante, uma das fundadoras.

As formulações a seguir foram compiladas com ajuda de relatórios de empresas especializadas, como a WGSN e a Galunion, e profissionais que passam boa parte do ano frequentando eventos internacionais, bares e restaurantes para calibrar o olhar.

BRASIL EM ALTA

Os ingredientes amazônicos prometem ganhar cada vez mais espaço no mundo. “Tenho visto muito açaí e tucupi nos cardápios”, diz Rosa Moraes, presidente do World’s 50 Best Restaurants na América Latina.

O Norte não é a única região a conquistar visibilidade. Marcio Silva, sócio do bar Exímia, na capital paulista, garante que o país todo estará na moda, tendo a caipirinha como principal símbolo -e a cachaça, na carona, será elevada a um novo patamar. “Vamos apresentar ao mundo nossa diversidade de sabores e de madeiras.”

Em restaurantes e bares, o mergulho nas regionalidades do promete pautar o trabalho dos chefs.

“A cozinha dos biomas, com suas sementes, frutas e ervas raras, é o novo artesanal”, aposta Cristiana Beltrão, fundadora do Instituto Bazzar, especializado em pesquisa de ingredientes e territórios.

Para Cleber Sabonaro, gerente de economia e inteligência competitiva da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), a onda nacionalista também será cada vez mais absorvida por marcas.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL EM VÁRIAS FRENTES

A tecnologia vai invadir todos os segmentos. Será usada da elaboração de menus à criação de projetos arquitetônicos, como fez o restaurante Sendo, em Nova York. Em Pasadena, na Califórnia, a lanchonete CalliExpress opera sem funcionários -e hambúrgueres são feitos por robôs autônomos.

Em Nova Alta Paulista (SP), a destilaria da cachaça Middas criou um setor de inteligência artificial e entregou a ele a missão de criar o blend da safra 2024.

MENOS É MAIS PARA ALIMENTOS

Jovens da geração Z vão querer se afastar dos produtos industrializados -receitas caseiras de bebidas gasosas, naturais e coloridas, serão a nova onda.

O teor alcoólico baixo será um atributo cada vez mais importante, especialmente no segmento dos vinhos, onde a oferta de rótulos zero álcool promete continuar crescendo.

RESTAURANTES E MENUS ENXUTOS

Empreendimentos tendem a ficar menores. “Como as pessoas abrem negócios próprios com menos capital, tenho visto surgirem microrrestaurantes em buraquinhos e portinhas”, diz Beltrão.

A tendência é internacional. Restaurantes tamanhos PP são novidade em Los Angeles (EUA), onde uma nova lei, anunciada em maio de 2024, autoriza o funcionamento de estabelecimentos em espaços residenciais.

O menu-degustação continua a dominar o ambiente da alta gastronomia, mas está encolhendo. “Eles são importantes para mostrar a criatividade dos chefs, mas ninguém quer comer mais do que nove pratos, com porções bem pequenas. Mais do que isso, é um sofrimento”, opina Moraes.

Beltrão aposta na revalorização das equipes. “Depois de anos com foco na cozinha e nos chefs, a luz volta ao salão. O serviço será a grande pauta do ano, mas sem o excesso de falatório. Há um cansaço das explicações imensas.”

O namoro entre cozinha e bar, acredita Silva, vai virar casamento. “Os bares estão dando mais atenção à cozinha e vice-versa. Tenho feito collabs com chefs incríveis pelo mundo. Agora, pop-ups de cozinha já têm o bar junto.”

A colaboração entre profissionais e marcas vai dar origem a novos produtos, prevê Galante. Ela cita como exemplos a parceria realizada entre Outback e Ruffles, que fez surgir um novo hambúrguer, e a coxinha suína assinada por Jefferson Rueda, chef d’A Casa do Porco, para festival da rede Ofner.

SUSTENTABILIDADE ALÉM DO DISCURSO

A cozinha de vegetais ganha novos contornos em função dos desafios impostos pelas mudanças climáticas. “Vejo chefs criando menus com ingredientes que prosperam em condições extremas, como algas e cactos. É o momento da resiliência alimentar”, afirma Rosa Moraes.

Interrupções inesperadas no fornecimento de certos alimentos farão surgir novos ingredientes -e consumidores terão de ser convencidos a experimentá-los.

O conceito quilômetro zero tende a se fortalecer. Segundo Cintia Goldenberg, da consultoria Ghesta, será o ano dos “ingredientes hiperlocais”. Também cresce a valorização da sazonalidade dos peixes. “O salmão é o novo tomate seco, virou cafona”, diz Beltrão.

Com a alta do preço da carne, cortes alternativos, como miúdos, mudam de status. E as marcas terão de ir além do discurso da sustentabilidade e mostrar claramente o impacto na comunidade e no ecossistema de produção.