CURITIBA, PR E BALNEÁRIO CAMBORIÚ, SC (FOLHAPRESS) – Em 2019, quando o venezuelano Jorge Castro, 58, se mudou para Balneário Camboriú (SC) para trabalhar como motorista, o aluguel de R$ 900 por uma kitnet mobiliada para morar com a esposa e o filho parecia razoável. Mas o valor saltou e a família precisou se mudar para um dos municípios vizinhos, a cidade de Camboriú.
“Foi subindo mais de R$ 200, ano a ano. Teve um momento que já não dava para pagar as contas e decidimos procurar outro lugar”, conta.
Balneário Camboriú, no litoral norte de Santa Catarina, é conhecida pelo turismo de luxo, com seus altíssimos prédios à beira do mar, alguns com uma espécie de estacionamento para moto aquática, e não é difícil encontrar trabalhadores locais que dormem na cidade ao lado.
“A empresa disponibiliza uma casa para os funcionários lá em Camboriú. Para pessoas que vêm de fora. Então eu trabalho aqui em Balneário Camboriú, mas moro em Camboriú”, diz o paulista Keven Iuri, 27, que integra uma equipe de marketing de uma empresa ligada ao turismo.
“Conheço gente que paga R$ 4.000 para morar sozinho numa kitnet em Balneário”, conta ele.
Segunda menor cidade de SC em área territorial, Balneário Camboriú foi criada a partir do desmembrado de Camboriú na década de 1960 e não há uma divisa evidente entre as duas cidades para quem está passando pela região -grosso modo, as pessoas acabam usando a BR-101 para dividir um município do outro.
Assim, Balneário estaria à direita de quem vai em direção a São Paulo pela rodovia- mas, na verdade, algumas poucas quadras à esquerda ainda pertencem a Balneário.
Apesar da proximidade, há problemas de trânsito e de transporte público no deslocamento dos trabalhadores entre as cidades.
“Transporte aqui nesta região tem que ser intercidades. Mas cada cidade quer ter seu transporte. Em Balneário, criaram a tarifa zero, mas são poucos ônibus, só rodam em dias de semana e nas principais avenidas. É limitadíssimo. E o trânsito é um problema sério”, diz Rodrigo Vieira, à frente do Sindisol (Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Balneário Camboriú e Região).
De acordo com a Prefeitura de Camboriú, cerca de 35 mil pessoas que residem na cidade seguem para trabalhar em Balneário. Outras cidades vizinhas, como Itajaí, também são moradias de trabalhadores de Balneário.
Em final de mandato, o prefeito de Balneário, Fabrício Oliveira (PL), diz que “a especulação imobiliária é legítima” e se refere aos altos prédios como “um arrojo que ajudou a cidade”. Ele afirma, contudo, que é possível modificar o Plano Diretor para permitir que “algumas áreas possam ter verticalização desde que os trabalhadores tenham acesso a esta moradia”.
“Como o metro quadrado ficou muito valorizado, precisamos vocacionar algumas áreas para receber as moradias mais populares”, explica Oliveira. “Hoje Balneário tem emprego sobrando, mas precisamos melhorar esse emprego, a partir do momento que a pessoa consiga morar e viver na cidade”, afirma.
Prefeita eleita em outubro, Juliana Pavan (PSD) diz que vai investir em programas de aluguel social e buscar parcerias com o município vizinho. “É um problema de caráter regional”, diz ela. Em Camboriú, o prefeito eleito é o ex-senador e também ex-prefeito de Balneário Leonel Pavan (PSD), pai de Juliana.
Para o atual secretário de Desenvolvimento Econômico de Camboriú, Ângelo César Gervásio, a cidade tem ficado apenas com o ônus da fama de Balneário. “Moradores daqui saem para trabalhar em Balneário em serviços diversos, são pessimamente remunerados lá e utilizam a saúde pública de Camboriú, os serviços de educação de Camboriú. Então Balneário se beneficia desta exploração”, declara ele.
Balneário tem um orçamento anual próximo de R$ 2 bilhões, contra menos de R$ 500 milhões de Camboriú.
Vereador de oposição ao atual prefeito, Eduardo Zanatta (PT) chama o alto orçamento de Balneário de “máquina de arrecadação”.
“Você vai ver estes prédios de alto padrão e não vai encontrar 30% dos apartamentos com a luz ligada. Para a prefeitura é o paraíso. Essas pessoas não demandam educação pública, não demandam saúde pública, e estão pagando IPTU, ITBI”, diz ele, em referência aos imóveis de uso ocasional, na época do verão, por exemplo, ou que foram comprados a título de investimento.
“O prefeito se orgulha de falar que Balneário tem o metro quadrado mais caro do Brasil, como se isso fosse desenvolvimento humano. Mas isso está causando um esvaziamento da cidade, uma segregação socioespacial”, diz o vereador.
Para o professor de economia da Univali (Universidade do Vale do Itajaí) Daniel da Cunda Corrêa da Silva, o próprio desmembramento de Balneário da década de 1960 pode ser considerado uma espécie de marco de um processo de gentrificação.
“Foi ele que delineou mais o perfil de quem mora em cada cidade. Camboriú ainda é uma cidade de produção agrícola, que abastece de hortaliças a região, e Balneário, até pelo próprio nome, indica este perfil para o turismo, para o veraneio”, explica.
“Itajaí [cidade vizinha] é referência como cidade portuária e Balneário acabou buscando outro perfil, para que não ficasse essencialmente na dependência das atividades e dos serviços da economia portuária da cidade vizinha. Apostou-se no crescimento imobiliário como principal motor de arrecadação, de expansão da economia”, explica ele.
Principalmente a partir do ano 2000, o professor conta que a verticalização se acentuou em Balneário, com compradores do agronegócio brasileiro, do interior de Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e uma parte de São Paulo. “Com apartamentos muitas vezes comprados à vista com o dinheiro da safra”, comenta ele. Em paralelo, continua o professor, também surgiram empresários do mercado financeiro, sobretudo de São Paulo e do Rio de Janeiro.
“Os trabalhadores assalariados de fato não conseguem viver naquela realidade”, diz o professor. “Parece que a ideia é que a cidade tenha um perfil de fato muito descolado da vida de um brasileiro médio”, avalia